Política

Pesquisa ou cartomancia
eleitoral em São Caetano?

  DANIEL LIMA - 19/09/2023

A impressão que me dominou depois de ler o que o Diário do Grande ABC publicou hoje sobre a rodada de pesquisa eleitoral do Instituto Paraná em São Caetano é que se tivesse consultado uma cartomante provavelmente sairia com as mesmas convicções e incertezas. Muitas mais incertezas do que convicções, claro.  

O que temos é uma coleção de dados contraditórios, quando não inconsistentes, decididamente voláteis e profundamente desafiadores. Está bom assim ou você quer mais? 

Se fosse um cara sério, nem deveria analisar o que se configura aberração estatística. O principal ponto desclassificatório à suposta cientificidade da pesquisa é a margem de erro de quatro pontos percentuais. São pontos percentuais extravagantes que remetem à bifurcação de margem de manobra. Já cansei de escrever sobre isso.  

Pesquisa de verdade com mais de dois pontos percentuais é pesquisa de mentirinha, ou pesquisa especulativa com finalidades variadas. O apressamento do calendário eleitoral é subproduto da velha política que fermentou a Operação Lava Jato.  

MARGEM DE MANOBRA  

A pesquisa do Instituto Paraná realizada em São Caetano me lança à avaliação que já fiz sobre o mesmo trabalho em Santo André e em São Caetano. Trata-se de aquecimento numérico com baixa consistência técnica, mas muita carga de suprimento mobilizador da maquinaria político-eleitoral. Em se plantando tudo dá.  

Sei que serei repetitivo, mas vou dar um exemplo do quanto quatro pontos percentuais são o fim da picada.  

No chamado Cenário 2 de São Caetano, Fabio Palacio lidera com 26,8% das intenções de voto, enquanto Regina Maura registra 23,5%. Com a aplicação dos quatro pontos percentuais de margem de erro, ou seja, quatro para cima e quatro para baixo, Fabio Palacio pode ter 30,8% e Regina Maura 19,5% tanto quanto Regina Maura pode ter 27,5% como Fabio Palacio 22,8%.  

FLEXIBILIDADE NUMÉRICA  

Se você pensou no Samba do Crioulo Doido diante de tamanho antagonismo, parabéns. Não se trata de inspiração, provavelmente. É mesmo indignação. Caso você se sinta um otário, claro. Eu me sinto.  

Caríssimo leitor: você acha que é possível tamanha margem de erro sem que se chegue à conclusão de que é mesmo margem de manobra, não margem de erro? 

Outro ponto em que a pesquisa derrapa para quem tem por obrigação buscar consistência numérica envolve os três principais concorrentes em São Caetano.  

Os dois já citados e o ex-prefeito interino Tite Campanella. Eles participaram do Cenário 1 e os resultados foram os seguintes: Fabio Palacio com 21,9%, Tite Campanella com 21,1% e Regina Maura com 17,7%. Os demais listados ficaram bem abaixo e nem devem ser considerados. 

O critério para excluir do Cenário 2 o concorrente que ficou logo abaixo de Fabio Palacio no Cenário 1, caso de Tite Campanella, não parece adequado às circunstâncias numéricas. Por que a exclusão de Tite Campanella e a manutenção de Regina Maura, que ficou em terceiro?  

DUPLO CRESCIMENTO  

Está certo que o Tite Campanella e Regina Maura integram a federação PSDB/ Cidadania, mas isso são outros quinhentos para efeitos da legislação eleitoral. Do ponto de vista exclusivamente perscrutador da opinião pública, a preferência por Regina Maura no Cenário 2 me parece incorreta. É claro que isso não tem validade caso aplique a margem de erro. Aí não tem nem como especular.  

A eliminação de Tite Campanella do Cenário 2 provocou duplo crescimento de intenção de votos registrados no Cenário 1. Fabio Palacio saltou 4,9 pontos percentuais (21,9% para 26,8%) e Regina Maura saltou 5,8 pontos percentuais. No fundo, tanto Fabio Palacio quanto Regina Maura não se beneficiaram correlativamente com a ausência de Tite Campanella. Não esqueça a margem de manobra.  

Quando se lança mão da margem de manobra, também margem de erro, os números embaralham e tornam indecifrável qualquer afirmativa que remeta a eventual deslocamento desequilibrante do eleitorado potencial de Tite a um dos dois supostos concorrentes finais com maior possibilidade de sucesso eleitoral. 

E A PROFUNDIDADE?  

Já que se pretende aparentemente rifar a candidatura de Tite Campanella, mas levando-se em conta, como já escrevi há tempos, que Tite Campanella é o fiel da balança da decisão dos eleitores de São Caetano, a pesquisa do Instituto Paraná só teria mais sentido se fosse a fundo para saber em quem seus eleitores votariam, se em Fabio Palacio ou em Regina Maura.  

Essa é a questão-chave que o Instituto Paraná poderia ter investigado, embora involuntariamente o fizesse ao criar o Cenário 2, mas mesmo assim sem profundidade.  

Até as crianças que estão plantando alface nas hortas escolares de São Caetano sabem que há três concorrentes às eleições do ano que vem e que o eixo que faz a roda de definições girar passa obrigatoriamente pela possibilidade de Tite Campanella ser descartado como candidato, mas ser abraçado efusivamente como parceiro.  

Vou insistir nesse ponto porque esse ponto é decisivo: os eleitores de Tite Campanella não seriam suficientes, aparentemente, para levá-lo à titularidade no Paço Municipal de São Caetano, mas têm tudo a ver com o resultado final das eleições que, todos sabem, é de turno único.  

VIA AUXILIAR  

Trocando em miúdos: fosse um jogador de futebol, Tite Campanella estaria valorizadíssimo porque seria, numa disputa por penalidades máximas, a garantia de que, como goleiro, asseguraria no mínimo duas defesas salvadoras.  

Chamá-lo de Cassio não o deixaria feliz, porque ao que parece o time dele é outro. Mas a passagem ocasional pelo cargo máximo e a história da família em São Caetano lhe deram visibilidade suficiente para, num corredor tão estreito como é a corrida pela Prefeitura, aparecer como uma terceira via.  

Não interpretem apressadamente o significado clássico-político de terceira via. Tite Campanella seria uma terceira via diferente da terceira via que se pretendeu e ainda se pretende na política nacional que a inviabiliza porque é de extremos flexíveis à direita e à esquerda.  

Tite Campanella seria uma terceira via sem lastro para virar primeira via dos eleitores em geral. Entretanto, contudo, porém e todavia, seria uma terceira via irrefutavelmente definidora de quem será a primeira via vitoriosa, se Fabio Palacio ou Regina Maura. 

VOTOS DESPERDIÇÃDOS   

Não tenho os dados sobre a quantidade de eleitores de São Caetano que, diante do entrevistador e sem contar com a cartela com os nomes dos candidatos, definiu de pronto em quem pretende votar em outubro do ano que vem.  

Se em Santo André e em São Bernardo foram 70% dos eleitores que se pronunciaram “não sei”, em São Caetano, por mais que existam especificidades culturais, o montante deve ser semelhante. Se o for, o que temos é a confirmação de que há muita pressa na cronologia eleitoral. 

De qualquer maneira, com a cartela de candidatos que dão suporte ao voto estimulado, o que se obtém é o óbvio já exposto, de três concorrentes fortes. Mas mesmo assim, com a pesquisa estimulada, 30,8% não responderam, não sabem ou votariam em branco diante das alternativas contidas no Cenário 2. Quando se trata de Cenário 1, foram 25,8% os refratários.  

O que se pergunta é a seguinte: será que o aumento de votos desperdiçados no Cenário 2 não teria relação com o afastamento arbitrário da candidatura de Tite Campanella? 

TRÍPLICE REJEIÇÃO  

Para completar a cartomancia de São Caetano, porque o que se segue só aumenta essa desconfiança, o nível de rejeição aos três principais concorrentes é uma coisa extraordinária: todos eles, queiram ou não, são praticamente tão rejeitados quanto escolhidos pelo eleitorado.  

Regina Maura lidera com 26,2% dos eleitores que não a querem nem pintada de ouro, Fabio Palacio coleciona 22,4% e Tite Campanella 21,9%. Ou seja: estão empatadíssimos dentro da margem de manobra de quatro pontos percentuais.  

Creio que o questionamento tenha sido feito numa sequência lógica do roteiro de entrevistas, ou seja, na etapa seguinte à aplicação da cartela que oferecia ao entrevistado o cardápio de opções.  

Ou seja: os níveis de rejeição se somariam aos votos desperdiçados, que são um terço da amostra. A reportagem do Diário do Grande ABC não deixa essa avaliação a salvo de equívoco. Suponho que para aferir a rejeição individual tenha havido uma etapa específica de questionamento, assim como se deu no caso de preferência.  

Por essas e por outras fica difícil entender o significado agregado de uma pesquisa eleitoral com subjetividades da cartomancia. Como bom descendente de mouros, não creio em bruxas, mas que elas existem, existem!  

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