Administração Pública

CGU CONFIRMA CORRUPÇÃO
DA COVID EM SANTO ANDRÉ

  DANIEL LIMA - 31/07/2023

O relatório da CGU (Controladoria-Geral da União) não faz uso uma única vez sequer do termo corrupção ou mesmo algo correlato no campo criminal. Nem precisaria. A auditoria que o órgão do Governo Federal preparou sobre dois dos muitos contratos suspeitos de uso de dinheiro público na Fundação do ABC pela Prefeitura de Santo André durante a pandemia do Coronavírus é mais que esclarecedora.  

A Covid foi uma festa para agentes públicos e privados no período mais inquietante da humanidade –essa é a interpretação mais cândida sobre o relatório da CGU.  

Foram analisados apenas dois contratos entre dezenas que a Fundação do ABC executou durante a pandemia. Os valores colocados sob suspeição pela CGU alcançam quase R$ 20 milhões.  

DENÚNCIAS SEGUIDAS   

CapitalSocial fez denúncias seguidas e publicou, inclusive, o conteúdo de uma auditoria externa privada contratada pela então presidente da Fundação do ABC, Adriana Berringer.  

A Prefeitura de Santo André se omitiu o tempo todo. Agora, diante do aperto da CGU, teve que se explicar. E se explicou muito mal. Até porque é difícil se explicar quando as explicações se descolam de provas materiais.  

A Controladoria-Geral da União é espécie de xerife do governo federal. A missão é o controle interno. Tem a responsabilidade pela defesa do patrimônio público e pelo incremento da transparência na gestão com ações de auditoria e fiscalização, correição, prevenção e combate à corrupção, além de ouvidoria.   

RELATÓRIO ESCLARECEDOR  

O que CapitalSocial reproduz em seguida é praticamente o relatório integral da CGU sobre o que foi encontrado nos dois contratos sob o controle da Prefeitura de Santo André. Foram, segundo reconhecem os auditores, duas amostras apenas. Os casos que eles chamam de irregularidades seriam muito mais, reconhecem os agentes federais, se houvesse ações em outros contratos.   

Os termos para diagnosticar a corrupção de agentes de Santo André na Fundação do ABC utilizados pelos auditores da Controladoria-Geral da União são diplomáticos. Lembram um locutor esportivo que, por mais que o lance seja dramático, porque a bola está prestes a ir às redes, mantém distanciamento gélido como se descrevesse um velório.  

Mesmo assim, capta-se uma exposição cortante. Não há espaço a tergiversações. A bola no barbante pode até não ser entoada num grito típico dos narradores espetaculosos. Mas a bola entrou. Foi gooooool mesmo. Sem VAR.   

DOCUMENTO IRRETOCÁVEL 

O documento é tecnicamente irretocável. E não se prende a acusações unilaterais. A Prefeitura de Santo André se manifestou em réplica, numa tentativa democrática de defesa do praticamente indefensável. A tréplica da CGU a várias das questões abordadas foi aniquilante. Quando a defesa argumentativa e de provas é frágil, não há como segurar o ataque do contraditório fundamentado.  

Deixaremos para a edição de amanhã todo o histórico de análises de CapitalSocial sobre esse monumental caso de corrupção na Fundação do ABC, instituição sob o comando tríplice das prefeituras de Santo André, São Bernardo e São Caetano.   

CENTRAL DE CORRUPÇÃO   

O núcleo das operações de corrupção denunciada com diplomacia pela Controladoria-Geral da União é a Central de Compras, uma divisão à parte na estrutura funcional da FUABC, sob o controle da Prefeitura de Santo André durante o período da pandemia. Homens indicados pelo prefeito Paulinho Serra estiveram em ação.  

Vejam o resumo do que será, em seguida, analisado detalhadamente pelos agentes da Controladoria-Geral da União.   

1. Funcionários da própria Fundação prestaram serviços pela Clínica Médica São Francisco e pela São Francisco Serviços Médicos, para a própria Fundação, descumprindo o Regulamento de Compras e Contratações da contratante e a jurisprudência existente, envolvendo o montante de R$ 959.780,00. 

2. Pagamentos a título de coordenação e diretoria em quantitativos e valores superiores aos contratados junto à Clínica Médica São Francisco, no montante de R$ 1.126.288,90. 

3. Pagamento por serviços médicos presumidamente prestados pela Clínica Médica São Francisco no Hospital de Campanha Bruno Daniel após encerramento das atividades envolvendo pagamentos no montante de R$ 11.126.288,90. 

4. Valores pagos à Clínica Médica São Francisco, nos meses de fevereiro e março de 2021, incompatíveis com o estabelecido em aditamento ao contrato, superando em R$ 2.051.874,50 o montante previsto. 

5. Falta de comprovação da efetiva prestação dos serviços pela São Francisco Serviços Médicos afetos ao contrato envolvendo o montante de R$ 3.067.431,78. 

6. Falta de comprovação quanto à experiência/especialização exigida para os médicos da São Francisco Serviços.  

7. Ausência de comprovação de vínculo societário dos médicos juntos à São Francisco Serviços Médicos, sugerindo descumprimento do contrato e configurado subcontratação total dos serviços. 

8. Subcontratação total dos objetos do contrato pela Clínica São Francisco e do contrato pela São Francisco Serviços Médicos, sem anuência da Fundação do ABC.   

RELATÓRIO GERAL  

Trata-se do exame de duas contratações realizadas pela Fundação do ABC no âmbito do Contrato de Gestão nº 348/2015, firmado entre a citada Fundação e a Prefeitura Municipal de Santo André. Primeiramente tem-se o Contrato nº 119/2019, firmado entre a Fundação do ABC e a São Francisco Serviços Médicos Ltda. EPP, CNPJ 23.604.686/0001-25, cujo objeto é a prestação de serviços médicos de Clínico Geral, Pediatra e Emergencista nas Unidades de Pronto Atendimento – UPA do município de Santo André. O Contrato nº 119/2019 adveio do Processo de Coleta de Preços nº 119/2019, assinado em 20.09.2020, e teve vigência original de doze meses. Dentre as exigências constantes do processo destacam-se:  Participação societária dos médicos na empresa ; Título de Especialização em Pediatria; Título de Especialização em Urgência e Emergência ou Carta (mínimo doze meses de experiência). Foram apresentadas oito propostas, tendo-se logrado vencedora a da São Francisco Serviços Médicos nos mesmos valores estimados pela contratante (R$ 1.370,00/plantão), conforme Ata de Julgamento lavrada em 27.08.2019 por comissão formada por três membros.  

Já o Contrato nº 318-A/2020, firmado entre a Fundação do ABC e a Clínica Médica São Francisco Mogi das Cruzes Ltda., CNPJ 21.941.817/0001-34, foi celebrado no âmbito da emergência da Covid-19 e teve como objeto a prestação de serviços médicos em enfermaria, UTI e sala de emergência, pelo prazo de noventa dias. Sendo assim, cabe salientar que, em 18.03.2020, a Fundação do ABC emitiu a Portaria nº 011/2020 que declarou emergência (Covid-19) e autorizou a dispensa dos procedimentos previstos no art. 5º do seu Regulamento de Compras enquanto perdurasse a situação excepcional, como, por exemplo a necessidade de coleta de preços e apuração da melhor oferta. Ademais, o art. 24 do mesmo regulamento prevê a dispensa dos procedimentos do Título III (Procedimentos de Aquisição de Bens e Serviços) nos casos de emergência ou de calamidade pública, declarada pelo Estado ou Municípios, que atinjam o objeto do contrato ou do convênio.  

O processo se inicia com solicitação do Secretário Municipal de Saúde de Santo André para que a Diretoria Geral da Central de Convênios da Fundação do ABC (em 30.03.2020) proceda à contratação de plantões médicos por dispensa com base na emergência do Covid-19, estimando-se: 1860 Plantões de Clínica Médica e 744 Plantões de Intensivistas e um gasto total mensal de R$ 4.960.000,00. O processo é aberto em 03.04.2020 prevendo duração de noventa dias para os serviços, sendo que a proposta da Clínica Médica São Francisco foi recebida nessa mesma data.  

Em 06.04.2020 é lavrada a Ata de Reunião de Julgamento Emergencial onde fica registrada a importância da contratação em vista do número de atendimentos e a necessidade de leitos para enfrentamento da Covid-19, o entendimento pela adequação das condições técnicas da empresa e a falta de necessidade em se buscar três cotações (estimativa de preços) para avaliação quanto à adequação dos preços com base no §2º do art. 4º-E da Lei Federal nº 13.979/2020 (acrescido pela Medida Provisória nº 926/2020): “Art. 4º-E Nas contratações para (...) §2ºExcepcionalmente, mediante justificativa da autoridade competente, será dispensada a estimativa de preços de que trata o inciso VI do caput.” Em 07.04.2020, é assinado o Contrato Emergencial de Prestação de Serviços Técnicos Especializados – Processo nº 318-A/20, cujos preços são os mesmos apresentados na proposta, e o prazo é fixado em noventa dias (até 07.07.2020).   

Cabe destacar que em 25.11.2020 é formalizado Termo de Deslocamento de Médicos dos Hospitais de Campanha para UBS devido à grande quantidade de altas, para acompanhamento da pós-alta dos casos de Covid-19 saídos dos hospitais de campanha, ensejando o deslocamento dos médicos para temporariamente atuarem em UBS/USF.  

A São Francisco Serviços Médicos Ltda., CNPJ 23.604.686/0001-25, é uma empresa de pequeno porte, aberta em 05.11.2015, com capital social de R$ 10.000,00 e apenas três sócios. Por meio do levantamento da participação societária de cada um dos três sócios, constata-se que a São Francisco Serviços Médicos tem vínculo com as seguintes empresas do ramo de serviços médicos: Grecco Saúde S/C Ltda, CNPJ 20.238.013/0001-00; Global Med Serviços Médicos Ltda, CNPJ 39.365.527/0001-55; B&B Consultoria e Serviços Médicos e Odontológicos Ltda., CNPJ 09.015.507/0001-93; Clínica Médica Consulta do Povo Ltda., CNPJ 25.116.801/00001-48; e Instituto de Desenvolvimento em Saúde, CNPJ 14.796.806/0001-42. Ademais, dois dos sócios da São Francisco Serviços Médicos também são sócios da Clínica Médica São Francisco, CNPJ 21.941.817/0001-34 (que a partir de 10.12.2020 passou a se chamar Global Medcare Serviços Médicos Ltda.). As duas empresas também compartilham o mesmo contador.  

Para exame sobre a contratação e execução dos serviços, tanto no âmbito do Contrato nº 119/2019 quanto do Contrato nº 318-A/2020, foram elaboradas quatro questões de auditoria, a saber:  

1) Houve implantação de instância para acompanhamento da execução e fiscalização dos contratos de gestão celebrados com a Fundação do ABC? O acompanhamento realizado pela Prefeitura sobre o contrato de gestão é satisfatório para mitigar os riscos?  

2) O Processo de contratação respeitou o regulamento de compras e contratação de serviços da Fundação do ABC e garantiu publicidade e competitividade? Houve pesquisa de preços? Os preços contratados (valores de plantão; hora de trabalho; exames; remoções etc.) estão compatíveis com o mercado? A contratada tinha estrutura e qualificação técnica compatível com a complexidade e o tamanho do contrato buscado pela Fundação do ABC? A empresa contratada tem sócios/representantes que configuram conflito de interesses por ou ser colaborador da prefeitura ou componente dos quadros da OSS?  

3) Há comprovação de que os serviços contratados, e pagos mensalmente (ex.: plantões médicos; enfermaria; remoções ou exames) foram realmente prestados nas condições previstas em contrato e termo de referência? Há registro (Escalas com Nome e CRM) da produção por profissional nos períodos examinados? As metas eventualmente definidas no contrato de gestão vêm sendo cumpridas? Em caso negativo, houve os devidos descontos no pagamento e/ou readequações eficientes nas metas e/ou nos contratos mediante aditivos?  

4) O processo de pagamento dos médicos realizado pela empresa respeita a legislação vigente e garante os recolhimentos previdenciário e de FGTS?  

RESULTADOS DA CGU  

1. Funcionários da própria Fundação do ABC prestaram serviço, pela Clínica Médica São Francisco (Contrato nº 318-A/2020) e pela São Francisco Serviços Médicos (Contrato nº 119/2019), para a própria Fundação, descumprindo o Regulamento de Compras e Contratações da contratante e a jurisprudência existente, envolvendo o montante R$ 959.780,00.  

Da análise dos processos de pagamento e demais documentos comprobatórios da prestação dos serviços, constatou-se que uma parcela relevante dos valores cobrados pela Clínica Médica São Francisco esteve atrelada aos serviços de Coordenação Médica (incluindo uma função de Diretoria Geral), sendo que, conforme achado específico deste relatório, tais serviços foram cobrados, inclusive, em dissonância com o que previa o contrato.  

Fato relevante advindo do exame pormenorizado dessa parcela dos serviços está na identificação dos médicos que cumpriram essas funções, uma vez que boa parte desses profissionais constituía-se de funcionários da própria Fundação do ABC (Contratante) quando da sua atuação como coordenador e/ou diretor pela Clínica Médica São Francisco, o que desrespeita vedação expressa do Regulamento de Compras e Contratações de Serviços de Terceiros e Obras da Fundação do ABC, a saber:  

Ao se proceder a consultas junto aos registros de pagamento de Guias de Recolhimento do FGTS e de Informações à Previdência Social – GFIP, pagas em nome dos médicos constantes dos processos de pagamento (coordenadores dos Hospitais de Campanha Bruno José Daniel e Dell Antônia) e indicados na relação enviada pela Secretaria Municipal de Saúde de Santo André, totalizando 23 profissionais, constatou-se que quinze desses profissionais médicos já eram funcionários da Fundação do ABC no período em que teriam atuado. Cumpre lembrar que o Contrato nº 318-A/2020 teve vigência de abril de 2020 a fevereiro de 2021.  

Cabe ressaltar que o Contrato nº 318-A/2020 teve vigência de abril de 2020 a fevereiro de 2021e que, consoante dados acima, mais de 60% dos profissionais escalados pela Clínica São Francisco para tais funções eram empregados da própria Fundação.  

Foram examinados os documentos disponibilizados referentes às notas fiscais emitidas ao longo da execução do Contrato nº 318-A/2020, tendo-se levantado que os pagamentos que favoreceram médicos da própria Fundação do ABC, pelas funções de coordenação e direção prestadas pela Clínica São Francisco, somaram, pelo menos*, R$ 831.000,00, conforme Quadro 5 a seguir (*Não foram apresentados detalhes ou comprovantes suficientes para as Notas Fiscais nºs 233/2020; 431/2021; e 440/2021):  

A mesma situação foi evidenciada ao se examinarem os comprovantes de pagamento/ execução do Contrato nº 119/2019, firmado entre a Fundação do ABC e a São Francisco Serviços Médicos, pois, mediante exame de amostra de processos de pagamentos, identificou-se favorecimento a profissionais da própria Fundação do ABC no tocante aos serviços definidos em nota fiscal como “Prestação de Serviços – Clínico Geral – Óbitos”.  

Evidenciou-se que foram pagos pela Fundação, à São Francisco Serviços Médicos, um total de R$ 323.320,00 pelos serviços de verificação e atestados de óbitos – SVO, distribuídos em cinco meses de atuação. Conforme dados dos comprovantes e testes realizados, evidenciou-se que cinco dos médicos eram funcionários da própria Fundação do ABC. Sobre os processos de pagamento acima (Serviços de Verificação de Óbitos), destaca-se também o comprometimento do princípio de segregação de funções, uma vez que se evidenciou vínculo entre os responsáveis pelo ateste dos serviços supracitados e alguns dos médicos beneficiados pelos pagamentos.  

Em resposta ao relatório preliminar, a Prefeitura Municipal de Santo André/Fundação do ABC discorreu sobre a compatibilidade de horários/escalas, ausência de vedação na CLT e vantajosidade da escolha frente ao pagamento de horas extras pela Fundação do ABC aos seus médicos; todavia, não houve comprovação de vantajosidade da opção, além de ter se configurado infringência à jurisprudência do STF (ADIN nº 1.923/2015) e ao entendimento do TCU (Acórdão nº 2.057/2016 – Plenário), por ter se desrespeitado princípios constitucionais como a impessoalidade, e, ainda, à vedação expressa contida no Regulamento de Compras e Contratações de Serviços de Terceiros e Obras da Fundação do ABC.   

2. Pagamentos a título de coordenação e diretoria em quantitativos e valores superiores aos contratados, no âmbito do Contrato nº 318- A/2020 junto à Clínica Médica São Francisco, no montante de R$ 1.011.000,00.  

De modo a avaliar a regularidade dos valores pagos pelos serviços, foi examinada amostra de processos de pagamento envolvendo os meses de junho/2020 a fevereiro/2021, tendo-se identificado inconsistências no tocante aos valores pagos a título de coordenação e direção de serviços, uma vez que os pagamentos envolveram funções, quantidades e valores divergentes dos propostos/contratados.  

Inicialmente, cabe lembrar que na proposta apresentada pela Clínica Médica São Francisco Mogi das Cruzes Ltda. e, posteriormente, no Contrato nº 318-A/2020, foi prevista a disponibilização de médicos coordenadores (podendo inclusive ser um dos plantonistas) ao custo de R$ 15.000,00/mês por coordenador. Todavia, ao se examinar os processos de pagamento, constatam-se diversas divergências entre os valores previstos e pagos, ensejando despesas adicionais e em valores superiores.  

No primeiro mês de prestação dos serviços - abril de 2020 - conforme Nota Fiscal nº 236/2020 e comprovantes anexos, foram pagos R$ 45.000,00pelos serviços de coordenação no Hospital de Campanha Dell Antônia, embora o previsto se limitasse a R$ 30.000,00, surgindo aqui o primeiro indicativo de prejuízo (da ordem de R$ 15.000,00). Já em maio de 2020, os valores cobrados a título de coordenação estiveram dentro do previsto.  

Não obstante estar previsto o pagamento de quatro profissionais médicos a título de coordenador, no valor total de R$ 60.000,00 por mês, os comprovantes de pagamento examinados evidenciaram que foram pagos coordenadores médicos em maior quantidade, bem como um Coordenador de Núcleo Interno de Regulação de Hospitais de Campanha e um Diretor Médico de Hospitais de Campanha, englobando valores mensais que chegaram a R$ 188.000,00 em alguns meses.  

Ou seja, além do pagamento por coordenadores em número maior que o estabelecido em proposta/contrato, foi incluído um pagamento por um coordenador de regulação e por um diretor médico, bem como foram pagos valores acima dos previstos por coordenador médico (R$ 16.000,00 em vez dos R$ 15.000,00 previstos).  

Salienta-se que dezessete dos 23 profissionais médicos que receberam como coordenador eram funcionários da Fundação do ABC no período em que os serviços foram prestados.   

Dessa forma, verifica-se que foram pagos pela Fundação do ABC à Clínica Médica São Francisco um total R$ 1.011.000,00 (R$ 996.000,00 de junho/2020 a fevereiro/2021 + R$ 15.000,00 em abril/2020), englobando quantidades e valores divergentes dos previstos.  

Em resposta ao relatório preliminar, a Prefeitura Municipal de Santo André/Fundação do ABC alegou que a escalada na crise da pandemia de Covid-19 exigiu aumento na quantidade de coordenadores de modo a oferecer maior segurança aos plantonistas e aos pacientes, fato que mitiga parcialmente a falha; contudo, os pagamentos pelos serviços extras não estiveram embasados em contrato/ termo aditivo, além de favorecerem médicos da própria contratante.  

3. Pagamento por serviços médicos presumidamente prestados pela Clínica Médica São Francisco no Hospital de Campanha Bruno Daniel após encerramento das atividades na Unidade envolvendo pagamentos no montante de R$ 1.126.288,90 na execução do Contrato nº 318-A/2020.  

Visando avaliar a adequação dos pagamentos realizados pela Fundação do ABC, foi examinada amostra dos comprovantes apresentados, destacando-se o pagamento de três notas fiscais por terem sido emitidas supostamente após o encerramento das atividades da unidade de saúde a que se referiam (Hospital de Campanha Bruno José Daniel).  

Conforme informações prestadas pelo Secretário Municipal de Saúde de Santo André, encaminhada por meio do Ofício de 19 de julho de 2021, as atividades do Hospital de Campanha Bruno José Daniel foram encerradas em 22.08.2020; sendo assim, conforme exame dos processos de pagamento de agosto, setembro e outubro/2020, há sinais de que os serviços pagos por meio de três notas fiscais abrangem período posterior ao fechamento do citado hospital de campanha.  

Conforme se pode visualizar, não obstante algumas inconsistências na descrição do objeto, pode-se entender que esses três pagamentos consistiram em serviços supostamente prestados no Hospital de Campanha Bruno José Daniel dadas as coincidências. Por exemplo, apesar de a NF 386/2020 apresentar descrição genérica na relação de plantões (Hospital de Campanha) e, ainda, não possuir identificação/assinatura do médico responsável, há coincidência, em relação às duas notas anteriores, nas quantidades de coordenadores e, inclusive, nos nomes dos médicos que aparecem nas relações de plantões.  

Salienta-se que não há, no Processo nº 318-A/2020, qualquer documento que trate de eventual mudança do local de prestação dos serviços. Ademais, se fosse o caso, a alteração deveria estar amparada em Termo Aditivo.  

Sendo assim, entende-se ter embasamento frágil o pagamento das Notas Fiscais nºs 356 e 386/2020 (setembro e outubro/2020), bem como, parcialmente, o pagamento da Nota Fiscal nº 339/2020 (agosto/2020).  

No tocante à NF 339/2020, considerando a informação de que o referido hospital de campanha teria encerrado suas atividades em 22.08.2020, pode-se inferir que resta prejudicada a comprovação da prestação de serviços referente aos 110 plantões que foram cobrados após o dia 22.08.2020 e dos serviços de coordenação que também se encerrariam com o final dos plantões. Assim, têm-se 110 plantões no valor de R$ 1.600,00cada, cobrados como executados no período de 23 a 31.08.2020, e totalizando R$ 176.000,00, além de serviços de coordenação cobrados integralmente no valor de R$ 63.000,00, sendo que, todavia, não há comprovação suficiente de que teriam sido prestados a partir de 23.08.2020 (29,03% do mês todo), resultando no pagamento indevido de R$ 18.288,90. Ou seja, R$ 194.288,90 foram pagos sem embasamento suficiente por meio da NF 339/2020.  

Dessa forma, dada a relevante inconsistência afeta aos três pagamentos acima, sugere-se que resta comprometida a comprovação da efetiva prestação dos serviços envolvendo pagamentos da ordem de R$ 1.126.288,90 (R$ 477.200,00 da NF 356/2020 + R$ 454.800,00 da NF 386/2020 e, ainda, R$ 194.288,90 da NF 339/2020).  

Em resposta ao relatório preliminar, a Prefeitura Municipal de Santo André/Fundação do ABC alega que, após encerramento das atividades do Hospital de Campanha Bruno José Daniel, os serviços teriam sido transferidos, de forma gradativa, para o Centro Hospitalar Municipal e para o Hospital de Campanha da Universidade Federal do ABC, conforme pedido de 31.07.2020 (retroagindo a 02.07.2020) enviado pela Fundação do ABC à empresa Clínica Médica São Francisco; todavia, não foi apresentada comprovação de anuência por parte da empresa, não houve emissão de termo aditivo específico e não foi apresentada documentação que embasasse tal alteração, como relação de plantões, escalas e folhas de frequência dos novos locais de prestação.  

A comprovação mínima quanto aos serviços está prevista em entendimento do TCU sobre assunto, consoante Acórdão TCU nº 2.057/2016 – Plenário, em que se exige que o pagamento das entidades contratadas deve estar suportado por documentos que comprovem que os serviços foram efetivamente prestados.  

4. Valores pagos à Clínica Médica São Francisco, nos meses de fevereiro e março/2021, incompatíveis com o estabelecido em aditamentos ao Contrato nº 318-A/2020, superando em R$ 2.051.874,50 o montante previsto.  

A partir de 15 de dezembro de 2020 foi estabelecida nova razão social para a Clínica Médica São Francisco Mogi das Cruzes Ltda., que passou então a ser chamada de Global Medcare Serviços Médicos Ltda. Desde então foram firmados dois aditamentos ao Contrato nº 318- A/2020: o Termo Aditivo nº 05/2020, que prorrogou a vigência de 31.12.2020 a 31.01.2021, e o Termo Aditivo nº 01/2021, prorrogou a vigência de 31.01 a 28.02.2021.  

Exame sobre os processos de pagamentos efetuados durante a vigência de tais aditamentos indicou que o total pago à contratada nos meses de fevereiro e março de 2021 superou os valores estabelecidos nos respectivos termos de aditamento.  

O Termo de Aditamento nº 05/2020 previu um valor máximo no importe de R$ 4.585.929,03 para os trinta dias; todavia, evidenciou-se ter sido pago um total de R$ 5.299,100,00, conforme Notas Fiscais de nºs 456 e 457, ambas emitidas em 18.02.2021, nos valores de R$ 3.048.600,00 e R$ 2.250.500,00, respectivamente.  

Já o Termo de Aditamento nº 01/2021 previu, também, um valor máximo no importe de R$ 4.427.792,44 para os trinta dias; contudo, observou-se terem sido pagas duas notas fiscais (NF 472– R$ 2.490.696,08, e NF 473 – R$ 3.275.800,00, ambas emitidas em 22.03.2021) envolvendo um montante de R$ 5.766.496,08.  

Ou seja, entende-se que em fevereiro (serviços prestados de 31.12.2020 a 31.01.2021) foram pagos R$ 713.170,97 e, em março (serviços de 31.01.2021 a 28.02.2021), um total de R$ 1.338.703,64, sem o devido amparo contratual.  

Sendo assim, verifica-se que não há no Processo nº 318-A/20 justificativas para os pagamentos realizados sem o devido amparo contratual que, nos dois casos, totalizam R$ 2.051.874,61. Não foram apresentadas justificativas pela Prefeitura Municipal de Santo André/Fundação do ABC para este achado.  

5. Falta de comprovação da efetiva prestação dos serviços pela São Francisco Serviços Médicos afetos ao Contrato nº 119/2019 envolvendo um montante de R$ 3.057.431,78.  

Visando obter-se comprovação da regular e completa prestação dos serviços pela empresa São Francisco Serviços Médicos Ltda. EPP, CNPJ 23.604.686/0001-25, afetos ao Contrato nº 119/2019, firmado junto à Fundação do ABC para a prestação de serviços médicos de Clínico Geral, Pediatra e Emergencista nas Unidades de Pronto Atendimento – UPA do município de Santo André, foram solicitados e examinados os processos completos de pagamento efetuados à contratada no âmbito do citado contrato.  

De acordo com o previsto no termo contratual, para recebimento dos valores devidos, a contratada deveria apresentar, dentre outros documentos, nota fiscal contendo a discriminação detalhada dos serviços prestados e relatório indicando a quantidade de plantões efetivamente realizados, o nome e CRM do médico.  

Sendo assim, foram apresentadas 112 notas fiscais emitidas pela empresa São Francisco Serviços Médicos Ltda., entre outubro de 2020 e março de 2021, constatando-se, inicialmente, que dezessete dessas notas não estavam acompanhadas do relatório contendo a quantidade de plantões ou o nome e CRM dos médicos que trabalharam; todavia, em resposta ao relatório preliminar novos documentos foram apresentados, reduzindo para cinco o número de notas fiscais sem comprovantes mínimos da execução.  

Ou seja, não há evidências mínimas de que os serviços foram devidamente prestados quanto ao pagamento das notas fiscais constantes do quadro acima, sendo que o montante pago sem os respectivos relatórios de plantões médicos foi de R$ 3.057.431,78.  

Em resposta ao relatório preliminar, a Prefeitura Municipal de Santo André/Fundação do ABC apresentou novos documentos, incluindo escalas/ relatórios de plantões, afirmando que os atestes dos responsáveis nas notas fiscais seriam suficientes para garantir que os plantões teriam sido prestados conforme o previsto, e que o efetivo preparo dos serviços para atendimento da demanda crescente da pandemia de Covid-19 se deu em detrimento das questões afetas às atividades-meio, como, por exemplo, a implantação de controles mínimos sobre a execução da carga horária contratada para os plantões, situações que mitigaram parcialmente as falhas originalmente apontadas, pois, apesar da relevante impropriedade inerente à ausência de controle de ponto para os plantões (a qual seria tolerável no início dos serviços, mas não por toda a vigência contratual), foram apresentadas escalas/ relatórios de plantões para quinze notas fiscais, ensejando os pagamentos sem embasamento suficiente a cerca de três milhões.  

A comprovação mínima quanto aos serviços está prevista em entendimento do TCU sobre o assunto, consoante Acórdão TCU nº 2.057/2016 – Plenário em que se exige que o pagamento das entidades contratadas deve estar suportado por documentos que comprovem que os serviços foram efetivamente prestados.   

6. Falta de comprovação quanto à experiência/especialização exigida para os médicos da São Francisco Serviços Médicos no Contrato n° 119/2019.  

Conforme disposto no Memorial Descritivo da Coleta de Preços, os serviços médicos disponibilizados pela São Francisco Serviços Médicos deveriam ser prestados por profissionais médicos com comprovada experiência/especialização nas suas áreas de atuação.  

A Cláusula 3.7.2 do respectivo Contrato nº 119/2019 exigiu que os médicos pediatras deveriam apresentar obrigatoriamente título de especialização em pediatria, enquanto a Cláusula 3.7.3 exigiu, para os médicos clínicos e emergencistas, apresentação de título de especialização e/ou carta de, no mínimo, doze meses de experiência relacionada ao atendimento de urgência e emergência.  

Visando à avaliação quanto ao cumprimento do contrato, a Fundação do ABC foi instada a apresentar a referida documentação, tendo disponibilizado em resposta apenas atestados de capacidade técnica em nome da empresa São Francisco Serviços Médicos Ltda., ou seja, não foi apresentada comprovação quanto ao atendimento às citadas cláusulas do processo de contratação.  

Sendo assim, foi selecionada amostra de profissionais disponibilizados pela São Francisco Serviços Médicos para os Setores de Pediatria das UPAs. Foram selecionados profissionais relacionados nos processos de pagamento de novembro/2019 (relativo à UPA Jardim Santo André), setembro/2020 (referente à UPA Vila Luzita) e novembro/2020 (inerente à UPA Central) para consulta junto ao sítio eletrônico do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo –Cremesp (https://guiamedico.cremesp.org.br/),uma das principais referências para comprovação de especialidades médicas. Apenas nove dos 41 profissionais possuem comprovação de especialidade em pediatria registrada no Cremesp, sendo que foi evidenciada comprovação apenas para os pediatras relacionados como atuantes na UPA Central. Ademais, para dois dos 41 profissionais não foi encontrado qualquer registro no Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo mediante consulta ao sítio do Cremesp.  

Considerando que nem todos os profissionais registram tempestivamente seus títulos de especialização no Cremesp devido ao custo e à burocracia envolvidos, entende-se que a sugerida falta de comprovação quanto à especialização citada acima poderia ser mitigada mediante apresentação dos títulos de especialização ou comprovação de residência médica com dois anos de duração na especialidade para os 34 profissionais relacionados, apesar de ainda configurar intempestividade uma vez que a comprovação já deveria estar de posse da contratante conforme Cláusula 3.7.2 do processo de contratação.  

Dessa forma, não obstante tratar-se de amostra, os fatos supracitados sugerem fragilidade na comprovação da especialidade dos médicos pediatras, tendo como consequência possível descumprimento contratual e falha na fiscalização dos serviços por parte da Fundação do ABC. 

Em resposta ao relatório preliminar, a Prefeitura Municipal de Santo André/Fundação do ABC lembrou da escassez de mão de obra à época da pandemia de Covid-19 e alegou que, não obstante os profissionais não possuírem especialização, passam por minucioso exame quanto a sua experiência na área, recebendo cursos de capacitação e orientação dos coordenadores; contudo, a comprovação de especialização foi exigida no processo de contratação e no próprio Contrato nº 119/2019, podendo, inclusive, ter restringido a competição.  

7. Ausência de comprovação de vínculo societário dos médicos junto à São Francisco Serviços Médicos, sugerindo descumprimento do Contrato n° 119/2019 e configurando subcontratação total dos serviços.  

Conforme Itens 3.7.1 e 3.7.1.1do Memorial de Coleta de Preços (Processo de Coleta de Preços nº 119/2019), todos os médicos que prestariam os serviços deveriam ter participação societária junto à empresa vencedora do certame. Tal exigência foi objeto de pedido de impugnação do processo de coleta de preços (impetrado pelo Instituto Saúde Plena e Social – INSPES - CNPJ 28.964.066/0001-10) sob a alegação de que haveria comprometimento da ampla competição e, consequentemente, da busca pela proposta mais vantajosa.  

Todavia, a Fundação do ABC concluiu pela improcedência da impugnação citando que, consoante entendimento do TCESP, a contratação de prestador de serviços que, por sua vez, contrata outro profissional para fazê-lo em seu lugar, denota subcontratação dos serviços prestados e dificulta a fiscalização contratual.  

Mediante exame do processo, não foi encontrada comprovação de que os médicos que prestaram os serviços têm/tinham participação societária junto à empresa vencedora do certame, no caso, junto à São Francisco Serviços Médicos, sendo que tal comprovação foi também requisitada à Fundação do ABC sem que fosse apresentada até a conclusão deste relatório.  

Sendo assim, procedeu-se à consulta a sistemas corporativos e à Junta Comercial do Estado de São Paulo – Jucesp, constatando-se que a empresa contratada, a São Francisco Serviços Médicos Ltda., tem apenas dois sócios, situação conflitante com a exigência supra uma vez que os serviços foram prestados por diversos médicos, sendo que nenhum deles aparece como sócio da empresa.  

Ademais, com o objetivo de averiguar se o processo de pagamento dos médicos realizado pela empresa teria respeitado a legislação vigente e garantido os supostos recolhimentos previdenciário e de FGTS, foram efetuadas consultas a sistemas corporativos da CGU sem que fossem encontradas evidências de vínculo trabalhista entre os médicos que prestaram serviços e a empresa, fato que indica ter havido também a subcontratação total dos serviços.   

Portanto, pelo exposto, entende-se que os médicos prestadores dos serviços não tinham vínculo societário com a São Francisco Serviços Médicos, configurando descumprimento do Memorial de Coleta de Preços e que isso ensejou a subcontratação integral dos serviços, caracterizando infringência ao Regulamento de Compras e Contratação da Fundação do ABC e ao próprio contrato, bem como inconsistência na conduta da Fundação do ABC no Processo nº 119/2019, uma vez que, apesar de concluírem pela inadequação da subcontratação, na prática foi permitida na execução do contrato sem que tenha havido a adoção de quaisquer providências por parte das instâncias de controle (Secretaria Municipal de Saúde de Santo André e/ou Fundação do ABC).  

Conforme já mencionado, os dados também se mostraram insuficientes para comprovar a regularidade quanto ao cumprimento das obrigações previdenciárias, uma vez que não se obtiveram evidências de qual seria a relação entre os médicos prestadores dos serviços e a empresa (não se comprovou serem sócios, bem como não se sabe se prestaram serviços como pessoa jurídica ou física).  

Em resposta ao relatório preliminar, a Prefeitura Municipal de Santo André/Fundação do ABC alegou que a empresa contratada, São Francisco Serviços Médicos, exerceria atividade empresarial por meio de Sociedade em Conta de Participação (SCP) para prestação de serviços médicos, situação em que os médicos seriam sócios da empresa atendendo às exigência do processo; no entanto, tal situação não foi corroborada por consulta junto ao Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica, a qual indiciou que a empresa está cadastrada com Natureza Jurídica: 206-2 - Sociedade Empresária Limitada e não como 212-7 – SCP, código exigido pela Receita Federal para as Sociedades em Conta de Participação.  

8. Subcontratação total dos objetos do Contrato nº 318-A/2020 pela Clínica Médica São Francisco e do Contrato nº 119/2019 pela São Francisco Serviços Médicos, sem anuência da Fundação do ABC.  

Conforme disposto no art. 33, inciso II, alínea “f”, do Regulamento de Compras e Contratação da Fundação do ABC, a cessão, subcontratação, ou transferência total ou parcial dos direitos relativos ao contrato, sem a prévia autorização da Fundação do ABC, é motivo para rescisão contratual. 

Ademais, a cláusula 4.14 do Contrato nº 318-A/2020, firmado entre a Fundação do ABC e a Clínica São Francisco, veda à contratada a subcontratação do objeto, bem como sua execução por meio de terceiros, sem a expressa anuência da contratante.  

Sobre o assunto, cabe lembrar que, em setembro de 2019, a Fundação do ABC contratou a São Francisco Serviços Médicos Ltda. EPP (Contrato nº 119/2019), CNPJ 23.604.686/0001-25, empresa – devido à coincidência de sócios – atrelada à Clínica Médica São Francisco Mogi das Cruzes Ltda., CNPJ 21.941.817/0001-34 (atual Global Medcare Serviços Médicos Ltda., de mesmo CNPJ), também para a prestação de serviços médicos, sendo que, nessa ocasião, exigiu que os médicos contratados tivessem participação societária na empresa a ser contratada.  

Tal exigência foi motivo de pedido impugnação por parte de uma das empresas participantes da contratação. Na análise do pedido, que foi negado, foi apresentado como argumento entendimento do TCESP no sentido de que o prestador de serviços que contrata outro profissional para fazê-lo em seu lugar evidencia a subcontratação dos serviços prestados e direta infração ao disposto no art. 33, inciso II, alínea “f”, do Regulamento de Compras e Contratação da Fundação do ABC, bem como que as subcontratações dificultariam de forma extrema a fiscalização do contrato por parte da contratante.  

Das consultas realizadas em sistema corporativo da CGU e em sistema de acesso público, verificou-se que a empresa contratada - Clínica Médica São Francisco - não possuía, no ano de 2020, quaisquer funcionários médicos vinculados diretamente a ela.  

Sendo assim, infere-se que, para o cumprimento do objeto previsto no Contrato nº 318- A/2020, a empresa Clínica Médica São Francisco subcontratou médicos (pessoa física ou jurídica) para executar a totalidade das atividades para as quais foi contratada.  

Já, quanto ao Contrato nº 119/2019, conforme já citado, os itens 3.7.1 e 3.7.1.1 do Memorial de Coleta de Preços (Processo de Coleta de Preços nº 119/2019) exigiam que todos os médicos que prestariam os serviços tivessem participação societária junto à empresa vencedora do certame, tendo-se evidenciado; contudo, que nenhum dos médicos prestadores dos serviços tinha vínculo societário com a São Francisco Serviços Médicos, configurando descumprimento do Memorial de Coleta de Preços e subcontratação integral dos serviços.  

Tais situações caracterizam infringência ao Regulamento de Compras e Contratação da Fundação do ABC e aos próprios contratos, bem como inconsistência na conduta da Fundação do ABC no Processo nº 119/2019, uma vez que, apesar de concluírem pela inadequação da subcontratação, a prática foi permitida na execução do Contrato nº 119/2019 sem que tenha havido a adoção de quaisquer providências por parte das instâncias de controle (Secretaria Municipal de Saúde de Santo André e/ou Fundação do ABC).  

Consoante Acórdão TCU nº 1.733/2008 – Plenário, não obstante caber discricionariedade do órgão quanto à autorização da subcontratação, essa última somente pode alcançar parte, e não a integralidade, do objeto contratado, considerando-se, ainda, que a subcontratação integral do objeto pactuado desnatura o certame licitatório (no caso tem-se uma contratação direta efetuada por Organização Social que detém contrato de gestão com a Administração Direta). Ademais, considera-se como irregular a subcontratação, mesmo que parcial, a qual delegue a terceiros a execução do núcleo do objeto contratado, por constituir burla ao regular procedimento licitatório (Acórdão TCU nº 3.144/2011 – Plenário).  

A Prefeitura Municipal de Santo André/Fundação do ABC não se manifestou diretamente em relação ao achado sobre subcontratação, alegando, todavia, no tocante ao Contrato nº 119/2019, que os médicos seriam sócios da empresa mediante SCP, fato que não foi comprovado. Cabe reforçar que ao se exigir tal comprovação no processo de contratação e se eximir de exigir seu cumprimento na execução contratual (Contrato nº 119/2019), restringe- se a competitividade ao afastar do certame possíveis concorrentes que poderiam entregar propostas ainda mais vantajosas para a Fundação do ABC e para a administração pública.  

CONCLUSÃO DO RELATÓRIO  

Conclui-se pela ocorrência de falhas, especialmente no âmbito da execução do Contrato nº 318-A/2020, firmado com a Clínica São Francisco, e o Contrato nº 119/2019, firmado com a São Francisco Serviços Médicos, sendo que as conclusões quanto às quatro questões de auditoria propostas foram:  

No tocante à implantação e atuação de instância para acompanhamento da execução e fiscalização dos contratos de gestão celebrados com a Fundação do ABC, identificou-se a existência da Comissão de Acompanhamento, Fiscalização e Avaliação do Contrato de Gestão nº 348/2015, cuja produção, afeta ao período de escopo, está registrada em dois Relatórios de Acompanhamento Quadrimestrais e um Relatório de Acompanhamento Anual.  

A citada Comissão de Acompanhamento, Fiscalização e Avaliação é composta por sete membros, sendo que os relatórios/atas são assinados por cerca de quatro a cinco membros e, não obstante a adequada quantidade de membros na comissão, chama a atenção o fato de que um de seus membros (CPF ***.192.748-**) é empregado da própria Fundação do ABC, CNPJ 57.571.275/0004-45, conforme dados do Cadastro Nacional de Informações Sociais e das Guias de Recolhimento do FGTS, situação que pode comprometer a imparcialidade na avaliação do contrato de gestão. Ainda que a participação de colaborador da Fundação do ABC pudesse ser considerada adequada na citada Comissão, o que não é o caso, verifica-se que sua atuação não foi suficiente para mitigar/evitar as constatações apresentadas neste relatório.  

No tocante aos processos de contratação promovidos pela Fundação do ABC, constatou-se restrição à competitividade ao se exigir especialização em pediatria e permitir seu descumprimento durante toda a execução do Contrato nº 119/2019; da mesma forma, no caso do Contrato n° 318-A/2020, em que ocorreu a subcontratação do objeto do contrato sem anuência da contratante. Ademais, foi constatado descumprimento ao Regulamento de Compras da Fundação do ABC devido à inclusão de médicos da própria Fundação como prestadores de serviço das empresas contratadas: Clínica São Francisco no Contrato nº 318- A/2020 e São Francisco Serviços Médicos no Contrato nº 119/2019.  

Não foram encontradas falhas com relação à estrutura e qualificação técnica das empresas (Clínica São Francisco e São Francisco Serviços Médicos).  

Como já mencionado, foi constatada a existência de funcionários pagos pela empresa(Clínica São Francisco) que também eram colaboradores da OSS (Fundação do ABC).  

No que tange à execução contratual, além da já mencionada relevante impropriedade afeta à contratação/pagamento de colaboradores da própria Fundação do ABC (Contratos nºs 348- A/2020 e 119/2019) e o pagamento por serviços divergentes dos previstos/contratados (pediatras no âmbito do Contrato nº 119/2019, e coordenadores no Contrato nº 348-A/2020), destacam-se falhas no que se refere à comprovação da efetiva prestação dos serviços envolvendo tanto o Contrato nº 348-A/2020, devido a pagamentos por plantões no Hospital de Campanha Bruno José Daniel após sua desativação (justificam que teria ocorrido a relocação de médicos para outros hospitais, mas sem comprovação suficiente – Achado 3) quanto o Contrato nº 119/2019, uma vez que houve pagamentos por atendimentos em unidades de pronto atendimento - UPAs desacompanhados de relação de plantões/escalas/fichas de frequência. Também ocorreram acréscimos de serviços sem a devida formalização ou controle (Achado 5). Na execução do Contrato n° 318-A/2020 foram identificados pagamentos de valores além dos estabelecidos em aditamentos para os quais não houve manifestação da Prefeitura Municipal de Santo André/Fundação do ABC.  

No que se refere ao cumprimento das obrigações previdenciárias durante a execução dos Contratos nº 119/2019 e nº 318-A/2020, foi alegado que a empresa São Francisco Serviços Médicos exerceria sua atividade por meio de Sociedade em Conta de Participação, uma vez que seria a forma predileta pela categoria devido às vantagens tributárias (Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil – IN/RFB nº 971/2009); entretanto, tal situação não foi comprovada, após exame de documentos e esclarecimentos, não se obtendo evidências de qual teria sido a relação entre os médicos prestadores dos serviços e a empresa (não se comprovou serem sócios, bem como não se sabe se prestaram serviços como pessoa jurídica ou física), concluindo-se que os dados são insuficientes para comprovar a regularidade quanto ao cumprimento das obrigações previdenciárias.  

Por fim, cumpre lembrar que, conforme a IN/RFB nº 971/2009, a contratante fica dispensada de efetuar a retenção, e a contratada, de registrar o destaque da retenção (contribuições sociais destinadas à Previdência Social) na nota fiscal, na fatura ou no recibo, quando a contratação envolver somente serviços profissionais relativos ao exercício de profissão regulamentada por legislação federal, como a medicina, desde que prestados pessoalmente pelos sócios, sem o concurso de empregados ou de outros contribuintes individuais. 

O QUE DIZ A PREFEITURA  

O relatório preliminar foi enviado em 31.03.2022 à Prefeitura Municipal de Santo André, por meio do Ofício nº 4389/2022/NAC-SP/SÃO PAULO/CGU.  

As manifestações da Prefeitura foram encaminhadas em 22.07.2022 por meio do Ofício nº 647/2022 – GAB-SS, e estão transcritas a seguir, para cada um dos achados não elididos, remanescentes do relatório preliminar, segundo as respectivas análises da equipe de auditoria.  

Achado nº 1 – Funcionários da própria Fundação do ABC prestaram serviço, pela Clínica Médica São Francisco (Contrato nº 318-A/2020) e pela São Francisco Serviços Médicos (Contrato nº 119/2019), para a própria Fundação, descumprindo o Regulamento de Compras e Contratações da contratante e a jurisprudência existente, envolvendo o montante R$ 959.780,00.   

“Justifica a FUABC que sempre após análise de compatibilidade de horários (carga horária de trabalho da Fundação do ABC x prestação de serviço para a Clínica Médica São Francisco) a mesma não verificou qualquer óbice para elaboração de escalas. Neste sentido, a CLT não prevê objeção nenhuma e também os funcionários vinculados com a Fundação do ABC não possuem contrato de exclusividade, pois se a Fundação do ABC tivesse que ampliar naquele momento o horário de trabalho dos funcionários teríamos que efetuar o pagamento dos colaboradores em hora extra, onde o gasto seria muito maior uma vez que teria reflexo do valor em insalubridade, provisionamento de rescisão entre outros, deste modo visando a economicidade e tendo que manter o atendimento no meio de uma pandemia.”  

ANÁLISE DA CGU  

Primeiramente, foram escolhidos profissionais da própria Fundação do ABC para prestação dos serviços adicionais ao contrato sem o correspondente embasamento em aditivo contratual. Ou seja, serviços extras aos previstos no processo/contrato, inerentes a atividades de coordenação (Contrato nº 318-A/2020 com a Clínica São Francisco) e de verificação de óbitos (Contrato nº 119/2019 com a São Francisco Serviços Médicos), foram sendo prestados por médicos da própria contratante, com intermediação da empresa, sob alegação de economia em relação ao pagamento de horas extras.  

Entretanto, não foi comprovada a vantagem de tal opção frente às alternativas, como a disponibilização de médicos pela empresa contratada (sem a necessidade de aproveitamento dos médicos indicados pela Fundação) ou o citado pagamento de horas extras à equipe da própria contratante (Fundação do ABC). Adicionalmente, tal prática caracteriza desrespeito à jurisprudência do STF (ADIN nº 1.923/2015) e ao entendimento do TCU (Acórdão nº 2.057/2016 – Plenário), que exigem respeito aos princípios constitucionais, como a impessoalidade, além de descumprir o próprio Regulamento de Compras e Contratações de Serviços de Terceiros e Obras da Fundação do ABC:  

Cumpre ressaltar que os exames foram efetuados sobre amostra, sendo possível que o pagamento a profissionais da própria Fundação tenha ocorrido em mais casos, como dentre dezenas de plantonistas escalados para atuação nos hospitais de campanha (Contrato nº 348- A/2020) ou nas UPAs (Contrato nº 119/2019).  

Portanto, conclui-se que funcionários da própria contratante foram beneficiários dos pagamentos feitos à Clínica São Francisco/Contrato nº 318-A/2020 (cerca de R$ 831.000,00) por serviços de coordenação/direção, e à empresa São Francisco Serviços Médicos/Contrato nº 119/2019 (R$ 128.780,00) por serviços de SVO, configurando desrespeito à jurisprudência do STF (ADIN nº 1.923/2015) e ao entendimento do TCU (Acórdão nº 2.057/2016 – Plenário) dada a falta de impessoalidade, e em descumprimento à vedação expressa do Regulamento de Compras e Contratações da Fundação do ABC.  

Achado nº 2 – Pagamentos a título de coordenação e diretoria em quantitativos e valores superiores aos contratados, no âmbito do Contrato nº 318-A/2020 junto à Clínica Médica São Francisco, no montante de R$ 1.011.000,00.  

“Aproveitamentos a oportunidade para registrar que a Coordenação Médica referente as notas fiscais abaixo relacionadas foi realizada pela Dra. Francianne Poli Negoceke.   

Nesta oportunidade juntamos alguns informativos “Boletim - Coronavírus” que constam no site da Prefeitura Municipal de Santo André e demonstram o aumento de casos, de atendimento e consequentemente de hospitalizações que demandaram maior reforço da equipe médica para atuação na rede de serviços de saúde.  

A partir do aumento da demanda a Secretária de Saúde solicitou reforço na quantidade de coordenadores médicos para dar apoio às equipes, pois na época, a doença (COVID-19) ainda era desconhecida e os profissionais de saúde não tinham informações e/ou experiências que indicassem qual o tratamento mais eficiente para as pessoas graves, o que recomendava atendimentos com maiores cuidados e maior acompanhamento.  

O reforço quantitativo de coordenadores foi necessário para que toda a 3 equipe fosse resguardada para dar apoio de suporte a vida, por isso a Secretária de Saúde de Santo André e a Fundação do ABC não mediram esforços para o atendimento de pessoas infectadas pelo COVID-19, e para atendimento nos hospitais de campanha (das demandas espontâneas) não havia -naquele momento- outra opção a não ser aumentar a quantidade de coordenadores médicos para maior controle de atendimento e segurança dos pacientes.  

Segue juntado o documento da Secretaria de Saúde solicitando reforço da equipe de coordenadores para enfrentamento da pandemia.  

Também é fato notório, amplamente divulgado pela imprensa, que no exercício de 2020, com o estouro da pandemia devido ao COVID-19 a mão de obra assistencial ficou escassa, pois toda a assistência disponível no país (e no mundo) estava sendo utilizada.  

Existem inclusive, várias reportagens jornalísticas reportando funcionários da área assistencial trabalhando exaustivamente e sem folgas para conseguissem dar conta dos atendimentos. Este período ficará marcado negativamente na memória de muitas pessoas, que assistiram inúmeras reportagens jornalísticas informando a falta de equipamentos em todo país. Na mesma linha os profissionais da saúde não davam conta de receber todos os pacientes que necessitavam de atendimento. Infelizmente, uma fase terrível a jamais vista na história.  

As informações prestadas cima registram um período onde foi necessário reforçar as equipes para atender a demanda(crescente) para atendimento de todas as J pessoas que procuraram os serviços de saúde no município, em outras palavras, todos os esforços foram realizados em conjunto para garantir a grande demanda/quantidade de atendimentos.”  

ANÁLISE DA CGU  

Foi apresentado um documento intitulado de Ofício nº 22 02.05.2020 – Hospital de Campanha/SS, mediante o qual o Diretor Geral de Hospital de Campanha da Secretaria Municipal de Saúde de Santo André solicita da São Francisco Serviços Médicos a alteração na forma de remuneração para dez coordenadores médicos de plantão para atuação in loco nas áreas de supervisão, controle de fluxos organizacionais e gestão dos processos de trabalho nos hospitais de campanha.  

Em resposta ao relatório preliminar também foi apresentada a documentação comprobatória referente à Nota Fiscal nº 473, de março/2021 (pagamento pelos serviços prestados em fevereiro de 2021), cujo exame identificou terem sido pagos R$ 141.000,00 a título de coordenadores.  

Todavia, os pagamentos pelos serviços extras não estiveram embasados em contrato/termo aditivo, além de favorecerem médicos da própria contratante (Fundação do ABC), restando configurada a falha afeta ao pagamento por coordenadores em número maior do que o estabelecido em proposta/contrato, a inclusão de novas funções (coordenador de regulação e diretor médico) e o pagamento em valores acima dos previstos por coordenador médico (em alguns casos houve a percepção de R$ 16.000,00 em vez dos R$ 15.000,00 previstos).  

Dessa forma, entende-se que R$ 1.011.000,00 foram pagos por funções, quantidades e valores não previstos em contrato, dos quais R$ 831.000,00 favoreceram funcionários da própria contratante, consoante achado 1 deste relatório.  

Achado nº 3 – Pagamento por serviços médicos presumidamente prestados pela Clínica Médica São Francisco no Hospital de Campanha Bruno Daniel após encerramento das atividades na Unidade envolvendo pagamentos no montante de R$ 1.126.288,90 na execução do Contrato nº 318-A/2020.  

“O apontamento sobre eventuais pagamentos em data posterior ao encerramento das atividades do Hospital de Campanha Bruno Daniel também merece ser superado, pois após o encerramento da unidade em 22/08/2020 a estrutura do equipamento de saúde foi transferida para o Centro Hospitalar Municipal e também para o Hospital de Campanha da Universidade Federal do ABC, conforme consta do teor do documento ora juntado, onde foi comunicado a mudança do local de prestação dos serviços. Importante esclarecer que a alocação dos profissionais foi feita de forma gradativa, na mesma proporção da desmobilização do Hospital de Campanha Bruno Daniel.”  

ANÁLISE DA CGU  

Foi apresentado documento datado de 31.07.2020, enviado da Central de Convênios da Fundação do ABC, mediante o qual solicita-se à empresa São Francisco Serviços Médicos a relocação dos funcionários orginalmente lotados no Hospital de Campanha do Estádio Bruno José Daniel para atendimento no Hospital de Campanha da Universidade Federal do ABC a partir de 02.07.2020. Tal documento foi assinado pelo Diretor Administrativo da Central de Convênios e cita ter sido um complemento ao Termo Aditivo nº 02/2020. 

Todavia, não foi apresentada comprovação de anuência ou mesmo de recebimento por parte da empresa. Também não houve emissão de termo aditivo específico para suposta alteração tão relevante na forma de prestação dos serviços.  

Ademais, não foi apresentada prova de que os médicos que atuavam no Hospital de Campanha do Estádio Bruno José Daniel passaram a atender no Hospital de Campanha da Universidade Federal do ABC e no Centro Hospitalar Municipal, mesmo que gradativamente, como relação de plantões, escalas e folhas de frequência, uma vez que os registros de plantões/escalas anexos aos pagamentos ainda indicavam os locais originais.  

Portanto, entende-se ser frágil a comprovação de execução dos serviços supra, envolvendo um total de R$ 1.126.288,90 pago.  

Achado nº 4 – Valores pagos à Clínica Médica São Francisco, nos meses de fevereiro e março/2021, incompatíveis com o estabelecido em aditamentos ao Contrato nº 318- A/2020, superando em R$ 2.051.874,50 o montante previsto.  

Não houve manifestação da Prefeitura para o achado nº 4.   

Achado nº 5 – Falta de comprovação da efetiva prestação dos serviços pela São Francisco Serviços Médicos afetos ao Contrato nº 119/2019 envolvendo um montante de R$ 3.057.431,78.  

“Para comprovação da prestação dos serviços executados pela empresa São Francisco Serviços Médicos, contrato efetuado pela FUABC para atender o escopo do Contrato de Gestão n° 348/2015 no período entre maio 2020 a fevereiro de 2021, encaminhamos as notas fiscais (devidamente atestadas pelos responsáveis das unidades onde foram prestados os serviços), com os respectivos relatórios/escala dos plantões realizados (por unidade), bem como os comprovantes dos pagamentos.  

A documentação juntada apresenta os elementos necessários para superar os apontamentos, pois foram todas devidamente atestadas pelos responsáveis das unidades onde foram prestados os serviços médicos.  

Cumpre informar que o apontamento sobre “ausência de controle de frequência” deve ser avaliado considerando a situação de emergência em saúde vivenciada na prática, pois a estrutura montada para enfrentamento da pandemia de COVID-19 (tanto nos hospitais de campanha como nas unidades da rede de saúde para aumento dos leitos disponíveis para atendimento) foram se adequando, diariamente, para atendimento da demanda crescente de casos/atendimentos, onde foi priorizada a estrutura necessária para o atendimento assistencial, e muitas vezes a escolha para preparar os serviços para atendimento da demanda se deu em detrimento das questões afetas as atividades meio, como por exemplo, a instalação da rede lógica que possibilitasse a instalação de marcação de ponto.  

É importante destacar que a ausência da marcação de ponto não prejudicou os controles de presença/prestação do serviço, que foram feitos in loco pelos responsáveis pelas unidades de saúde, que inclusive atestaram as Notas Fiscais emitidas pela prestação dos serviços.  

A documentação encaminhada comprova, inequivocamente, (através dos respectivos atestados da prestação dos serviços) que o serviço faturado foi aquele efetivamente prestado e a ausência da marcação de ponto, pelos motivos acima expostos há que ser considerada, pois não houve prejuízo ao controle da execução contratual.  

Importante registrar que se encontram juntadas todas as escalas dos plantões/horas realizadas pela equipe médica contratada, cabendo apenas o registro que houve alteração da denominação da empresa prestadora do serviço, conforme pode ser verificado no Termo Aditivo que se encontra juntado aos demais documentos digitalizados.”  

ANÁLISE DA CGU  

É de notório conhecimento a grave crise que a pandemia de Covid-19 desencadeou, em especial quanto à crescente e inesperada demanda por serviços e insumos de saúde, fato que, inclusive, ensejou em importante flexibilização das regras para compras e contratações no período (Lei Federal nº 14.035/2020 oriunda da Medida Provisória nº 926/2020).  

Entretanto, tais processos devem estar aderentes à jurisprudência existente sobre o tema, conforme o Acórdão TCU nº 2057/2016 – Plenário.   

Ademais, a ADIN STF nº 1.923/2015 determina que os contratos, subvencionados com recursos públicos, que venham a ser celebrados entre organizações sociais(Fundação do ABC) e terceiros (São Francisco Serviços Médicos) devem observar parâmetros mínimos de objetividade.  

Ou seja, na utilização do recurso público, a Fundação do ABC precisa respeitar princípios básicos, como, por exemplo, a conferência de que o produto/serviço a ser pago é, de fato, compatível com aquilo que se contratou. A gravíssima situação exigia rapidez nas providências e respostas, sendo admissível algum descompasso entre o efetivo início da prestação dos plantões (prioridade) e a completa e adequada instalação dos controles mínimos sobre sua execução. Todavia, os serviços do Contrato nº 119/2019 se iniciaram ainda em 2019, e os processos examinados compreendem período que se estende até fevereiro de 2021, ou seja, mais de um ano após o começo do contrato.  

No caso da contratação de plantões médicos, a forma tradicional e costumeira de controle é o registro de entradas e saídas (fichas de frequência, controles eletrônicos de ponto etc.), situação reforçada pelo entendimento do TCU supracitado.  

De toda forma, foram apresentados documentos complementares aos originalmente disponibilizados durante a fiscalização, incluindo relação de plantões/escalas em diferentes formatos, mitigando a falta de comprovação para os meses de setembro a dezembro de 2019 e para o mês de fevereiro de 2021, restando, contudo, pendentes de comprovação suficiente, os pagamentos das Notas Fiscais nºs 1165, 1166, 1167, 1168 e 1169, relativas aos serviços supostamente prestados em janeiro de 2021.   

Dessa forma, entende-se terem sido mitigadas as falhas inerentes à ausência de comprovação para vinte das notas fiscais originalmente apontadas, restando insuficiente e incompatível, com o exigido pela jurisprudência, a comprovação referente a cinco notas fiscais afetas aos serviços prestados em janeiro/2021, as quais totalizaram R$ 3.057.431,78 pagos. 

Achado nº 6 – Falta de comprovação quanto à experiência/especialização exigida para os médicos da São Francisco Serviços Médicos no Contrato n°119/2019.  

“Quanto a experiência/especialização dos médicos contratados a FUABC informou que os profissionais médicos relacionados não possuem especialidade médica em pediatria, porém, ao autorizar o plantão médico, a equipe administrativa e operacional da empresa contratada realiza minuciosa pesquisa e análise quanto a experiência do profissional no atendimento pediátrico, sendo admitido somente aqueles que obtenham excelente histórico de desempenho."  

Informou ainda que em todos os plantões sob responsabilidade da empresa, há suporte técnico do Coordenador Médico contratado especificamente para aquela unidade de saúde, este presta toda a assessoria indispensável as questões relacionadas aos atendimentos e fluxos internos, além de promover regularmente cursos de capacitação profissional, tais como o ACLS, PALS, dentre outros, com o intuito de elevara qualidade técnica e o perfeito fluxo de atendimentos.  

Por fim, esclareceu que de acordo com a Lei n° 3.268/87, os médicos podem exercer legalmente a medicina, em qualquer de seus ramos ou especialidades, após o prévio registro de seus títulos, diplomas, certificados ou cartas no Ministério da Educação e Cultura (MEC) e de sua inscrição no Conselho Regional de Medicina (CRM).  

Reafirmou que no período de pandemia mão de obra assistencial ficou escassa e para dar continuidade ao atendimento não teve outra alternativa a não ser disponibilizar a mão de obra disponível (naquele momento) para o atendimento.”  

ANÁLISE DA CGU  

A justificativa se baseia na escassez de mão de obra com consequente dificuldade em abastecer os postos de atendimento com profissionais qualificados, restando confirmada a falta de especialização dos médicos atuantes nos setores de pediatria, falha que, consoante justificativa, teria sido mitigada pelos criteriosos processos de aprovação dos profissionais indicados para plantão, pela atuação dos coordenadores e disponibilização de capacitação.  

Contudo, resta caracterizada a infringência ao que dispunha o Memorial Descritivo da Coleta de Preços, que exigia comprovada experiência/especialização nas áreas de atuação, e o Contrato nº 119/2019, em sua Cláusula 3.7.2, que exigiu que os médicos pediatras deveriam apresentar obrigatoriamente título de especialização em pediatria.  

Ao se exigir tal comprovação no processo de contratação e se eximir de exigir seu cumprimento ao longo da execução contratual, restringe-se a competitividade ao afastar do certame possíveis concorrentes que poderiam entregar propostas ainda mais vantajosas para a Fundação do ABC e para a administração pública.  

Achado nº 7 – Ausência de comprovação de vínculo societário dos médicos junto à São Francisco Serviços Médicos, sugerindo descumprimento do Contrato n°119/2019 e configurando subcontratação total dos serviços.  

“Quanto ao vínculo da equipe médica fornecida na prestação do serviço, informou a FUABC que a empresa contratada exerce atividade empresarial por meio de Sociedade em Conta de Participação (SCP) para prestação de serviços médicos. Esta natureza jurídica é utilizada para estabelecer um vínculo jurídico entre médicos e a empresa de terceirização de serviços, de forma simplificada e desburocratizada, prevista e admitida em Lei, em especial pelo Código Civil Brasileiro - artigo 991 e seguintes e que a empresa contratada exerce atividade empresarial por meio da SCP para prestação de serviços médicos em inúmeras instituições de saúde, tais como UPAS, AMAS, Hospitais Públicos e Privados, em diversas cidades." 

Registrou a FUABC que a terceirização de serviços médicos ocorre devido à dificuldade no mercado em fidelizar mão de obra médica, é fato que estes profissionais costumam escolher seus plantões e muitas vezes trabalham para diversas empresas, e por esse motivo preferem não ter vínculo ou subordinação e assim escolher o local que prestara serviços de acordo com os plantões que estão a sua disposição.  

Informou que a simplicidade do modelo de contratação adotado, bem como sua previsão em Lei, se traduz como a melhor forma de estabelecimento de vínculo jurídico entre as partes, inclusive por eximir completamente o médico de responsabilidades que geralmente decorrem da exploração de uma atividade comercial, dessa forma, muitos médicos se interessam e até preferem essa modalidade de contratação.  

Em tal modalidade não há de forma alguma os quesitos necessários para constituir relação de emprego, pois não há habitualidade nem tampouco subordinação, os plantões são ofertados e o profissional escolhe quais deseja prestar, caso o médico não queira cobrir os plantões, estes serão oferecidos para outros profissionais.”  

ANÁLISE DA CGU  

Como mencionado na justificativa, a Sociedade em Conta de Participação é espécie societária prevista no Código Civil Brasileiro, Lei nº 10.406/2002, arts. 991 a 996. São compostas por sócios ostensivos, responsáveis pelas obrigações da sociedade, e por sócios ocultos ou sócio participante/investidor. Sendo uma sociedade despersonificada, está desobrigada de realizar registro na Junta Comercial. No entanto, são obrigadas a se inscrever no Cadastro Nacional das Pessoas Jurídicas(CNPJ), sob código e natureza jurídica própria, conforme disposto no art. 3° da Instrução Normativa Receita Federal do Brasil n° 1863, de 27 de dezembro de 2018.  

De acordo com a manifestação apresentada, no caso em tela, em princípio, os médicos deveriam ser sócios participantes e não prestadores de serviços à empresa São Francisco Serviços Médicos. Ainda nessa esteira, os pagamentos aos médicos seriam então efetuados na forma de dividendos, situação incomum para o caso, visto a remuneração da empresa se dar por quantidade e valor estabelecido pelos plantões prestados. Ademais, na própria manifestação da prefeitura há menção à contratação dos médicos.  

Não obstante não haver impedimento legal quanto à contribuição dos sócios participantes poder ser efetivada mediante a prestação de serviços, a jurisprudência majoritária é no sentido que as atividades que constituem o objeto social da SCP só podem ser realizadas pelos chamados sócios ostensivos, sob pena de descaracterização da sociedade como SCP.  

Nesse sentido, cabe mencionar entendimento do Superior Tribunal de Justiça – STJ (REsp 1131090/RJ, Primeira Turma, julgado em 07.02.2013, Relator Ministro Benedito Gonçalves) que tratou de caso prático no qual os sócios participantes prestavam serviços médicos a terceiros, não obstante o objeto social da SCP ser exatamente a prestação de serviços médicos. Por essa razão, a SCP referente ao caso foi descaracterizada como tal.   

Repisa-se que não há registro de que a São Francisco Serviços Médicos seja uma SCP, tampouco foi apresentado algum tipo de documentação nesse sentido.  

Pelo exposto, não restou comprovado que os médicos que prestaram serviços no âmbito do Contrato nº 119/2019 eram sócios da empresa São Francisco Serviços Médicos, conforme exigido no Memorial de Coleta de Preços atinente à contratação. Por conseguinte, ficou evidenciada a subcontratação integral dos serviços almejados, caracterizando infringência ao Regulamento de Compras e Contratação da Fundação do ABC, ao Memorial da Coleta de Preços e ao próprio contrato, bem como inconsistência na conduta da Fundação do ABC no Processo nº 119/2019, uma vez que, apesar de concluírem pela inadequação da subcontratação, no caso a permitiram sem amparo normativo.  

Achado nº 8 – Subcontratação total dos objetos do Contrato nº 318-A/2020 pela Clínica Médica São Francisco e do Contrato nº 119/2019 pela São Francisco Serviços Médicos, sem anuência da Fundação do ABC.  

Não há manifestação da Prefeitura. 

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