Sociedade

Ainda bem que Brasil não é
São Caetano no Coronavírus

  DANIEL LIMA - 25/07/2022

Se o retrato nacional em desenvolvimento econômico e social fosse reflexo de São Caetano, teríamos um País melhor. Um País seguramente de Primeiro Mundo.

Mas como o que está em jogo agora é outra coisa, e outra coisa nada agradável, é melhor acautelar-se. 

Se o Brasil fosse São Caetano em letalidade do Coronavírus, teríamos quase 1,5 milhão de mortos, ao invés de menos de 700 mil. 

Depois de algum tempo decidi conferir o que antecipei desde que o vírus apareceu no mercado mundial de mortes, ou seja, mostrar que mais que o Grande ABC, também um ponto fora da curva de letalidade, São Caetano era uma terra marcada para sofrer. Não estava enganado. Diferentemente disso.

CULPAS E GLÓRIAS 

Enganados ou negligentes foram aqueles que pouco fizeram ou aqueles que esconderam a realidade natural e estrutural da cidade com o melhor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do País. 

Até que se provem o contrário, os dirigentes políticos de São Caetano não têm culpa nesse cartório de infortúnios, ou seja, a alta letalidade do Coronavírus. Mas também não podem ser incensados, quer com palavras, quer com omissões. 

Faltam informações municipais e faltam ações regionais que possam fornecer os pontos esgarçados à compreensão da maliciosidade sanitária desse vírus. 

QUASE O DOBRO 

Desconfia-se que aqui e ali tenham havido, em São Caetano, alguns pontos que pudessem minimizar os estragos, mas não é possível criminalizar ou santificar ninguém. 

São Caetano, dentro de um Grande ABC muito atrativo ao vírus e variantes, é espaço especialmente complexo e incentivador à morte. 

Até o final de semana, foram registrados 1.114 óbitos por Coronavírus em São Caetano. Para uma população de apenas 163 mil habitantes, significam 697,16 mortes para cada grupo de 100 mil habitantes. A média nacional é de 315,12. Temos mais que o dobro, portanto. 

Extrapolando o índice de São Caetano aos 214 milhões de habitantes do País, teríamos 1.499,2 milhão de casos letais. 

Você não se equivocou na leitura. Seriam mesmo quase um milhão e meio de almas. 

CONJUNTO REGIONAL 

Os dados do conjunto de sete municípios do Grande ABC preocupam um pouco menos. São 11.412 mil mortos pela pandemia, segundo dados oficiais da Secretaria de Saúde do Estado. 

Isso significa 401,60 mortes por 100 mil habitantes. Compare de novo com o índice nacional, de 315,12. Dá 27% de acréscimo. Ou seja: a probabilidade de você morrer de Coronavírus no Grande ABC é quase 30% superior à média nacional.

Por que se morre tanto de Coronavírus em São Caetano, líder do Campeonato Paulista da Primeira Divisão de Letalidade?

Trata-se do G-22, o grupo que criei envolvendo os 20 maiores municípios paulistas de modo a extrair estudos sobre o comportamento do Grande ABC em relação aos endereços mais expressivos do Estado. 

A resposta à situação de São Caetano está na estrutura físico-territorial do Grande ABC, na qual São Caetano é síntese extrema.

PESO DA IDADE 

Até as agulhas de paramédicos sabem com base na experiência já vivida e morrida que o fator idade pesa na lista de incidência de morte por Coronavírus. Quanto mais idade, mais se tem o pé na cova quando o vírus chega e se instala. 

São Caetano tem a maior média de população de 60 anos ou mais entre os mais de cinco mil municípios do País. 

Os 42.997 sexagenários ou mais que vivem em São Caetano representam 26,29% da população. Uma média comum na Europa. No Grande ABC a média da Terceira Idade é de 15,68% da população, com 445.585 candidatos preferenciais ao Coronavírus. No Brasil, são 15,08% da população a partir dessa faixa etária, com uma população de 32.406.887 milhões de pessoas.

Viram, portanto, que a diferença dos sessentões em diante moradores de São Caetano em confronto com qualquer esfera municipal e a média nacional é extraordinariamente maior?

PESO DA DEMOGRAFIA 

Esse é um ponto negativo preocupantíssimo ao ataque do Coronavírus. São Caetano é extremamente vulnerável num quesito crucial. 

Outro fator de destaque negativo e que recomenda cuidados redobrados de políticas públicas de saúde em São Caetano é a densidade demográfica. 

Os 15 quilômetros quadrados de área territorial de São Caetano significam que quase 10 mil habitantes ocupam cada quilômetro quadrado. É gente para ninguém botar defeito. Diadema chega próxima. São as cidades mais densamente ocupadas no Estado e estão na lista das lideranças no País.

Densidade demográfica é um prato feito para o Coronavírus. Quanto mais aglomeração, quanto mais compartilhamento físico, mais riscos. Também está provado por especialistas que gente demais relativamente ao espaço que ocupa torna-se ponto indiscutível ao incremento do Coronavírus. 

GARRAFA FECHADA 

São Caetano é muito mais letal, portanto, que o Brasil no Coronavírus também por conta da densidade demográfica. A média nacional é de 23,8 habitantes por quilômetro quadrado.

 São Caetano é espécie de garrafa fechada com centenas de moscas. O Brasil é a mesma garrafa fechada com uma população de insetos discretíssima. Em média, claro. Há especificidades que atormentam. A cidade de São Paulo, por exemplo, é um caos urbano quando o referencial for o combate a pandemias e a densidade demográfica de 7,4 mil habitantes por quilômetro quadrado. 

Por falar na cidade de São Paulo, também no mesmo placar de óbitos do Coronavírus, tivemos até sexta-feira passada 43.282 letalidades, o que significa a média por 100 mil habitantes de 360 casos. Abaixo de São Caetano e também do Grande ABC.  

O uso de garrafas de insetos pode até não ser de bom gosto, mas em se tratando de didatismo, acredito que tenha valido a pena. 

Poderia também ter utilizado ratos e camundongos como exemplos. Cientistas já o fizeram para demonstrar o quanto se compromete o comportamento humano quando mais gente se aproxima e interage. Eles, os cientistas, não sabiam o quanto o contrário também seria verdadeiro. 

Que contrário? Ora, as redes sociais que isolam quem está fisicamente próximo. 

Um terceiro fator que eleva estratosfericamente as mortes em São Caetano, instalando os dados entre os mais agressivos do mundo, é a configuração geoeconômica: a cidade está no olho do furacão da Região Metropolitana de São Paulo, de 22 milhões de habitantes. 

A Região Metropolitana paulista é um território de oito mil quilômetros quadrados de área, mas comporta mais que o dobro da população do Rio Grande do Sul, que ocupa espaço territorial muito maior – de 281 mil quilômetros quadrados. 

Já escrevi sobre a importância do Clube dos Prefeitos (Consórcio Intermunicipal) nas ações preventivas, corretivas e restauradoras no combate ao Coronavírus. Não pretendo repetir nada agora, mas apenas deixar uma recomendação, ou repetir uma recomendação que não foi ouvida: o nível de organização coletiva do Grande ABC deveria ser elevadíssimo e tratar a pandemia à base de esforços múltiplos, porque o vírus não conhece fronteiras. 

MAIS COOPERAÇÃO 

Possivelmente São Caetano e os demais municípios locais teriam infligido reveses ao vírus se o contraponto à ocupação espacial sem barreiras fosse a adoção de ações interdependentes e especiais das prefeituras -- inclusive com uma espécie de secretariado especial integrado por especialistas em medicina e autoridades públicas. 

Em abril de 2020, quando o Coronavírus começara a aparecer e a fazer estragos, já escrevera vários textos a respeito da situação do Grande ABC. 

Estava em Salto, Interior do Estado, onde me refugiei por 40 dias para fugir do que parecia algo controlável. 

Dei com os burros nágua, porque em novembro, antes portanto da liberação de vacinas, fui colhido pelo vírus. Sai-me bem, sem internação. 

Bem melhor, portanto, do que veio em primeiro de fevereiro do ano seguinte, quando meu corpo ainda registrava 30% de ocupação do vírus nos pulmões. 

Reproduzo os trechos principais do texto que preparei, vejam só, para combater uma bobagem de gente metida a inventar pesquisas. E já apontava a situação especial de São Caetano. Que a Imprensa em geral no Grande ABC sempre ignorou. Por incrível que pareça, mas que não tem nada de incrível. 

Trata-se de idiotice esconder o óbvio como se o óbvio fosse inacessível aos consumidores de informações. 

 

São Caetano lidera letalidade

do Coronavírus no Grande ABC 

 DANIEL LIMA - 09/04/2020

 

A taxa de letalidade do Coronavírus é tão óbvia que não se entende como todo o mundo, de especialistas a marqueteiros, passando por editores de jornais e revistas, ainda não a utiliza com a frequência indispensável e a compreensão pedagógica providencial. (...). A métrica mais utilizada, ou unanimemente utilizada por fontes diversas, é muito mais frágil do que a pretensamente ideal, porque o ideal mesmo se desfaz diante de especificidades rastreadoras do vírus chinês. Explicando de imediato o que pretendo alinhavar, para que os leitores compreendam o erro que chamo de crasso, não tem acabamento sustentável a divisão dos casos de morte pelo número de infectados. O Instituto ABC Dados publica hoje uma pesquisa que virou manchetíssima do Diário do Grande ABC. A regionalização de informações é a função essencial do jornalismo nos sete municípios, e também dos pesquisadores no caso, mas a conta está errada, ou não está precisamente adequada aos parâmetros tradicionais de tantos outros indicadores. Repete-se a unanimidade que não é apenas burra. É também acomodatícia.

MAIS 2020

(...) A contabilidade escandalosamente desprezada deveria ser articulada com o pragmatismo de quem não gosta de enrolação e muito menos de uso político de dados. Quer saber o índice de letalidade do Coronavírus? Divida o total de óbitos de cada Município pela população, não pelo número de infectados. É assim que funciona, por exemplo, o Ranking Brasileiro de Homicídios.  Pega-se o total de assassinatos e divide-se por grupos de 100 mil habitantes. Pode-se usar também o referencial de 10 mil habitantes, recomendado pela ONU. Tanto faz. Chamar a ONU como parceira de avaliação é sempre interessante porque o Complexo de Gata Borralheira assim o exige. (...) Quem utilizar algo diferente vai cometer o mesmo crime da mala estatística de agora com o vírus: o potencial dos municípios mais populosos ocuparem as primeiras colocações é muito maior. Quarenta e uma vezes maior que Salto, onde estou, o Grande ABC registra mais de duas dezenas de óbitos por Coronavírus. Aqui, nenhum. Preveem os estatísticos que serão 588 no Grande ABC e 24 aqui. 

MAIS 2020

(...) A reportagem publicada hoje pelo Diário do Grande ABC com base no estudo do Instituto ABC Dados afirma que a taxa de letalidade do Grande ABC é a maior do País, com 7,4% de mortes em relação aos infectados. A taxa de São Bernardo é de 15,8%, portanto o dobro da média regional. Até agora morreram na região 24 pessoas vítimas do covid-19. No total foram 325 casos confirmados. Mal comparando, já imaginaram se a taxa de homicídio fosse vinculada às tentativas de assassinato? O que quero dizer com isso e que a princípio parece estupidez é que notificações dos casos de covid-19 são insustentáveis como as tentativas de homicídios. Sobram subnotificações. 

MAIS 2020

(...) Trocando em miúdos: correm-se muito mais riscos de morrer de Coronavírus em São Caetano (não esqueçam que a população de idosos é proporcionalmente altíssima ante a média nacional) do que em São Bernardo. Mesmo com as imensas diferenças sociais entre os dois municípios. Um exemplo está na população com mais de 60 anos de idade. Enquanto São Bernardo registra apenas 13,51%, São Caetano aponta 24,31%. As famílias de classe rica de São Caetano são 7,5% da população geral, enquanto em São Bernardo não passam de 3,9%. O consumo por habitante de São Bernardo, anual, é de R$ 29.788,21, enquanto em São Caetano a marca é de R$ R$ 37.348,85, ou seja, 20% maior. (...) Acho que o prefeito José Auricchio deve estar preocupadíssimo com a situação de São Caetano. Estaria mais ainda se as manchetes atribuíssem a São Caetano o que lhe é de direito – ou de ônus.

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