Economia

Efeito Orloff: Santo André é
a Argentina de São Bernardo

  DANIEL LIMA - 21/07/2022

Se Santo André sofreu catástrofe econômica nos 20 últimos anos do século passado, quando desceu a ladeira industrial e comprometeu o futuro que chegou, com São Bernardo a situação só é diferente em termos de período: os 20 anos iniciais deste século são tremendamente terríveis.  

A vantagem de São Bernardo em meio ao desastre de 40 anos da economia do Grande ABC é que a letra do hino oficial do Município, ao contrário de Santo André, não faz referência alguma ao poderio industrial.  

Os autores preferiram desfilar o orgulho da emancipação político-administrativa.  

PT NO PODER  

Ou seja: “Viveiro industrial” de Santo André é uma corrida cada vez mais perdida, enquanto que em São Bernardo, por piores que tenham sido os últimos 20 anos, principalmente, não há um fantasma entoado em festividades oficiais como algoz implacável.   

A ironia do destino (seria apenas isso ou também por isso?), é que em 14 desses 20 anos quem dirigiu o governo federal foi justamente o PT do presidente Lula da Silva, filho sindical dileto de São Bernardo, e da sucessora, Dilma Rousseff. 

Fizemos uma abordagem sobre o desempenho econômico de Santo André na edição de anteontem (mais um diagnóstico ao longo de 32 anos de CapitalSocial/LivreMercado). Contamos como instrumento de navegação o Índice de Participação dos Municípios, métrica da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo à distribuição do ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços).  

MEDIDOR CONFIÁVEL  

Explicamos que o IPC é um medidor confiável e suficientemente sólido como marca de aproximação dos conceitos do PIB (Produto Interno Bruno), porque carrega em seu ventre o Valor Adicionado.  

Mostramos também na edição de anteontem que utilizamos o Índice de Participação dos Municípios por conta da ausência do PIB dos Municípios Brasileiros divulgado anualmente pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) justamente nas duas décadas que antecederam o novo século.  

Ou seja: há fundamentação lógica à interseção. O IPM é um craque no banco de reservas do PIB e pode ser utilizado a qualquer momento como indicador confiável da temperatura econômica de qualquer Município paulista. 

Tanto é confiável que os resultados que estão aparecendo nestes textos conectam-se aos dados do PIB dos Municípios. Não há disparates. Longe disso.  

MAIS AFETADO  

Um exemplo é que o PIB dos Municípios dos 20 últimos anos já apontou que São Bernardo é o endereço do Grande ABC mais afetado por políticas macroeconômicas, ações estaduais e também por políticas públicas locais.  

Também já escrevi e vou seguir escrevendo (até porque não tenho preocupação específica com qualquer individualidade ou partido que ocupa os Paços Municipais) que os atuais prefeitos têm baixa culpa no cartório de dificuldades orçamentárias e de investimentos que enfrentam 

Entretanto, todos eles, menos Orlando Morando que atua fortemente na área de logística – ainda não captaram a urgência de estabelecerem medidas reformistas de acordo com a gravidade determinada nas quatro décadas perdidas pelo Grande ABC.  

QUATRO DÉCADAS  

Isso mesmo, quatro décadas perdidas. Desde os anos 1980 o Grande ABC entrou em parafuso econômico.  

Também já escrevemos muito sobre isso e de forma inédita. Tão inédita que ainda há na praça, principalmente entre acadêmicos que vivem no mundo da lua, quem negue que a região tenha vivido e continue a viver processo insidioso de desindustrialização. 

Não estaria cometendo assassinato de reputações se afirmasse categoricamente o seguinte: não fossem as análises fundamentadas de CapitalSocial/LivreMercado ao longo dos anos, até hoje haveria dúvidas sobre a realidade econômica histórica da região.  

PALAVRA MALDITA  

A palavra “desindustrialização” sempre foi amaldiçoada por acadêmicos, lideranças políticas e econômicas desalojadas de senso de responsabilidade social.  

Há quem, à falta de saída, tenha adotado o verbete para qualificar a situação econômica do Grande ABC como se antes jamais a tenha renegado. São impostores que esquecem o que disseram e o que escreveram.  

Santo André dos últimos 20 anos do século passado foi o endereço mais duramente abalado pela desindustrialização, com queda de participação relativa do ICMS de 4,41% para 1,60% de tudo que foi distribuído pelo governo do Estado. 

EFEITO ORLOFF  

São Bernardo faz lembrar o chamado “Efeito Orloff”, peça publicitária que cantava a bola de que a um dos rotineiros desastres econômicos da Argentina se seguiria algo semelhante no Brasil.  

São Bernardo destes 20 anos de novo século é a Santo André dos últimos 20 anos do século passado, por razões diferentes, mas não tão diferentes assim. 

São Bernardo mergulhou nas duas primeiras décadas deste século, com queda de 4,18% para 2,43% no bolo estadual do imposto retirado principalmente do desempenho da indústria de transformação. 

QUEDA ACENTUADA  

São Bernardo continua a ser o mais sólido endereço da geografia regional quando se trata de economia, mas já foi muito maior e não há garantia alguma de que não seguirá com complicações a desafiar o futuro. 

Ficando apenas nos 20 primeiros anos deste século (entre 2000 e 2019), a queda de São Bernardo de participação no IPM estadual de 4,18% para 2,43% significa redução de participação relativa de 1,75 ponto percentual.  

A riqueza em forma de ICMS de São Bernardo em 1999, data-base dos 20 anos deste século já apurados, representava 47,33% do bolo regional. Em 2019, a participação relativa de São Bernardo entre os municípios da região caiu para 37,04%. Poderia ter sido ainda pior, não fosse a realidade que também castigou os demais municípios locais, embora de forma muito mais branda.   

Os sete municípios da região contavam no último ano do século passado (base de comparação dos 20 anos seguintes) com 8.83% do bolo estadual do ICMS. Ou seja: os 8,83% eram os 100% da participação interna dos sete municípios. Em 2019, com a queda para 6,56% no bolo estadual, esse passou a ser o indicador de 100% internamente.  

DOIS TERREMOTOS  

Se nos últimos 20 anos do século passado Santo André se viu em meio a um terremoto econômico, agora neste século é São Bernardo a sofrer as consequências do encalacramento de competitividade da região. Isso parece tão claro quanto a luz do dia. 

O que precisa ser repetido e que, portanto, não pode ser desconsiderado, ainda se levando em conta apenas os 20 anos deste século, é que não foi apenas São Bernardo que desceu a ladeira, embora a ladeira tenha sido mais íngreme para o endereço municipal responsável pela maior produção relativa de veículos no País.  

Exatamente por isso, por sofrer da Doença Holandesa Automotiva, São Bernardo perdeu tanto com a descentralização de fábricas que ocupam dezenas de municípios do País, e internamente, em forma de desindustrialização continuada.  

MENOS IMPACTO  

Santo André voltou nestes últimos 20 anos a acusar derrota no repasse do ICMS (jamais esqueçam da ligação direta entre esse imposto e a capacidade de geração de riqueza), embora com queda muito menos impactante do que nos 20 anos anteriores.  

De fato, Santo André perdeu quatro vezes menos que São Bernardo nos 20 anos já apurados neste século: sofreu rebaixamento estadual de 0,42 ponto percentual no repasse do ICMS (de 1,60% em 2009 para 1,18% em 2019). Mauá (0,02 ponto percentual), Diadema (0,47 ponto percentual), São Caetano (0,21 ponto percentual), Ribeirão Pires (0,02 ponto percentual) e Rio Grande da Serra (0,01 ponto percentual) também perderam participação relativa no Estado.  

BALANÇO GERAL  

Na edição de segunda-feira vamos fazer um balanço completo do comportamento da economia do Grande ABC nos últimos 40 anos, levando-se em conta a distribuição do ICMS.  

Deixaremos de lado o recorte de perdas de Santo André e São Bernardo em tempos subsequentes e invadiremos a área de 40 anos completos.  

A constatação de que o Grande ABC viveu quatro décadas perdidas não é uma forçada de barra sensacionalista que pretenderia criar embaraços além da conta.  

As quatro décadas estão clarificadas no golpe continuado de esvaziamento econômico em forma de números finais: ao fim dos anos 1970, o Grande ABC contava com 14,28% do bolo de distribuição do ICMS no Estado de São Paulo. Quarenta anos depois, em 2019, caiu para 6,56%. Uma queda de 7,72 pontos percentuais. Ou mais da metade do bolo.  

Trata-se de resultado decorrente de dupla ação: perdas internas conjugadas com ganhos dos concorrentes.  

Desindustrialização regional, descentralização estadual e federal. Esse deveria ser um bordão de todas as reuniões de dirigentes públicos e privados supostamente preocupados com o futuro da região. Se o Clube dos Prefeitos e a Agência de Desenvolvimento liderarem essa iniciativa, já teremos avanço. Cairemos definitivamente na real. E estaremos em todas as paradas de sucesso de bom-senso. 

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