Economia

Afinal, qual é o tamanho do
PIB Motorizado da região?

  DANIEL LIMA - 31/05/2022

Quem arriscar o tamanho do PIB Motorizado do Grande ABC vai cair do cavalo da precipitação que também poderia, dependendo da dimensão dos números, virar prova letal de triunfalismo inconsequente. 

PIB Motorizado é uma expressão que utilizo pela primeira vez para identificar parte do PIB Industrial que, no caso de São Bernardo, também é Doença Holandesa, ou seja, uma dependência acima do equilíbrio natural de determinada atividade econômica.  

Santo André menos e Mauá mais têm a Doença Holandesa Químico/Petroquímica, porque o Parque de Capuava concentra porção substancial do PIB Industrial. 

O que separa a Doença Holandesa Automotiva da Doença Holandesa Químico/Petroquímicas é a capilaridade. Geram-se mais empregos e riqueza com o PIB Motorizado.   

CHEGOU A HORA 

Já há algumas semanas estava ensaiando escrever sobre o PIB Motorizado do Grande ABC. Não o fiz porque sempre aparece uma pauta no dia-a-dia que se torna emergencial, ou seja, não pode ser postergada. 

Exemplo? Desmascarar o Datafolha não pode ficar para mais tarde porque o mais tarde pode perder o impacto.  

PIB Motorizado é uma pauta que pode ser colocada na geladeira da conveniência avaliativa. Tanto que duas ou três semanas depois de ter-me surgido à mente, eis que hoje decido esquadrinhá-lo. Mais que esquadrinhar, levo-o ao micro-ondas de analises.  

DESAFIO LANÇADO  

Poderia ter adiado mais uma vez o PIB Motorizado, porque minha agenda temática está repleta, mas decidi não protelar mais.  

E o desafio sobre o tamanho do PIB Motorizado está lançado ao público, especialmente aos que entendem alguma coisa de Desenvolvimento Econômico.  

Duvido que alguém na face dessa Província dos Sete Anões seja capaz de responder com certeza e provas estatísticas que o PIB Motorizado tem determinado tamanho. Quem o fizer estará chutando. 

A ideia de ir a fundo nessa questão surgiu quando escrevi aquela análise dando conta do Dossiê/Fiesp, que mediu os estragos de 12 anos da indústria em geral no Grande ABC, entre 2007 e 2019, período largamente comandado pelo governo federal petista.  

VOOS DIFERENTES  

A diferença entre o Dossiê/Fiesp e tudo que venho escrevendo nesta revista digital desde 1990 (parte desse período com a denominação de LivreMercado, a melhor revista regional impressa que esse País já conheceu) é que o trabalho da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo notabilizou-se por dados setoriais.  

Os voos de CapitalSocial geralmente são panorâmicos, dada a impossibilidade de acessar números detidos pelas prefeituras que, por sua vez, são negligentes no tratamento às estatísticas que as impactam diretamente.  

Os leigos ou precipitados diriam que o tamanho do PIB Motorizado do Grande ABC é de 30,5% de tudo que se produz aqui, já que esse é o universo medido pela Fiesp para os setores de veículos e autopeças.  

NÃO SE PRECIPITE  

Essa mesma atividade tem representatividade de 26,9%¨no Estado de São Paulo. Ou seja: há semelhança entre os dois indicadores. Grande ABC e Estado de São Paulo têm PIB Motorizado quase do mesmo tamanho, sem considerar, claro, o que se segue. 

Ora, se 30,5% são o indicador do PIB de Veículos e Autopeças no Grande ABC, está resolvida a questão. Temos praticamente um terço do setor de transformação industrial dependente dos veículos. Não é bem assim.  

A atividade industrial automotiva não é autônoma, fechada em si mesma, resistente a terceiros. Autopeças que compõem a massa de veículos não saem do nada. Veículos que saem de autopeças também não saem do nada. Têm origem em diversos setores.  

RODA PEGA  

E é aí que a roda da estatística pega e ninguém seria capaz de chegar aonde está a questão-chave da manchetíssima desta edição. 

Quanto deve ser contabilizado no setor de Veículos e Autopeças relativos a produtos da indústria de Borracha e Material Plástico no Grande ABC que, segundo o Dossiê/Fiesp, representa 9,8% do Valor Industrial? E quanto de Máquinas e Equipamentos é deslocado também a Veículos e Autopeças, já que a representação da atividade na região abarca 5,5% de tudo que passa pela atividade industrial? 

Querem mais? Quanto dos 3,6% do PIB Industrial de participação do setor de Produtos de Metal são levados às autopeças e montadoras? E de Metalurgia, que compõem 2,5% do PIB Industrial do Grande ABC?  

MAIS RESTRIÇÕES  

O setor de Impressão e Reprodução de Gravações, 1,2% do PIB Industrial da região, participa com quanto do PIB Motorizado do Grande ABC? E Petróleo e Biocombustíveis, de 17,2% de participação no PIB Industrial da região, interconecta em quantos por cento a produção automotiva?  

Poderia dar mais exemplos, porque são 20 as atividades setoriais destrinchadas no Dossiê/Fiesp, mas acho que já é suficiente. 

Por essas e outras, quando você ler ou ouvir alguém de universidade, da administração pública ou de qualquer outra atividade declarar isso e aquilo sobre a Economia do Grande ABC e, mais que isso, indicar a quantidade de perdas ou de ganhos determinada por deserções industriais ou chegada de investimentos, desconfie.  

Mais que desconfiar: pegue a informação e jogue na lata do lixo. Cheiro da brilhantina de oportunismo será latente.  

MUITO REMELEXO  

Entretanto, isso não quer dizer que eu mesmo interdite um processo especulativo. Os leitores precisam de algum referencial numérico/estatístico do quanto o PIB Motorizado do Grande ABC é uma enorme fonte de inquietação dos quase três milhões de habitantes, sobretudo nas terras de São Bernardo e complementarmente de Diadema, mas sem que se dispensem as demais do Grande ABC.  

Fiz umas contas aqui, outras ali, mexi com a cognição de forma abusada, multipliquei por dois, dividi por cinco, voltei a multiplicar e cheguei à constatação de que seguramente mais de 70% do PIB Industrial do Grande ABC depende do PIB Motorizado.  

Se você acha que o assunto estaria resolvido quando se pretende, finalmente, medir o peso do PIB Motorizado do Grande ABC no PIB Geral, sabendo-se que o PIB Industrial representa 22% de participação, estará redondamente enganado. 

MAIS ESPECULAÇÃO  

É preciso voltar a especular e a especular muito para traduzir com algum nível de segurança o quanto o PIB Motorizado, finalmente, representa para o PIB Geral do Grande ABC. É especulação sobre especulação.  

Vou traduzir tudo isso dizendo que se no PIB Geral (de todas as atividades) o PIB Industrial representa 22% do PIB Industrial e se o PIB Motorizado detém 70% do PIB Industrial, eis que teríamos, portanto, 15,4% do PIB Motorizado dentro do PIB Geral. Simples? Bobagem. 

Convém lembrar que cada atividade econômica tem o respectivo PIB. O PIB de Serviços no Grande ABC e no País está por volta de 70%. Supostamente, portanto, os 15,4% do PIB Motorizado é um ventinho qualquer ante o PIB de Serviços.  

INDÚSTRIA E SERVIÇOS  

Aí é que reside uma nova armadilha: muito do PIB de Serviços (de baixo valor agregado no Grande ABC sem cadeias de serviços qualitativas) deriva do PIB Geral e sobretudo do PIB Motorizado, porta-bandeira e mestre-sala da economia regional. 

Acho que o leitor entendeu o que quero dizer sobre o PIB Motorizado do Grande ABC e a avalanche de importância que o coloca no cenário desenvolvimentista.  

Agora vou chegar aonde pretendia: com a confirmação da debandada de mais uma indústria, no caso a Toyota em São Bernardo, é possível que apareça alguém na praça de besteiragens econômicas e determine um número aleatório que representaria a perda anual do PIB Geral.  

Não acreditem nisso. Já tivemos exemplos disso em outras situações, configurando-se claramente chutes lotéricos.  

PENDURICALHOS  

No caso da perda do PIB Industrial ao longo de décadas, com acentuada incidência de gravidade neste século em São Bernardo, praça mais importante do PIB Motorizado, existe uma conclusão inquestionável, porque documentada estatisticamente: a influência de perdas cumulativas degrada o ambiente econômico e social do Grande ABC de forma asfixiante.  

Quem, por conta disso (ou seja, da derrocada industrial e consequentemente econômica e social do Grande ABC) perpetrar que é inexorável que a queda industrial leve junto a perda econômica, estará se precipitando. Há muitos endereços, como a Capital vizinha, em que o refluxo industrial não teve a correspondente amarra econômica porque diversas atividades de serviços tecnológicos e financeiros mais que compensaram o rebaixamento produtivo. 

Não custa lembrar, entretanto, que São Paulo e alguns outros endereços nacionais são exceções à regra num País que perdeu o rumo da competitividade.   

O PIB Motorizado do Grande ABC pode ser e é mesmo praticamente um segredo indevassável, mas contém uma realidade arrasadora: seja o quanto for (e é muito) vai continuar a mexer com nosso presente e o nosso futuro.  

Por isso é impossível olhar para o Clube dos Prefeitos e a Agência de Desenvolvimento Econômico com algum respeito. São penduricalhos inservíveis.

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