Sociedade

Uma vez Borralheira,
sempre Borralheira (4)

  DANIEL LIMA - 11/05/2022

GRANDE ABC – Você está correto, Estado de São Paulo. Não reservei mesmo uma cadeira para Brasília nesse nosso encontro aqui no Residencial Grande ABC. Vinte anos atrás Brasília foi chamada por causa de emergência. Estávamos em estado de choque com o assassinato do prefeito Celso Daniel e vivíamos intensamente os dramas de uma sociedade vitimada pela violência urbana. Mas agora a situação é diferente. Nosso mal é empobrecimento econômico e falência das instituições. Vivemos ao deus-dará. É um salve-se-quem-puder. E todos pereceremos. 

DIADEMA – Até imagino o que vai falar sobre Brasília, Grande ABC. Tenho certeza de que você tomou a decisão certa. Estou prontíssima para a sessão de pancadaria. Brasília é nosso alvo preferencial.  

MAUÁ – Lá vem minha irmã social, quase siamesa, achar que sabe de tudo. Deixe o Grande ABC explicar por que Brasília não está aqui. 

DIADEMA – Irmã social, quase siamesa, não entendi?  

MAUÁ – Basta dar uma consultada nos indicadores socioeconômicos e você vai verificar que somos muito parecidas, embora com distinções políticas. Você é mais esquerdista do que eu, mas temos dados semelhantes na composição de nossa população quando se verificam condições por classe econômica. 

GRANDE ABC – Não vamos antecipar esse debate, Mauá. Fiquemos na questão relativa à Brasília e suas repercussões. Querem ou não querem que explique as razões de não ter chamado a Capital do País? 

SÃO BERNARDO – É o que mais desejo. Desembuche, Grande ABC. 

SANTO ANDRÉ – É isso mesmo, desembuche! 

SÃO BERNARDO – Seja mais original, Santo André. Sempre na minha cola? 

CIDADE DE SÃO PAULO – Essa preocupação com Brasília é de vocês. Sou forte e independente o suficiente para não perder o sono com Brasília. 

GRANDE ABC – Pare de ser arrogante, Cidade de São Paulo. Não faz muito tempo você pediu o penico e lhe deram um baita desconto na dívida consolidada que inviabilizava sua administração. A Lei de Responsabilidade Fiscal foi violentada por causa de pressões políticas que você e outros Estados fizeram em Brasília. A situação fiscal do País piorou ainda mais. Aqui somos todos iguais quando o assunto é Brasília. 

RIO GRANDE DA SERRA – Obrigado por me nivelar a vocês. É muita honra. 

RIBEIRÃO PIRES – Para mim também. 

GRANDE ABC – O negócio é o seguinte: não convidei Brasília porque Brasília é a fantasminha nada camarada de todos nós. Está em cada movimento nosso, em qualquer área. 

SÃO BERNARDO – É verdade, Grande ABC.  

SANTO ANDRÉ – Bem explicado, Grande ABC. Não havia pensado nisso. Sabe como é, estou mais preocupado com o loteamento da Prefeitura com apaniguados políticos do que com outra coisa. Claro, tudo com finalidade eleitoral. Aqui o tempo passa na catinga da fumaça e vejo a turma do poder se preparar exclusivamente para a fase magra de manchetes benevolentes de todos os dias.   

ESTADO DE SÃO PAULO – Ainda não abri a boca porque estou na expectativa do que vou ouvir. Represento um terço do PIB do Brasil e sei o que me incomoda em relação a Brasília. Estou de olho nessa malvada. 

DIADEMA – Eu também. Ainda mais porque quem está lá, mandando e desmandando, é um desafeto nosso. 

SÃO BERNARDO – Pois nesse momento não acho que seja desafeto. Estou em cima do muro nesse ano de eleições, mas não nego que se der a vitória daquela alma mais honesta que povoa cada rua que tenho, vou ficar preocupado, muito preocupado. Pode sinalizar problemas nas eleições municipais de daqui dois anos. O primeiro-amigo dileto da alma mais honesta pode voltar. 

SANTO ANDRÉ – Para mim, tanto faz. Acendi uma vela para Deus e outra para o Diabo. Tenho estacas em todos os cantos. Até mesmo na areia movediça da alma mais pura. Sou eclético. Custa caro ser eclético, mas já me acostumei com o preço.  

MAUÁ – Estamos perdendo o foco. Vamos começar logo a sessão de pancadaria, mas muita pancadaria contra Brasília. 

GRANDE ABC – Calma lá, Mauá. Represento a população da região de quase três milhões de habitantes e essa conta salgada de exclusão social, falta de dinamismo econômico, corrupção, tudo de ruim que nos abate, não é exclusividade de Brasília não. Aliás, foi por isso, entre outras coisas, que preferi não convidar Brasília a esse encontro. 

SÃO CAETANO – Quer dizer que você, Grande ABC, que nos representa institucionalmente, está aqui para limpar a barra de Brasília? 

SANTO ANDRÉ – Também não estou acreditando nisso, São Caetano. 

DIADEMA – Muito menos eu que estou com o estilingue pronto para acertar as vidraças do Palácio do Planalto. 

SÃO BERNARDO – Calma, Diadema, não estamos em guerra. 

RIBEIRÃO PIRES – Tem razão, São Bernardo. Vamos ter um mínimo de diplomacia.  

GRANDE ABC – Vou ser objetivo, mas peço que ouçam com atenção. Façam reflexão sincera. Façam autocrítica serena. Façam um gesto de humildade de pensamento. Vocês acham mesmo que Brasília é esse demônio todo e nós, aqui, não temos nada a ver com isso? 

SÃO BERNARDO – Explique melhor, Grande ABC.  

GRANDE ABC – Ora, gente. Brasília é apenas um enclave de poderes que tem como origem cada um dos municípios, cada um dos Estados brasileiros. Brasília é um coquetel molotov de ações e inações de esferas inferiores de poderes. Isso é Brasília. Se Brasília é isso, e parece não haver dúvida sobre isso, por que então chamar Brasília a essa reunião? Seria uma redundância, desculpa esfarrapada. Brasília não pode continuar a ser tratada como boi de piranha.  

SÃO CAETANO – Sabe que não havia pensado nisso? 

SÃO BERNARDO – Pensar eu pensei, mas sabe como é, não custa nada imputar erros a terceiros. Quanto mais desviamos a flexa, menos flechadas tomaremos.  

SANTO ANDRÉ – O Grande ABC está sacaneando a gente. Vem nesse momento de crise tirar o nosso discurso de vítima, de descaso de terceiros. Não sei o que fazer depois disso.  

MAUÁ – A gente fez o possível para tentar manipular as coisas, jogar a bomba no colo de Brasília, mas o Grande ABC acertou na veia. O inferno que vivemos é puramente nosso. Brasília pode ter sua parcela de culpa, mas Brasília somos nós. Como dividir essa conta?  

GRANDE ABC – É impossível negar que Brasília somos todos nós. Tudo começa, espalha-se e retorna da maneira que moldamos, planejamos e executamos nos municípios. Brasília é aqui, não esqueçam disso. 

SÃO CAETANO – Em tudo, Grande ABC? 

GRANDE ABC – Absolutamente em tudo. 

CIDADE DE SÃO PAULO – Então desabafa logo. 

GRANDE ABC – Você nem tanto, querida Cinderela, mas nós aqui, na periferia sem mídia de massa, sem identidade regional, sem uma porção de coisas, e com o domínio cada vez maior de mafiosos e oportunistas que se encrustaram nas administrações públicas, somos um terreno fértil à corrupção, aos desmandos, aos exageros, ao silêncio acumpliciador. Somos o resto do toco, o toco sozinho em institucionalidade, ou seja, na cadeia de podres poderes poderosos. 

DIADEMA – Que cacetada, Grande ABC! 

GRANDE ABC – E tem mais, vou falar mais e vocês vão ouvir: quem vai tomar conta dessa reunião no tocante à decisão de não convidar Brasília porque Brasília é dispensável sou eu e mais ninguém. Vejam essa enorme mesa como um divã coletivo, com papel invertido. Eu sou o especialista que vai falar. Posso ouvir, claro, mas quem é a peça-chave dessa sessão de terapia sou eu.   

ESTADO DE SÃO PAULO – Não é porque sou a instância mais elevada nesta mesa que vou contestar. Se a ordem é emanada do anfitrião, vou ouvir atentamente. Vamos exorcizar nossos pecados. 

GRANDE ABC – Você, Estado, também tem muito mais visibilidade midiática que as borralheiras e sabe que precisa tomar mais cuidados, mas mesmo assim todos conhecem que a força política é uma parceira inarredável da força econômica e como tal muito do que se faz de errado não é revelado, não sofre consequências. E serve de escola de malandragens quando se chega a Brasília. Estão aí, como você sabe, os escândalos do metrô, do Rodoanel, de merendas e muito mais.  

DIADEMA – Aplausos para o Grande ABC, aplausos para o Grande ABC! 

GRANDE ABC – Pare com isso, Diadema, pare com isso. Você também não escapa de análise desagradável e sem anestesia verbal. Ou se esqueceu que, com essa mania de tudo para o Estado, tudo para a esquerda, as administrações de viés socialista meteram você numa encrenca de custo elevadíssimo do funcionalismo público e agora não sabe o que fazer porque a conta chegou? Tanto chegou que investimentos estão comprometidos. O instituto de previdência municipal tornou-se inviável, mesmo com aumento de alíquotas dos contribuintes.  

MAUÁ – Toma, Diadema. Isso é para você aprender a ser menos pretensiosa.  

GRANDE ABC – Vejam só que tragédia: o roto falando do rasgado. Até parece que Mauá é um show de eficiência, ordem e transparência com o dinheiro público. Fico pensando quanto é desperdiçado de dinheiro arrecadado, em forma de impostos, só com o Polo Petroquímico, que é a Casa da Moeda de recursos repassados pelo Estado. O fato, Mauá, é que você vive numa obscuridade institucional tão grande, mas tão grande, que poucos sabem o que acontece com suas finanças. Uma varredura do Polícia Federal espantaria muita gente graúda dos poderes instalados. Acho até que acabaria de vez o rodizio apressado de prefeitos. É gente que entra e que sai do gabinete do Paço Municipal. Ninguém consegue entender. 

MAUÁ – Pare de me sacanear, Grande ABC. Você sabe que não sou apenas eu que vivo na penumbra, sem mídia para me assediar para valer, mas sem interesse de se apropriar de minhas complicações como forma de ganhar dinheiro extra. 

GRANDE ABC – Claro que você, Mauá, não tem exclusividade no modus-operandi, mas como se meteu à besta, achando que o problema só está com os outros, tive que lhe dar uma bordoada sinalizadora de que não vou proteger ninguém nesta mesa. Vamos fazer uma tomografia rápida para que Brasília não seja condenada além de seus próprios erros. Mas Brasília, insisto, somos todos nós. Todos nós, não, todos vocês, porque sou quase três milhões de habitantes e pago o pato por isso. Como todos os brasileiros pagam porque não enxergam o óbvio, ou seja, que Brasília está em cada Município.  

SANTO ANDRÉ – É melhor me calar.  

GRANDE ABC – Temos muito o que falar ainda sobre as razões que colocam os sete anões municipais, com perdão da expressão trazida pela Cidade de São Paulo, numa situação de culpabilidade pelo que tudo que está no País. Os municípios brasileiros, controlados por grupos específicos de poderes, com algum revezamento aqui e acolá, mas se mantendo interesses cruzados sempre sob controle, e com muita ajuda da mídia, principalmente a mídia impressa, que é mais tradicional e ainda goza de mais credibilidade, é certo que os municípios brasileiros, como estava dizendo, é a imensa incubadora que embala as noites arromba de Brasília. O Senado e a Câmara dos Deputados são ramais diretos da cultura de bandidagens dos municípios. Aliás, os Estados também.  

ESTADO DE SÃO PAULO – Não esperava ouvir um Grande ABC tão desbocado assim. Parece que Brasília incomoda demais três milhões de habitantes. 

GRANDE ABC – Errado, Estado de São Paulo. A turma dos sete anões pensa que jogamos tudo de ruim nas costas de Brasília. Acho até que a maioria pensa assim, mas minha obrigação como espécie de ombudsman da população é alertar para a realidade precedente. Brasília começa em cada Município com suas deformações morfológicas no campo de podres poderes constituídos e podres poderes paralelos, inclusive subterrâneos.  

DIADEMA – Como assim, subterrâneos? 

GRANDE ABC – Não me faça falar o que não devo porque sei o que falo e sei as consequências que poderiam ser geradas se, por exemplo, decidisse convocar uma turma para denunciar tudo que sabemos e que temos receio fundamentado de divulgar. 

SÃO BERNARDO – Vamos voltar a Brasília? 

GRANDE ABC – Entenda, São Bernardo, entendam gatas borralheiras, entenda bicho de sete cabeças: Brasília não está aqui nem no sentido figurado, nem como fantasminha. Quem está aqui são vocês, a Cidade de São Paulo e o Estado de São Paulo. Brasília é uma abstração, um efeito do organograma institucional do Estado nacional.  Quem vende Brasília como palco de tudo que é ruim ou mesmo de bom para o Brasil o faz com a certeza de que uma grande mentira, um sofisma, vira verdade. Brasília é a condensação de uma tragédia histórica em forma de Estado perdulário, indisciplinado, voluntarista, protetor dos fortes e dominadores, e tudo isso é gerado nos municípios.  

ESTADO DE SÃO PAULO – Estou gostando, Grande ABC. Principalmente porque está quebrando meu galho.  

GRANDE ABC – Não se trata de quebrar o galho, mas de ver a montanha, não os montes. E não pense que você vai sair desse encontro sem levar as devidas porradas. Seria uma aberração esquecer a influência que exerce nos municípios como instância de poder muito mais próxima desses mesmos municípios do que Brasília.  

DIADEMA – Toma, Estadão. 

ESTADO DE SÃO PAULO – Estadão, não! Não me confundam com aquele jornal. Estado de São Paulo é meu nome e sobrenome.  

GRANDE ABC – Parem com essa bobagem, temos muito o que falar ainda. Mas, repito, caro Estado de São Paulo: vai chegar a sua vez. Os municípios que usam Brasília como desculpa esfarrapada precisam estar na linha de frente de críticas. O individualismo, o tribalismo, a impunidade, a aproximação nefasta com outros poderes, sempre longe dos olhos da mídia, ou tão próximo que acabam se acasalando, tudo isso faz parte da cultura de improdutividades e malandragens que chegam e ganham as manchetes em Brasília.  

SÃO BERNARDO – Tudo bem, Grande ABC, mas acho que você está enganado. A maioria da população que você representa pensa como a gente, que Brasília é a grande vilã. 

GRANDE ABC – Já disse que tenho prerrogativa de representar quase três milhões de habitantes e que, portanto, cumpro papel pedagógico de mostrar o que de fato é verdadeiro e o que é folclore nas relações das cidades com a Capital Federal. É claro que me irrito porque forças ocultas e mesmo forças midiáticas insistem em desviar a atenção para proteger pessoas e instituições que não resistem a um sopro de transparência e metodologia de ação.  

SANTO ANDRÉ – Por que você olha tanto para mim, Grande ABC? Parece perseguição. 

GRANDE ABC – Estão vendo, caríssimos companheiros de encontro?  Estão vendo com seus próprios olhos: Santo André se incomodou só porque fixei meus olhos em sua direção. Poderia arrumar uma desculpa qualquer, de que meu olhar se dirigia a uma abelhinha teimosa que ronda a cabeça de Santo André, mas não é isso. Santo André tem muita culpa nesse cartório, mas não é única. Tanto que a reação foi imediata. Diria que se a gente estivesse numa sessão de tortura dos tempos idos, Santo André seria a primeira a confessar seus crimes. Não aguentaria um pau-de-arara nem a pau. Mas, pelo visto, essa sessão de terapia tem o mesmo significado. Se apertar, Santo André confessa.  

CIDADE DE SÃO PAULO – Fico impressionado com a incapacidade de minha dileta vizinha Santo André não ter sangue frio para esse tipo de lavagem de roupa suja. Quando vim para cá, convidado que fui pela segunda vez nos últimos 20 anos, fiz um curso especial que a gente encontra em tudo que é site da Internet. Mergulhei nuns bregueços que dispensam medicamentos de qualquer origem. É só e exclusivamente capacidade de neutralizar eventuais ataques, verdadeiros ou caluniosos. Ninguém vai me tirar do sério. Sou o que vocês borralheiras tem tudo de ruim quando se fala em cidadania, em comprometimento social, mas, como já disse, tenho pontos positivos que vocês jamais terão. Só borralheiras entregam a rapadura.  

SÃO BERNARDO – Escuta, Cidade de São Paulo. Escutem vocês todos. A turma de Santo André não aguenta mesmo um aperto que já confessa. Claro, fizeram uma confederação de interesses muitas vezes conflitantes. Marchar unidos é mais que um desafio, é uma impossibilidade dolorosa.  

RIO GRANDE DA SERRA – A vantagem de ser pequenininha como eu é que sou esquecida nessas horas.  

RIBEIRÃO PIRES – Eu também, mas é melhor a gente calar a boca e só assistir à desgraça alheia. 

GRANDE ABC – Vocês dois estão enganados. Não se trata de desgraça alheia. É desgraça de todos nós. Ou vocês acham que um problema em Santo André não se reflete ou mesmo serve de exemplo a outros municípios. A metástase é inevitável. 

ESTADO DE SÃO PAULO – Vamos voltar à Brasília, vamos voltar à Brasília, é isso que interessa agora. 

GRANDE ABC – Voltar a Brasília, não. Voltar aos sete municípios, com rebarbas para a Cidade de São Paulo e também ao Estado. Afinal, somos ensanduichados pela Cidade de São Paulo e pelo Estado naquilo que poderia ser nossa libertação. 

ESTADO DE SÃO PAULO – Como assim? 

CIDADE DE SÃO PAULO – Não entendi. 

SÃO BERNARDO – Deixem o Grande ABC falar. 

GRANDE ABC – Quero dizer que não é apenas Brasília, exclusivamente Brasília, que vocês usam para manter a região inerte como sociedade. Temos a fama de sociedade rebelde gerada pelos metalúrgicos dos tempos do Lula da Silva, mas isso é falso. Nada mais falso. Somos um organismo adoecido. Ganhamos a fama de contestadores que não condiz com a realidade histórica da sociedade como um todo. 

SÃO BERNARDO – Essa não, Grande ABC. Negar que o que fizemos no passado não significa que temos engajamento político e social é uma falácia? 

GRANDE ABC – Sabia que São Bernardo iria se rebelar. Como naquele movimento dos sindicalistas, tudo não passa de reação seletiva. 

CIDADE DE SÃO PAULO – Explique melhor, Grande ABC? 

GRANDE ABC – Simples como dois e dois são quatro. O que os metalúrgicos, principalmente os metalúrgicos, mas algumas outras categorias também, fizeram nos tempos de disputas acirradas com os empresários de todos os portes, principalmente nas montadoras e autopeças, não passou de uma ação centralizada pelo sindicalismo e que não se espalhou na sociedade porque a sociedade é muito maior que o sindicalismo.  

SÃO BERNARDO – Continue, continue. 

GRANDE ABC – De fato, e para valer, o que tivemos no passado e que se refletiu nos anos seguintes, chegando mais tarde ao conjunto da população do país, foi uma ruptura entre capital e trabalho com efeitos sociais degenerativos. Não que o movimento sindical deixasse de ter elementos importantes, mas, como exagerou na dose, e foi corporativo, essencialmente corporativo, olhando para o próprio umbigo, o estrago na sociedade como um todo foi enorme. Não estávamos preparados para aquele choque cultural. 

DIADEMA – Pegamos carona naquele movimento, elegemos o primeiro prefeito genuinamente petista do Brasil e tivemos sequência de administradores ligados à esquerda. Será que isso tudo não prova que nossos objetivos se espalharam pela sociedade? 

GRANDE ABC – Diadema é um caso à parte, porque o movimento sindical encontrou um terreno fértil de ordem ocupacional por migrantes de todas os quadrantes do Brasil em busca de emprego. A essência trabalhista da população de Diadema, inclusive de fundo socialista, porque assim os gestores públicos se empenharam, é uma exceção, não regra. Mas as respostas ao longo deste século estão aí: poucas cidades do Estado perderam tantas empresas e PIB como Diadema, mesmo estando supostamente em condições especiais de logística, com Imigrantes, Rodoanel e Anchieta na cara do gol.  

ESTADO DE SÃO PAULO – Pelo que estou notando o Grande ABC quer dizer que o sindicalismo foi um atraso de vida? 

GRANDE ABC – Não é bem assim, Estado de São Paulo. Você sabe bem, e não venha com cinismo. Muito de seu território foi ocupado economicamente por empresas que fugiram de nossas cidades, especialmente de São Bernardo, exatamente por conta de hostilidades entre capital e trabalho. Ou seja: há pontos favoráveis e contrários relevantes nessa equação. E a população da região que segue na região carrega esse cromossomo de divisionismo social. Não é o fim do mundo, não há como sugerir que seja um antagonismo típico de árabes versus judeus, claro que não. São Caetano fundamentada em imigrantes europeus é uma coisa mais uniforme, Santo André menos uniforme, São Bernardo menos ainda, como redutos de representantes da livre iniciativa e de trabalhadores. Já em Diadema o ambiente é mais esquerdista, mais socialista.  

CIDADE DE SÃO PAULO – Acho que o assunto está interessante, tem coisas aí que nem imaginava, porque aqui o sindicato menos radical, por assim dizer, não teve tanta relevância midiática, por conta de que vocês têm as montadoras de alta visibilidade. Só pediria uma gentileza ao Grande ABC, que está aí na cabeceira da mesa: dá 10 minutinhos para um comercial no banheiro. Estou apertadíssimo. 

GRANDE ABC – Bem lembrado. Dez minutos e nada mais. Temos uma agenda enorme para discutir. Discutir é força de expressão. Vocês vão mesmo é me ouvir. Esse acerto de contas já passou da hora.

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