Sociedade

Diga “não” a 20 questões
do Teste de Elite Cognitiva

  DANIEL LIMA - 09/05/2022

Quem leu a matéria de sexta-feira que diferencia Elite Intelectual de Elite Cognitiva não vai ter a menor dificuldade de responder ao teste que se segue. Um teste de cidadania que trata especificamente de gestão pública.             

Quem não leu o que já expus terá em seguida uma brevíssima tradução daquilo tudo e, certamente, saberá separar o joio do trigo.  

Elite Intelectual é uma faca de dois gumes. Tanto serve para o bem como para o mal. Não se deve confundir Elite Intelectual necessariamente como sinônimo de produtividade social.    

Elite Cognitiva é outra coisa. Trata-se de separação de corpos inevitável.   

Produzi uma lista de 20 questões que exploram a distância que separa uma coisa da outra. Foi mamão com açúcar preparar o que está logo abaixo. Bastou reproduzir a experiência vivida como jornalista.   

“NÃO” PARA TODOS  

Por isso,  a manchetíssima aí em cima é esclarecedora de imediato: quem concordar com qualquer uma das 20 questões listadas, qualquer uma, faz parte da confraria da Elite Intelectual.   

Ou não passaria mesmo da raia miúda de mandachuvinha, aquela turma que lustra o ego dos mandachuvas de plantão.   

Alguém poderia até argumentar que poderia haver certa tolerância, quem sabe definindo uma gradação que diagnosticaria cada conjunto de respostas em categorias distintas como ‘Elite Cognitiva Consolidada”, “Elite Cognitiva em risco”, “Elite Cognitiva depreciada”, “Elite Cognitiva escassa”.   

Não é bem assim. Ou se está grávida ou não se está grávida. Quem fracassar em qualquer uma das barreiras de contenção abrirá imenso portal a novas transgressões.   

COMENDO AMENDOIM   

Entrar para o time dos malversadores é algo como comer amendoim: depois do primeiro, é praticamente impossível resistir ao segundo, ao terceiro e assim vai.   

A principal distinção entre “Elite Intelectual” e “Elite Cognitiva” no campo específico que estou explorando é que a primeira exige apetrechamento técnico-emocional-corporativo para atender a uma determinada gestão pública.   

A segunda tipologia, além de exigir tudo isso, conta com um agregado de valores culturais, éticos e morais que atuam como obstáculos instransponíveis à sedução dos mandachuvas de plantão. Sedução que leva à perdição.   

São inúmeros casos na região de governantes que dinamitaram a credibilidade de profissionais de talento requisitados, muitos deles, da iniciativa privada e de órgãos públicos exemplares.   

SEDUÇÃO E PERDIÇÃO   

Estar no poder, bem perto do poder, acreditar que influencia o poder, eis a grande jogada dos mandachuvas diante de especialistas que se esborracham em seguida. Ou se dão muito bem na carreira mais contraditória da praça, ou seja, desservir para servir sempre.     

Seguem as 20 questões que organizei num fôlego só, puxando pela memória vivida, algumas situações inclusive barradas do baile de minhas relações profissionais. É muito difícil conviver com a ideia de que o vale-tudo é o cardápio da casa a que deveria servir. Lembre-se, ao ler o que se segue: uma única concessão é o fim da estrada da Elite Cognitiva.   

LISTA DEFINIDORA    

1. Considerará absolutamente dentro das regras do jogo aceitar o cargo de ouvidor de uma Prefeitura tendo como premissa engavetar ou dar tratamento sigiloso a queixas da população que vão além do varejismo. Denúncias graves a serem apuradas são abafadas.   

2. Como procurador-geral de uma Prefeitura, descartará eventual escândalo que poderia colocar em xeque o titular do Paço ou mesmo o entorno que lhe dá governança.   

3. Como agente responsável pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico, mobilizará todos os esforços para transformar dados ruins em dados bons, manipulando conceitos e informações.   

4. Manterá relações obscuras com mercadores imobiliários sempre ávidos por projetos que ultrapassam a linha de fundo da legalidade. Fará desses parceiros o que empreiteiras de obras públicas fazem com o comandante de plantão.   

5. Descartará qualquer iniciativa externa ou interna que procure dar transparência pública à gestão.   

6. Mobilizará assessores para vasculhar iniciativas que possam ser canalizadas ao lustro da gestão, entre as quais até mesmo a compra de premiações que virem manchetes triunfalistas de jornais aliados.   

7. Tomará todas as providências para contar com parceiros que calem opositores incômodos, quer com emprego, quer com a imposição de cerco aos projetos dos desafetos.  

8. Evitará a todo custo qualquer tipo de contraponto informativo a dados eventualmente positivos. O importante é que se sacrifique o conjunto da obra, mas jamais o trecho da obra em questão.   

9. Responderá questionamentos apenas aos aliados da mídia, até porque nem se trata de responder a questionamentos, mas muito mais o levantar da bola para finalizações de sucesso.  

10. Demonizará quem não se dobrar à política de comunicação voltada ao egocentrismo administrativo. Para tanto, lançar mão de milicianos nas redes sociais é fórmula perfeita porque parecerá tudo, menos paus-mandados.  

11. Cederá às vontades de forças obscuras que pretendem chegar ao centro do poder político-administrativo tendo como premissa, entre outras, suporte nas próximas eleições. Os fins justificam os meios.   

12. Olhará para o futuro além do horizonte mais próximo e estabelecerá parcerias que possam catapultá-lo a novas capitanias políticas. O futuro precisa ser azeitado enquanto se tem no presente o controle compartilhado do jogo com quem realmente interessa.   

13. Montará parafernália em forma de hospital de campanha num estádio de futebol apenas para ganhar visibilidade durante escassos três meses de vírus mortal e, em seguida, desativará tudo sem prestar contas à sociedade.  

14. Controlará as forças mais supostamente vivas da sociedade, entregando-lhes frações de poderes que não passam de supérfluos no organograma.   

15. Aumentará sorrateiramente a carga de impostos municipais tendo como certeza a inapetência dos contribuintes em oferecer resistência pública.   

16. Montará organismos com aliados dóceis o suficiente para não oporem resistência ante eventuais desarranjos e, mais que isso, que aceitem passivamente a ideia de que representam a categoria da qual fazem parte.   

17. Distribuirá cargos públicos a representantes de entidades supostamente independentes que se submeterão compulsoriamente às políticas públicas.  

18. Organizará forças-tarefas que vão além do Executivo e que deem retaguarda aos maiores nacos de flexibilidade de uso do dinheiro público. A ordem é proteger muito para usufruir ainda mais.   

19. Definirá pautas que deem sustentação a tergiversações nas redes sociais, plantando falsas prioridades para que se retire do foco os pontos frágeis da administração.   

20. Fará de interesses pessoais e grupais o mantra em todas as situações, desprezando-se olimpicamente qualquer indicativo que remeta à responsabilidade social implícita de agente público.   

Leia mais matérias desta seção: