Esportes

Primeiro de muitos e segundo
de todos, eis o EC Santo André

  DANIEL LIMA - 18/03/2022

Nos últimos tempos pensei num mote publicitário sem truques e apelações. Um mote que representasse o espírito de transformações que deve pautar o Esporte Clube Santo André ao se tornar Santo André Sociedade Anônima, como se desenha no horizonte mesmo com a intromissão mais que abusiva da Prefeitura de Paulinho Serra. Acho que acertei na mosca. E vou fundamentar.  

“Primeiro de muitos e segundo de todos” é mais que uma âncora conceitual, é o próprio futuro da agremiação mais tradicional da região.   

As demais agremiações, casos do São Bernardo, do São Caetano e do Água Santa de Diadema, podem seguir a trilha.  

Talvez os clubes da região, unidos, não encontrem o arco-íris com facilidade. Mas se trabalharem bem, inclusive com marketing consorciado, tudo ficará menos problemático.  

RIVALIDADE É DIFERENTE  

Trataremos dessa temática no momento apropriado e em contraposição àqueles que sugerem a fusão dos clubes da região, considerando que haveria perda de potencial com o modelo que está aí.  

Mal sabem esses integracionistas que não há parentesco algum entre a estratégia de conjugação regional no campo político-administrativo para efeitos de Desenvolvimento Econômico e a fragmentação do futebol profissional.  

Rivalidade é tão produtiva no futebol como concorrência é péssima saída num consórcio unificador dos interesses do Grande ABC.  

O drama do Grande ABC é que não temos no futebol a rivalidade num nível que, paradoxo dos paradoxos, induza as agremiações a se juntarem num projeto de unificação de interesses extracampo.  

BRIGA NOS PAÇOS  

Enquanto isso, no campo institucional, contamos com um Clube dos Prefeitos recheado de ciumeiras municipalistas e nomeações absurdas que agridem a história, caso agora de novo secretário-executivo.  

Se fosse indagado a responder a uma pergunta, uma pergunta apenas, que colocaria em questão se há mais rivalidade entre os prefeitos ou entre os clubes da região, diria sem medo de errar que os ocupantes dos paços municipais são menos acessíveis a ações coletivas.  

O partidarismo é um elemento adicional ao afastamento mútuo, disfarçado aqui e ali em fotos e anúncios de obras.  

Fiz um teste ao levar a alguns leitores a expressão “primeiro de muitos, segundo de todos” e a aprovação geral indica que não houve vontade de agradar porque todos sabem ou deveriam saber que detesto o politicamente correto.  

“Primeiro de muitos, segundo de todos” diz tudo sobre o que imagino para o Santo André Sociedade Anônima, porque não é diferente do que sempre imaginei para o Esporte Clube Santo André. 

A democratização do futebol profissional de Santo André, e por extensão da região, é essencial nos tempos que se abrem.  

PESO DA HISTÓRIA  

Primo-pobre do futebol da região, porque ainda está atrás da estrutura financeira dos clubes-empresas que carimbam os principais concorrentes, que também podem ser parceiros, o Santo André conta com o maior patrimônio quando visto por empreendedores que observam o mundo do futebol também pela ótica de negócios. 

Os quase 60 anos de fundação e a disputa incessante de competições com inúmeras conquistas, a principal das quais a Copa do Brasil diante do Flamengo no Maracanã, integram um bloco de ativos materializáveis e intangíveis.  

Um dos desafios históricos do Santo André e dos demais times da região é furar o bloqueio do quase monopólio midiático dos grandes clubes da capital, que exercem fascínio natural e dispensável a explicações.  

PRIMEIRO E SEGUNDO  

Não admitir que o Santo André é um time reserva da maioria dos amantes do futebol do Município e que algo semelhante se dá com os demais clubes da região, em proporções ainda maiores, é fugir da realidade.  

Transformar o que se configura mesmo como reserva sentimental da maioria em patrimônio de todos não é sonhar demais.  

Até porque isso também já é realidade. O segundo time majoritariamente de quem torce para o Corinthians, São Paulo, Palmeiras e Santos em Santo André é o Santo André.  

“Primeiro de muitos, segundo de todos” é o resumo da ópera que despertará os consumidores de futebol em tempos de futebol de negócios a engrossar os ativos do patrimônio cultural que o Santo André representa para o Município. O maior patrimônio sentimental, para ser claro e objetivo.  

CAMISA DIVIDIDA 

No passado, no fim dos anos 1970, começo dos oitenta, como registrei ainda outro dia aqui, lançou-se a novidade de “camisa dividida” em jogos do Santo André.  

Eram vendedores ambulantes com um olho no coração e no bolso do torcedor de time grande e outro olho no coração e no do torcedor do time da casa. Vendiam-se camisas do Santo André divididas igualitariamente nas cores e dísticos de duas equipes. Um festival multicolorido nos jogos, na exata proporção da perda de identidade própria. Um quebra-galho, por assim dizer.  

Foi o jornalista Luiz Carlos Sperândio, repórter aguçadíssimo, meu companheiro de trabalho de muitos anos, quem produziu o texto para o Diário do Grande ABC. Era este profissional editor de Esportes. A reportagem está nas páginas de CapitalSocial. 

A diferença entre “camisa dividida” e “primeiro de muitos, segundo de todos” está na própria subjetividade da proposta. 

Primeiro, quando se fala em divisão com o apelo cromático de uma camisa, se fala em situação especial, de explicitude de uma fronteira de boas intenções, mas de suposição de que o time de menor porte não contaria com público cativo, só emprestado.  

Segundo, quando se fala em “muitos” e “todos”, fareja-se uma equação diferente, de entrega total, ou seja, sem a implicitude de uma aproximação ocasional ou temporária.   

INJEÇÃO DE ADRENALINA  

Mais que isso: “primeiro de muitos, segundo de todos” também transporta na bagagem subjetiva uma dosagem que impacta as almas andreenses, como poderia impactar almas dos vizinhos de futebol de competição.  

O mote será sempre uma injeção de adrenalina na autoestima de pertencer a determinado endereço municipal. Atingiria em cheio principalmente jovens que engrossam a lista de primeiro berço em Santo André.  

Já imaginaram uma campanha de marketing com suporte da iniciativa privada e mesmo do Poder Público em termos de logística operacional que comportasse o “primeiro de muitos, segundo de todos” nas escolas de Ensino Fundamental e mesmo, por que não, nas maternidades?  

Quanto à primeira, em escolas de garotada, fez-se uma vez, numa temporada nos anos 1970. O Santo André passou a contar com a maior proporção de público infantil nos jogos oficiais. Uma loucura da molecada.  

PAÇO IMPOSITIVO  

A falta de inteligência no Paço Municipal, mesmo que inteligência pragmática, em busca de votos, como é natural do setor público, leva a caminhos mais estreitos e dúbios: prefere-se invadir um clube a compartilhar o futuro do mesmo clube. 

Os empreendedores que se interessarem pela SAF do Santo André precisam ter em mente (e se forem do ramo de negócios sérios o recado seria dispensável) que a solidez da intangibilidade dos ativos do Esporte Clube Santo André é imensurável. 

O que isso significa? Significa que há um campo à exploração social e econômica, com resultados culturais inestimáveis, cujo potencial de negócios vai muito além das repercussões nos balanços financeiros.  

Há um agregado de valor na marca Esporte Clube Santo André -- novo paradoxo -- que praticamente exige da direção da agremiação lançar-se para valer e sem temor rumo ao Santo André Sociedade Anônima.  

De nada adiantaria tudo o que se tem construído em mais de meio século se na hora da onça beber águas da modernidade e também de emergencialidades de dar um salto rumo ao futuro houver alguma indecisão.  

Traduzindo: o Esporte Clube Santo André sabe que não tem saída para que continue a representar a maior patrimônio cultural de Santo André senão tratar da SAF com todo o empenho e abrangência.  

Empenho no sentido de que não deve e não pode se intimidar diante dos poderosos de plantão, no caso o prefeito Paulinho Serra e a turma que o cerca.  

Abrangência no sentido de que, embora a bola importe muito, e tem mesmo de importar, porque bola rompe fronteiras, a bola não pode ser vista apenas dentro de campo, mas com a elasticidade mobilizadora de “primeiro de muitos, segundo de todos”.  

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