Conheça 43 personagens de
um documentário histórico
DANIEL LIMA - 21/02/2022
Uma obra-prima da literatura política e criminal em forma de documentário está sendo exibido na plataforma de streaming da Globoplay. O Caso Celso Daniel, intimamente relacionado à vida política, social e institucional do Grande ABC, finalmente ganhou atenção que combina responsabilidade e comprometimento com a realidade dos fatos.
Por isso, e por tantas outras razões igualmente nobres, estamos aprofundando análises sobre a morte do maior prefeito regional do Grande ABC.
Para facilitar o entendimento de uma preciosidade cinematográfica ainda pouco compreendida pelos apressados e ignorantes que se metem a interpretar o trabalho mesmo sem aprofundamento, estamos publicando abaixo um breve perfil de 43 personagens diretamente relacionados aos fatos. A maioria dos quais presente nas gravações do documentário.
A obra dos cineastas Marcos Jorge e Bernardo Rennó, que analisaremos em outra edição, rompe os laços de produtos semelhantes que incorporam conotações espetaculosas como se fossem indispensáveis. Como se o grito valesse mais que o argumento.
O Caso Celso Daniel é um paradoxo: em meio a tanta violência, prevalece linguagem cinematográfica de extrema sutileza, engenhosamente estimulante à perscrutação analítica.
Ou seja: despe-se de panfletarismo em busca de audiência, mas sempre escasso de credibilidade. Elimina-se uma frondosa árvore de dissonâncias fundamentalistas.
Deixaremos para outro dia essa incursão do modelo aplicado no documentário do Estúdio Escarlate. O que interessa agora é que os leitores acompanhem os personagens do Caso Celso Daniel.
Conhecendo cada um deles talvez o caminho ao entendimento da obra-prima em forma de cinematografia fique mais claro e instigante. Celso Daniel, Sérgio Gomes da Silva e este jornalista, presentes no documentário, ficarão a análise posterior.
GILBERTO CARVALHO
Surpreendeu ao admitir, mais que admitir, ao afirmar, com todas as letras e entonação de voz, um segredo que o PT guardava a sete chaves e que, mantido, foi a razão principal de um Crime Comum virar Crime de Encomenda na versão do MP: disse que Celso Daniel tinha pleno conhecimento do sistema de arrecadação paralela. Gilberto Carvalho afirmou que Celso Daniel sabia a que fim se destinavam as ações arrecadatórias de Sérgio Gomes da Silva. O ex-secretário de governo de Celso Daniel e chefe-de-gabinete do governo Lula da Silva assumiu publicamente que o PT de Santo André não era virginal num delito que antecessores de outros partidos jamais deixaram de empreender, embora tudo parecesse novidade nas declarações dos promotores criminais naquele início de 2002. Gilberto Carvalho só não disse o que para quem entende de política seria desnecessário: a confissão de arrecadação paralela do PT naquele começo de século atingiria em cheio os planos de Lula da Silva virar presidente do País naquela temporada. Tratava-se de um segredo então inviolável que gravações da Polícia Federal captaram nas entrelinhas. As mesmas entrelinhas retiradas do contexto político-administrativo inconfessável e transplantadas para dar vazão ao Crime de Encomenda, estruturado na versão paralela de rebeldia de Celso Daniel ao descobrir as irregularidades. Nada mais falso, portanto.
LUIZ EDUARDO GREENHALGH
Impetuoso, contundente, o ex-deputado federal do PT não deixou nada sem resposta. Digladiou com os promotores criminais Roberto Wider Filho e José Reinaldo Guimarães. O passado de contradições do MP o favoreceu. Enfatizou com brilho várias fases de investigações, da Policia Civil e da Polícia Federal, em contraste com incoerências da força-tarefa do MP de Santo André. A síntese final, no último episódio, é digna dos melhores momentos. E de uma condensação do caso. Sem contar a revolta com uma primeira página da Folha de S. Paulo, que, na esteira de julgamentos dos sequestradores de Celso Daniel em Itapecerica da Serra, quando declararam terem sido torturados pelo petista. Greenhalgh lamentou mais a omissão de um dos promotores criminais de Santo André (não mencionou o nome) do que a imprudência do jornal paulistano: “Ele estava presente aos depoimentos, acompanhou tudo e se manteve calado durante o julgamento”, disse. Greenhalgh não virou réu de si mesmo: o que disse no passado gravado está gravado no presente do documentário.
ROBERTO WIDER FILHO
O passado causou transtorno incontornável ao presente. Entre o promotor-criminal enfático de 2002 e dos anos subsequentes, defensor da versão de Crime de Encomenda que fez de Celso Daniel vítima que se rebelara contra o esquema de propina, e o promotor-criminal do documentário, que afirma que Sérgio Gomes da Silva era preposto do prefeito na operação de arrecadação paralela, esticou-se uma corda de contradição. Uma corda que enforcou de vez a teoria condenatória ao primeiro-amigo do prefeito petista, o homem de quem o MP pretendeu arrancar inutilmente uma delação premiada. Wider queria que Sérgio Gomes confirmasse os dinheiros impuros da gestão de Celso Daniel. Todo o resto da participação de Roberto Wider Filho ficou comprometido. E virou especulação.
BRUNO DANIEL
Chorou copiosamente no episódio final. Admitiu finalmente o rompimento de relações durante muito tempo, por causa de desavenças no primeiro mandato de Celso Daniel, em 1989. Bruno Daniel viu o mundo de fantasia desmoronar. O médico-legista que tanto acreditava ter sido vítima de assassinato, suicidou-se mesmo, inclusive em declarações do promotor-criminal Roberto Wider Filho. Bruno Daniel lutou bravamente por uma versão de assassinato de encomenda que se esboroou a cada nova episódio. Não sobrou nada além do choro de arrependimento por não ter partilhado o sucesso político-administrativo e por ter contribuído para afundar a imagem do irmão famoso.
JOÃO FRANCISCO DANIEL
Foi mais antagonista midiático de Crime Comum que o irmão Bruno Daniel nos primeiros tempos pós-assassinato. Criticado duramente pelos petistas, porque atuava como lobista da família Gabrilli, concessionária de linhas de transporte público rival do empresário Ronan Maria Pinto, João Francisco Daniel desapareceu nos últimos anos. Estaria na Bahia. A CPI dos Bingos, em 2005, que incluiu o Caso Celso Daniel com o propósito de criminalizar o PT e Sérgio Gomes da Silva, foi um dos palcos de João Francisco Daniel, em embates com Gilberto Carvalho. Extravagante nos gestos e palavras, irônico, desafiador, a recusa em participar do documentário talvez tenha sido uma decisão em que prevaleceria a serenidade. Se participasse, teria visto desqualificado no presente muito do que disse no passado em forma de acusações às forças policiais que apuraram Crime Comum.
KLINGER LUIZ DE OLIVEIRA
O secretário de ouro da gestão de Celso Daniel e garantidamente sucessor no comando do Paço Municipal não fugiu da raia. Enfrentou a bateria de perguntas do documentário. E também enfrentou virtualmente aqueles que o acusaram de participar do esquema de propina. Klinger Souza foi seguro em todas as intervenções, comportamento que contribui para aumentar a credibilidade nas palavras de quem o considera inocente e, por outro lado, diminui a carga de desconfiança de quem o levou ao centro do sistema paralelo de arrecadação.
EDUARDO SUPLICY
O léxico permite infinidade de adjetivos que definiriam o ex-senador e hoje vereador paulistano Eduardo Suplicy no Caso Celso Daniel. A escolha é fácil e pode se iniciar com qualquer letra do alfabeto. Desde “a” de aloprado a “z” de zombeteiro. Talvez o verbete que mais se ajuste à conduta de Suplicy comece mesmo com “p” de patético. Foram tantas as patacoadas de Eduardo Suplicy que quem apontar o caso do pastor evangélico, que teria gravado a cena do crime condenatória a Sérgio Gomes da Silva, mas que não passava de um estelionatário, talvez corra o risco de perder a disputa num ranking minucioso. Suplicy é capaz de se superar sempre a cada investida detalhista no Caso Celso Daniel. Homem sempre à procura de holofotes, é improvável que ficaria contrariado se alguém o apontasse diretamente como testemunha do arrebatamento, mesmo que estivesse longe do local. Talvez por conta disso tenha se empenhado tanto em parecer presente. E patético.
JOSÉ DIRCEU
O então presidente do Partido dos Trabalhadores apareceu no documentário tanto nos primórdios do Caso Celso Daniel quanto agora, em depoimento aos produtores do Estúdio Escarlate. Deu até o caminho das pedras à acumulação de riqueza pelos políticos – de postos de gasolina a mansões – mas negou qualquer possibilidade de alguém do PT locupletar-se de recursos públicos. José Dirceu e a cúpula do PT, mostram reportagens, partiram para o ataque em defesa de crime político de Celso Daniel, como de Toninho do PT, prefeito de Campinas assassinado quatro meses antes. E se empenharam juntamente com o então candidato presidencial Lula da Silva para que o presidente Fernando Henrique Cardoso enviasse a Polícia Federal a Santo André. O que foi cumprido. Não deixou de ressaltar que João Francisco Daniel, que o acusou de propinas, teve de se retratar perante a Justiça.
MARCO VINICIO PETRELLUZZI
Então secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, o também promotor de Justiça foi afastado do cargo no dia seguinte ao sepultamento de Celso Daniel. A decisão havia sido tomada antes, por causa da acentuada deterioração do ambiente criminal paulista. Batiam-se recordes sobre recordes de sequestros. Petrelluzzi está presente em forma de passado e de presente no documentário. Não se arrisca a avaliações mais profundas. Conta uma das muitas lambanças do senador petista Eduardo Suplicy, fascinado por manchetes.
LULA DA SILVA
Aparece apenas em declarações gravadas no passado. Uma das quais sem sentido efetivo, mas que, por ter partido de quem partiu, virou verdade absoluta. Lula da Silva disse que a cada nova eleição o Caso Celso Daniel é explorado pelos adversários. Não é isso que se deu ao longo dos anos de forma perturbadoramente efetiva. O Caso Celso Daniel jamais virou propaganda eleitoral na TV, exceto em 2018 quando a então deputada federal e candidata a senadora, Mara Gabrilli, rompeu o pacto entre tucanos e petistas e fez do assassinato do prefeito de Santo André a mensagem principal que a colocou no Senado Federal.
MARCIO SERGIO CHRISTINO
Esse Procurador do Ministério Público de São Paulo fez intervenções milimetricamente certeiras sobre o comportamento de presidiários. Autor de livro que trata da história do PCC, a facção mais poderosa do sistema criminal do País, Marcio Christino engrossou a argumentação técnica-social de operações policiais de que Dionísio de Aquino Severo jamais poderia ter participado do sequestro de Celso Daniel. Afinal, Dionísio jamais se juntaria à quadrilha de sequestradores chefiada por Itamar Monstro da Silva, ligada ao PCC. Dionísio de Aquino Severo era de facção rival, que disputava a representatividade dos criminosos em São Paulo. Um procurador da Justiça, do MP, que contesta a apuração dos promotores-criminais de Santo André, defensores da versão de Crime de Encomenda liderado por Dionísio de Aquino Severo, era tudo que faltava para enterrar de vez a debilidade das investigações paralelas.
MARILENA NAKANO
Mulher de Bruno Daniel, em 1989 foi o pivô do rompimento pessoal e político entre os dois irmãos. Marilena era secretária de Educação de Santo André pela primeira vez comandada por Celso Daniel, aos 38 anos. Pretendeu implantar medidas consideradas radicais. Acabou deixando o governo juntamente com Bruno Daniel. Marilena Nakano teve atuação serena no documentário. Construiu sentenças filosóficas à manutenção da política longe dos vícios da política, referindo-se especificamente ao sistema de arrecadação paralela na gestão do cunhado. Diferentemente de Bruno Daniel, ressaltou a amizade desfrutada com Sérgio Gomes da Silva. O primeiro-amigo de Celso Daniel frequentava a casa de Marilena-Bruno, brincava com as crianças do casal e (embora não tenha dito) até se lançou numa empreitada para socorrer um deles num momento de dificuldade.
EDISON DE SANTIS
Delegado-geral da Policia Civil de São Paulo, fundamentou o tempo todo a versão de Crime Comum. Participou ativamente da força-tarefa policial que capturou sequestradores. Esquadrinhou com clareza o território criminal dos bandidos que sequestraram Celso Daniel e a infiltração de um personagem sem ligação efetiva com a operação, Dionísio de Aquino Severo. Hostilidades trocadas com os promotores-criminais, que trataram de apuração paralela, foram subliminares. O delegado De Santis transpira experiência.
ROBERTO PODVAL
O incansável advogado de defesa de Sérgio Gomes da Silva tocou a todos num dos momentos mais emocionantes do documentário ao lembrar o último encontro com o homem que o MP criminalizou. Podval chorou ao recordar o diálogo com um Sérgio Gomes da Silva feliz por estar indo embora, acometido de câncer, inocentado pelo Supremo Tribunal Federal numa decisão que exigia novos procedimentos judiciais. Podval lembrou a vitória representada pelo habeas-corpus que retirou Sérgio Gomes da Silva da prisão, em julho de 2004, e comentou algo que os promotores-criminais omitem ao sugerirem a decisão do ministro Nelson Jobim como carta marcada de plantonista: Sérgio Gomes da Silva, na mesma data, também obteve liberdade por decisão de um ministro do Superior Tribunal de Justiça. Uma vitória simultaneamente dupla pouco comum nos tribunais.
MARCOS CARNEIRO LIMA
Delegado-geral e ex-delegado corregedor, definiu o Caso Celso Daniel em várias intervenções com objetividade. Disse com ênfase que Crime de Encomenda, no caso crime de mando, não é compatível com tantos sequestradores. Só faltou dizer que a versão de Crime de Mando com tantos participantes é tão absurdamente inverossímil quanto chamar a polícia para assistir a um assalto a banco. Também jogou no lixo da improbabilidade descomunal a introdução de Dionísio de Aquino Severo no enredo, saído um dia antes do presidio de Guarulhos a bordo de um helicóptero. Não só por conta de integrar facção criminosa rival aos sequestradores comandados por Itamar Monstro da Silva, do PCC, mas também ou principalmente porque o tempo era exíguo à empreitada subsequente.
JOÃO ROBERTO OBA
Ex-presidente da Associação dos Médicos Legistas de São Paulo, colocou discretamente, discretamente até demais na edição do documentário, um ponto final nas especulações de que Celso Daniel foi torturado antes de ser assassinado. O profissional declarou que os exames comprovaram que os projéteis que atingiram Celso Daniel, direta ou indiretamente, foram deflagrados durante a ação descrita nos inquéritos policiais, ou seja, no momento em que o prefeito de Santo André foi levado a um terreno deserto e ali foi executado. Nada houve anteriormente a isso e tampouco com intervalo de tempo que permitisse sugerir que a decisão tenha qualquer relação com uma outra lenda do Caso Celso Daniel, criada pela força-tarefa do MP: a lenda de que havia um dossiê produzido pelo prefeito contra o esquema de propina na Prefeitura. Um Crime de Encomenda, portanto. Um enredo conflitante com as novas declarações de promotores criminais – a de que Celso Daniel sabia do esquema. Mais que isso: que contava com Sérgio Gomes da Silva como preposto, como afirmou o promotor-criminal Roberto Wider Filho.
CARLOS DELMONTE
Quem caiu no conto de fantasias do médico-legista Carlos Delmonte se trumbicou. Por muito tempo um dos especialistas que investigaram as consequências dos projeteis no corpo de Celso Daniel incrementou a versão de tortura no sentido delinquencial do termo, ou seja, de algo planejado para se obter alguma coisa da vítima. O mesmo médico-legista que, equivocadamente, identificou uma etiqueta externa na cueca que Celso Daniel usava como cueca do lado do avesso, de possível prova de crime de vingança. O mesmo médico legista que os irmãos de Celso Daniel tanto exaltaram por servir de base supostamente científica à concepção de Crime de Encomenda. O mesmo médico-legista cuja morte ingressou na lista farsesca de vítimas do Caso Celso Daniel. O médico-legista que o promotor-criminal Roberto Wider Filho constrangidamente declarou ter-se suicidado mesmo, recuando nas declarações anteriores, de 2005, quando Carlos Delmonte virou manchete de jornais após ser encontrado morto.
MARCO ANTONIO DESGUALDO
Outro delegado de Polícia de alta patente da força-tarefa que se lançou a fundo nas investigações. Tanto como os demais, fez declarações que excluíram o assassinato de Celso Daniel de qualquer ação que não tenha sido de Crime Comum. Disse também que provavelmente o prefeito de Santo André não teria sido morto caso a mídia, especialmente a TV Globo, não desse a notícia sobre o sequestro. A informação levada ao público naquela noite de 18 de janeiro de 2002 causou impacto nos sequestradores ao descobrirem – sempre nas declarações do delegado – que estavam com um “peixe grande” em mãos. A recomendação para que Celso Daniel fosse libertado não foi obedecida. Na dramatização de momentos antecedentes ao crime, o sequestrador incumbido de dispensar o prefeito teria decidido pelo assassinato. Celso Daniel teria visto seu rosto.
JOSÉ CICOTE
O ex-deputado petista José Cicote participou do documentário em cenas e notícias do passado. Ele se meteu no assassinato de forma desastrosa. Desafeto de Celso Daniel, de quem foi vice-prefeito nas eleições de 1988, José Cicote não aceitou a derrota como candidato à sucessão de Celso Daniel em 1992. Cicote ganhou as prévias contra o candidato de Celso Daniel, o economista Antônio Carlos Granado, mas teria detectado pouco empenho dos derrotados internos na disputa para valer contra o conservador Newton Brandão, que se elegeria pela quarta vez. José Cicote introduziu o bandido Dionísio de Aquino Severo no Caso Celso Daniel, inclusive como namorado da mulher de Sérgio Gomes. Mais tarde, arrependido, voltou atrás. Mas os danos já estavam feitos. Dionísio Aquino Severo foi a peça decisiva que o MP montou para colocar Sérgio Gomes da Silva na cadeia como sustentáculo de Crime de Encomenda.
ROMEU TUMINHA
O delegado de pai famoso, inclusive senador da República, apareceu apenas em gravações. Não consta dos ativos do documentário, ou seja, de quem tenha passado pelo processo de gravação. Era fiel informante da força-tarefa dos promotores criminais de Santo André. Os mesmos promotores-criminais que sempre fizeram segredo sobre a identidade das fontes de informação, foram entregues de bandeja num livro em que Romeu Tuminha faz relato inconsistente sobre o Caso Celso Daniel. E entrega os promotores-criminais como desaguadouro de investigações. Dionísio de Aquino Severo, o homem que fugiu do Presidio de Guarulhos de helicóptero e foi plantado na história do assassinato do prefeito, é obra de Romeu Tuminha. Uma obra que encantou os promotores-criminais. E que determinou o deslocamento do Crime Comum para Crime de Encomenda.
ELISABETE SATO
A delegada chamada pelos familiares de Celso Daniel e pelo Ministério Público de Santo André para efetuar uma terceira investigação policial do Caso Celso Daniel não gravou entrevista ao documentário e aparece no passado de reportagens sem voz. Apenas a decisão que tomou após um ano de investigações está objetivamente apresentada: Elisabete Sato seguiu o resultado das investigações anteriores. Não observou relação alguma entre a morte do prefeito de Santo André e o esquema de propina. Os irmãos Daniel e os promotores criminais a execraram. Queriam que queriam qualquer coisa diferente, desde que qualquer coisa diferente fosse exatamente o que sempre defenderam que seria, ou seja, Celso Daniel foi vítima de Crime de Encomenda. A única diferença entre as investigações anteriores e a comandada por Elisabete Sato se concentrou no autor dos tiros contra Celso Daniel: se um menor de idade ou um dos sequestradores já em idade criminal.
IVONE SANTANA
Discriminada pela mídia durante todo o processo, tratada como companheira ou namorada de Celso Daniel, jamais como viúva, Ivone Santana foi valorizada no devido ponto do documentário. Traçou desenho humanístico de Celso Daniel desde os primórdios de vocação política. Falou com a serenidade de quem conhece fatos essenciais que jamais se direcionaram à morte por encomenda. Mãe de Liora, única filha de Celso Daniel, Ivone Santana jamais em todo o tempo perdeu a dignidade ou se exaltou contra a discriminação dos irmãos de Celso Daniel, que sempre a viram como dissidente da linhagem de migrantes europeus. Ivone Santana respondeu com sutileza quase imperceptível.
MIRIAM BELCHIOR
Quem sempre observou a ex-mulher, ex-secretária municipal da gestão de Celso Daniel e ex-ministra do governo federal petista como uma montanha gélida, pragmática, surpreendeu-se com o depoimento de Miriam Belchior. Como Ivone Santana, Miriam Belchior contribuiu para a construção de um Celso Daniel no nascedouro da formatação do político e agente público de longe o melhor que o Grande ABC já conheceu. Miriam declarou com a convicção da lógica do comportamento usual de Celso Daniel que ele mesmo, poderia ter aberto a porta do carro arrebatado pelos sequestradores. Uma resposta em sintonia com o depoimento de Ivan Monstro Rodrigues, o bandido que determinou a saída do prefeito do veículo.
SILVIO NAVARRO
O jornalista que escreveu um livro recheadíssimo de imprecisões sobre o Caso Celso Daniel teve participação autodestrutiva no documentário. E o fez repetindo o desempenho escrito: aliado acrítico dos promotores criminais de Santo André e do delegado Romeu Tuminha, quebrou a cara da credibilidade com amontoado de colagens imprestáveis dos grandes jornais, péssimos intermediários da realidade dos fatos. Todos que se dobraram às feitiçarias informativas do MP se deram mal. Muito mal. Silvio Navarro foi pior ainda: teve a ousadia de produzir um livro insustentável, cercado de marketing rastaquera que estimulava a ideia de que, finalmente, o MP reabriria o caso. Seis anos depois, nem uma notícia sobre isso.
LILIAN CRISTOFOLETTI
A jornalista da Folha de S. Paulo que durante vários anos se juntou à teoria de Crime de Encomenda do Ministério Público se viu desclassificada, quando não ironizada, para não dizer motivo de anedota. Um representante do MP ouvido no documentário, Roberto Wider Filho, tratou com desdém uma das maiores fake news da história do Caso Celso Daniel: a informação, até então, de que seis vítimas estariam associadas ao assassinato. Ainda não havia se suicidado o médico-legista Carlos Delmonte. As mortes supostamente conjugadas ao Caso Celso Daniel são uma alucinação em busca de manchete. E colou. Até que se dissolveu no documentário, com a assinatura crítica do próprio representante do MP, que lançou a jornalista na fogueira de fake news.
MARCELO DE GODOY
Jornalista do Estadão, teve atuação mais brilhante, isenta, corajosa, decidida e esclarecedora do que o próprio jornal. Enquanto o Estadão ofereceu desempenho editorial errático ao longo da cobertura do assassinato do prefeito de Santo André, Marcelo de Godoy fez do documentário arrazoado de competência analítica e interpretativa. Com conhecimento no que é um dos vetores principais do assassinato, os bastidores das investigações policiais, Marcelo de Godoy explorou com competência o acumulado da experiência vivida. Sem temor e partidarismo.
ROSANGELA GABRILLI
É claro que não contou toda a história que a levou a procurar o Ministério Público em Santo André para relatar a versão da disputa pelo mercado de transporte público em Santo André. A família Gabrilli e outras famílias que sempre tiveram o prefeito de plantão como parceiros, desta vez, com Celso Daniel, foi convocada a dividir responsabilidades. As acusações que saltaram na mídia dando conta de esquema de propina, e levadas ao MP, foi uma medida calculada. Os Gabrilli estavam com os dias contados no transporte em Santo André, porque não cumpriam um novo contrato com o Executivo. É insustentável a versão de que o PT inaugurou o esquema de arrecadação paralela em Santo André. O modelo pode ter sido alterado, mas a essência era a mesma de antes. A paz sempre reinara, e jamais foi preciso recorrer ao MP, porque os concessionários se entendiam perfeitamente num regime de cartel.
MARA GABRILLI
Pegou carona no Caso Celso Daniel bem depois da efervescência do crime em si. Alinhou-se aos tucanos de São Paulo em contraposições petistas que responsabilizaram o Palácio dos Bandeirantes pelo estado de calamidade pública do ambiente criminal na Grande São Paulo, com sequestros fluviais. Graças à propaganda eleitoral na TV e no radio, elegeu-se senadora da República numa campanha, em 2018, de maciça doutrinação de Crime de Encomenda, do qual seu pai, Ângelo Gabrilli, teria sido também uma vítima econômico-financeira.
GERALDO ALCKMIN
A importância do Caso Celso Daniel na vida pública do então governador do Estado, Geraldo Alckmin, é muito maior que o tempo dispensado no documentário. Mas só haveria alteração se Alckmin participasse do presente, porque tudo se limitou ao passado, exatamente com a fita da largada naquela noite de 18 de janeiro de 2002, quando o prefeito de Santo André foi sequestrado. A criminalidade em São Paulo, principalmente na Grande São Paulo, era alarmante. Tanto que Alckmin já havia decidido trocar o titular da Segurança Pública, Marco Vinicio Petrelluzzi, da linha branda, pelo também promotor de Justiça Saulo de Castro Abreu, da linha dura. A posse de Saulo Abreu se deu um dia após o sepultamento de Celso Daniel. O PT entregou a fatura da morte do prefeito na conta do PSDB. Era ano eleitoral. Alckmin reagiu. Botou a força-tarefa do MP em Santo André para melar o jogo de Crime Comum para Crime de Encomenda. Ganhou a guerra midiática. Quem pagou o pato foi Sérgio Gomes da Silva, primeiro-amigo de Celso Daniel. O que a Globoplay mostra é um Geraldo Alckmin atordoado no período mais grave daquele acontecimento. Não precisaria mais nada mesmo.
MARCOS VALÉRIO
O publicitário preso na Operação Lava Jato tentou uma jogada protetiva comum a quem se vê atrás das grades: como estava em Minas Gerais: meteu-se mato adentro do Caso Celso Daniel. Fez do empresário Ronan Maria Pinto, dono do Diário do Grande ABC, a porta de entrada. Declarou que o dinheiro que Ronan recebeu do PT para comprar parte das ações do jornal era dinheiro de chantagem, de quem ameaçara colocar a cúpula do PT na cadeia por causa da morte de Celso Daniel. Valério ganhou notoriedade. Passou a ser tratado como presidiário especial. A conta da segurança pessoal do publicitário foi para o PT. Ronan Maria Pinto mantinha relações muito próximas ao PT. Participava ativamente dos interesses petistas. Tanto que o MP o envolveu no caso de arrecadações paralelas na Prefeitura de Santo André, juntamente com Sérgio Gomes da Silva e Klinger Luiz de Oliveira. Parceria e chantagem são coisas diferentes. Menos para Valério. O golpe deu certo. O caso Celso Daniel ganhou mais uma ramificação.
DADO DE OLIVEIRA
Piloto do helicóptero sequestrado por dois comparsas de Dionísio de Aquino Severo para que se efetivasse a operação de resgate no presídio de Guarulhos, participou do documentário de forma esclarecedora: eliminou qualquer dúvida dos conspiradores de que tenha sido contratado por agentes petistas interessados no sequestro de um prefeito que seria portador de dossiê.
DIONISIO DE AQUINO SEVERO
O bandido ligado a uma facção rival do PCC foi executado com mais de 60 facadas no parlatório de um presídio dominado pela facção contrária. Não teve participação alguma no sequestro de Celso Daniel, segundo diferentes e aprofundadas investigações policiais – inclusive a comandada pela delegada Elisabete Sato a pedido do MP e dos familiares do prefeito assassinado. Dionísio foi colocado na história pelo delegado Romeu Tuminha em parceria com o MP de Santo André. Um cruzamento impossível. Criminosos de agremiações diferentes não se bicam. Mais que isso: se matam. Palavra de especialistas ouvidos no documentário. Dionísio de Aquino Severo foi um blefe que causou a prisão de Sérgio Gomes da Silva e deu tônus à versão de Crime de Encomenda.
CLEITON MENEZES
Concessionário da Ceagesp que um dos sequestradores apontou em seguida à captura por forças policiais. Seria o alvo original do sequestro naquela noite de janeiro de 2002. Como trocou de carro para levar a namorada e a mãe à Baixada Santista, escapou dos sequestradores. Participou do documentário e respondeu à indagação do MP, que, até então, o considerava personagem fantasioso das forças policiais.
JOSÉ PINTO DE LUNA
Delegado de Polícia Federal destacado para atuar nas investigações a pedido do PT. Tem participação breve, mas esclarecedora no documentário. Foi sob o comando dele que se gravou em áudio e vídeo a ação de sequestradores presos na Bahia. Um dos quais, no julgamento em que foi duramente condenado, afirmou que teria sido torturado. O vídeo revela confissão sem anormalidade. Luna também desmentiu o médico-legista Carlos Delmonte, irritado com a afirmação de que Celso Daniel teria sido assassinado vestindo cueca do lado do avesso. Foi o delegado Luna quem disse a Delmonte que a cueca utilizada por Celso Daniel continha uma etiqueta externa, ou seja, não estava do lado do avesso. Uma correção do próprio delegado ao constatar, em casa, que também usava aquele modelo. Luna lamentou também que Delmonte tenha afirmado no programa de Jô Soares que Celso Daniel foi torturado. O delegado federal assegurou que o legista disse exatamente o oposto no dia da necrópsia. Delmonte estava acompanhado dos irmãos de Celso Daniel na entrevista.
JOSÉ REINALDO GUIMARÃES
Promotor-criminal que atuou na força-tarefa do Caso Celso Daniel desde 2002. Foi flagrado em contradição quando se compara uma das entrevistas do passado às declarações do presente. José Reinaldo disse que Celso Daniel foi vítima de queima de arquivo, imputando a terceiros a responsabilidade pela morte do prefeito, que teria descoberto irregularidades na Prefeitura. Tudo que os irmãos sabiam não ser verdade desde o princípio, informados por Gilberto Carvalho de que Celso Daniel conhecia todo o sistema de arrecadação paralela. Vinte anos depois o promotor-criminal repetiu o equívoco.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
Participação protocolar no passado, como presidente da República que deu todo o apoio às investigações do assassinato do prefeito. Na gravação da Escarlate para a Globoplay foi suficientemente diplomático e prático: não se surpreende com casos de corrupção na Administração Pública. Mas não se pode responsabilizar a cúpula partidária, no caso o PT, como fonte de responsabilidade -- completou. Uma avaliação que antecedeu às declarações de Mara Gabrilli, que relacionou o crime à decisão de Lula da Silva e José Dirceu, entre outros.
RONAN MARIA PINTO
Aparece pouco em imagem e som nas gravações que vem do passado, da CPI dos Bingos. Indagado por parlamentares, revelou os valores do empréstimo para a capitalização do Diário do Grande ABC. Dinheiro que o publicitário Marcos Valério redirecionou ao campo de chantagem. Para alegria de Mara Gabrilli, cuja família se debateu com Ronan Maria Pinto no domínio do mercado de transporte público no período em que Celso Daniel era prefeito.
FAUSTO MACEDO
Jornalista que durante muito tempo atuou na Editoria de Polícia do Estadão, participou com intensidade menor em relação a outros profissionais do setor. Defendeu a liberdade da mídia para divulgar sequestros, em contraste com o ex-secretário de Segurança Pública, Marco Vinicio Petrelluzzi, e em apoio à Rede Globo, que noticiou o arrebatamento de Celso Daniel nos Três Tombos.
LIORA MINDRISZ
Filha de Celso Daniel com Ivone Santana, Liora fecha o episódio final com a leitura dos sentimentos que os uniram, especialmente nos últimos cinco anos de vida do pai. Um depoimento pungente a bordo de um veículo velho de guerra que faz parte do espólio de poucas riquezas materiais de Celso Daniel.
JOICE HASSELMANN
A então jornalista e hoje deputada federal aparece como meteoro no documentário. E do modo que tão bem sabe fazer. Àquela altura dos acontecimentos, com estardalhaço ao microfone de alguma emissora, Joice Hasselmann contabilizava 13 mortes no Caso Celso Daniel. A produção do Estúdio Escarlate provavelmente tenha escalado a jornalista para dar a dimensão do quanto a morte do prefeito de Santo André levou especuladores à loucura por audiência e notoriedade.
ROCHA MATTOS
Até o caso envolvendo o juiz vendedor de sentenças João Carlos da Rocha Mattos foi parar no documentário. Nem poderia ser diferente. Recorreu-se ao noticiário e a imagens do passado. Rocha Mattos foi o magistrado que enfiou o Caso Celso Daniel em uma investigação com propósito distinto, de crimes envolvendo traficantes de entorpecentes. Tudo para embaralhar o jogo. As gravações telefônicas de petistas ganharam versões e edições que apimentaram ainda mais o vatapá de inverdades sobre o sequestro seguido de morte. Os áudios autorizados por Rocha Mattos mostraram o quanto a cúpula do PT estava preocupada com o calcanhar de Aquiles do Caso Celso Daniel: a necessidade de evitar vazamentos sobre o esquema de propinas. As frases cifradas conduziram à implacável conotação de Crime de Encomenda. A insanidade interpretativa naqueles dias de turbulência possibilitaria até a descoberta de ouro na lua, se a questão espacial fosse o ponto de preocupação. Torturaram-se os fatos. Glorificaram-se as versões fundamentadas em interpretações esquizofrênicas. Para deleite da Grande Mídia preguiçosa e disposta a tudo a ganhar audiência.
MARIA LOUCA
A mulher que entrou no gabinete do delegado Armando de Oliveira dizendo que viu Sérgio Gomes da Silva numa favela contratando sequestradores para o arrebatamento do prefeito foi dispensada imediatamente. Mas ganhou aconchego de credibilidade dos promotores-criminais de Santo André. Mais que isso: passou a integrar o programa de proteção de testemunhas. Maria Louca, mantida em sigilo pelo MP, ganhou ares de mistério bombástico nas páginas de jornais. O delegado do DHPP dispensara Maria Louca porque Maria Louca era mesmo Maria Louca. Tinha a mania de se apresentar como testemunha em casos policiais de grande repercussão na mídia. Mais tarde, soube-se que o MP a dispensou de depoimentos judiciais. Descobriu que se tratava mesmo de Maria Louca.
AILTON FEITOSA
Companheiro de fuga de Dionísio de Aquino Severo da Penitenciária de Guarulhos no dia anterior ao sequestro de Celso Daniel, Ailton Feitosa faz parte do documentário. Mantém a história criada pelo delegado Romeu Tuminha. Ainda preso, Feitosa é um bandido que confessa ter matado estupradores. Parece mais fiel à amizade (e à admiração) que mantinha com Dionísio de Aquino Severo do que a própria fantasia da fuga de helicóptero conectada com o sequestro do prefeito Celso Daniel. É da facção contrária ao PCC.
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