Caso Celso Daniel

MP desmente MP: Crime de
Encomenda é insustentável

  DANIEL LIMA - 14/02/2022

Foram necessários 20 anos e um documentário cinematográfico meticuloso, cuidadoso e a salvo de especulações para que uma voz colocasse fim à maior barbaridade de invencionice da crônica política nacional: é balela dizer que o prefeito petista Celso Daniel foi assassinado como desfecho de Crime de Encomenda, não de Crime Comum.  

Quem se soma ao batalhão que contesta a versão do Ministério Público de Santo André é um representante graduadíssimo do MP Paulista.  

A Polícia Civil de São Paulo já o fizera antes. Entretanto, MP contestando MP ganha nova configuração. Arrebatadora e desmoralizante para quem trocou os pés do despreparado pelas mãos do deslumbramento.  

O homem que coloca fogo nas vestes do que restava de equívoco de que a morte de Celso Daniel foi uma morte matada por causa de irregularidades na Prefeitura de Santo André é um homem de respeito no Ministério Público.  

PROCURADOR ESCLARECEDOR  

Trata-se do Procurador de Justiça Marcio Sergio Christino, que concorreu duas vezes ao cargo de comando do Ministério Público do Estado de São Paulo, a Procuradoria-Geral de Justiça.  

Mais que isso como importante contraponto no Caso Celso Daniel: é autor do livro “Por Dentro do Crime – Corrupção, Tráfico, PCC”. E o PCC tem muito a ver com a morte de Celso Daniel.  

Marcio Sergio Christino trabalhou no Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) e participou de investigações envolvendo a facção PCC, o traficante Fernandinho Beira-Mar e o também traficante colombiano Juan Carlos Abadia. Ou seja: é um especialista em crime organizado.  

Mais sobre Marcio Sergio Cristino: ele participou do programa Visitors nos Estados Unidos, na área de crime organizado, terrorismo e sistema prisional.  

TORCIDAS ORGANIZADAS  

Isso quer dizer o seguinte: as torcidas organizadas favoráveis à tese do Crime de Encomenda deveriam solicitar reparação aos fraudadores do Caso Celso Daniel, porque foram ludibriadas clamorosamente.  

Não há contemporização verbal para amenizar o erro. Houve brutalidade que confundiu irregularidades administrativas e criminalidade aleatória. Um inocente chamado Sérgio Gomes da Silva pagou caro por isso.  

A morte de Celso Daniel como consequência de insatisfação e rebeldia com irregularidades na Prefeitura foi a conclusão de investigações de então jovens promotores criminais que o governo do Estado colocou em Santo André.  

Criou-se uma versão paralela à apurada pela Polícia Civil e a Polícia Federal, em diferentes investigações encerradas sem perda de tempo, porque eram cristalinas. 

PÁ DE CAL  

Quem acreditou na versão mirabolante e insustentável de Crime de Encomenda contra o prefeito Celso Daniel não tem mais escapatória diante da pá de cal colocada pelo procurador de Justiça do Ministério Público Paulista. A participação de Marcio Sergio Christino no documentário da Escarlate/Globoplay é o corredor da morte de invencionices.  

Quem brandir no sentido contrário precisa de uma dose cavalar de realismo.  

Basicamente, Marcio Christino afirmou categoricamente no documentário que está na plataforma streaming da Globoplay o que a Polícia Civil reiterou durante todo o tempo ao fechar as investigações que concluíram que Celso Daniel foi sequestrado e abatido por bandidos pés de chinelo.  

MESMA FACÇÃO  

Todos os sequestradores eram ligados ao PCC, organização criminosa que, em seguida, reconhecendo a incorreção das investigações do MP, que responsabilizaram Sérgio Gomes da Silva como mandante, deram ao primeiro-amigo de Celso Daniel todo a segurança nos presídios por onde andou durante quase 200 dias, até ser libertado por meio de duplo habeas corpus, em instâncias diferentes do Judiciário.  

A trajetória escolhida pelos promotores criminais para incriminar Sérgio Gomes da Silva como mandante do assassinato do prefeito de Santo André ganhou credibilidade junto aos consumidores de informação.  

Afinal, forças policiais foram impedidas de dar entrevistas durante quatro anos, período no qual os promotores criminais realizaram inúmeras ações midiáticas. Inclusive ao avalizarem uma das grandes bobagens, publicadas pela Folha de S. Paulo, dando conta de sete mortes correlacionadas ao assassinato do prefeito.  

DESMENTIDO SILENCIOSO 

Como se sabe, agora, tanto tempo depois, os próprios promotores criminais desclassificam aquela noticiário, embora não tenham feito nada durante todo o tempo para desmentirem as supostas relações.  

Mais que isso: com o silêncio explícito, adubaram o terreno à fertilização do Crime de Encomenda.  

O silêncio dos policiais civis de São Paulo se encerou com o chamamento da CPI dos Bingos. O que foi preparado para lançar de vez o Caso Celso Daniel na vala que tanto interessava aos defensores de Crime de Encomenda, se provou bumerangue.  

A CPI permitiu um início de esboroamento de equívocos, mas sem efeitos midiáticos suficientes para restaurar a verdade dos fatos na grande mídia já atolada em fake news. 

Em suma, de modo que não se quebre o interesse dos leitores em acompanharem os dois mais recentes episódios do Caso Celso Daniel que consta do portfólio da Globoplay, a versão da força-tarefa do MP foi aniquilada pelo procurador de Justiça do mesmo MP. 

REPETINDO A POLÍCIA  

O que disse o procurador foi exatamente o mesmo que o delegado Armando de Oliveira afirmou a este jornalista em 2006, mas que não ganhou manchetes das grandes mídias porque a grande mídia errou tanto na cobertura do assassinato que praticou autocensura conveniente e envergonhada.  

Disse o delegado Armando de Oliveira e disse agora o procurador do MP que não existiria jamais e em tempo algum a possibilidade de os sequestradores de Celso Daniel, que confessaram o crime e jamais incluíram Sérgio Gomes da Silva nos depoimentos, aliarem-se a Dionísio de Aquino Rodrigues. Seria algo como cão e gato no mesmo saco. 

Essa condição inconciliável se explica porque o PCC dos sequestradores de Celso Daniel mantinha guerra santa com o CRDB, do qual Dionísio de Aquino Severo era um dos principais líderes.  

DIONÍSIO É INVENÇÃO 

Dionísio Aquino Severo foi uma invenção no enredo do Caso Celso Daniel que os promotores criminais de Santo André compraram porque precisavam dar sentido à errática constatação de que o assassinato fora um Crime de Encomenda. 

O procurador de Justiça do Ministério Público enfatiza com segurança, em vários trechos do documentário preparado pelo Estúdio Escarlate, com informações substanciosas, o que poderia ser traduzido como uma grande bobagem de se colocar Dionísio Aquino Severo na quadrilha liderada por Itamar Rodrigues dos Santos.  

Dionísio de Aquino Severo foi instalado no Caso Celso Daniel em situações tão nebulosas quanto desclassificatórias.  

EFEITO DESTRUIDOR  

A medida fez um efeito extraordinariamente nocivo à realidade dos fatos: fundamentou o Crime de Encomenda e a prisão de Sérgio Gomes da Silva, assim como enxertou de mentiras uma correlação que jamais existiu, ou seja, de que Celso Daniel fora morto porque descobriu os desvios de recursos.  

Provou-se mais tarde, inclusive agora no documentário, nas próprias vozes dos promotores criminais, colhidos em contradição, que Celso Daniel participava ativamente, como programa de governo, das irregularidades em forma de arrecadação de dinheiros do setor de transporte coletivo. 

Pior que isso: descobriu-se agora com o documentário que os próprios irmãos de Celso Daniel tinham conhecimento de que o prefeito participava do sistema de arrecadação, embora dissessem à época que se rebelara por conta das irregularidades.  

IRMÃOS INFORMADOS  

João Francisco Daniel e Bruno Daniel foram informados dessas operações uma semana depois do assassinato de Celso Daniel. Gilberto Carvalho, então secretário-chefe da administração petista em Santo André, disse aos irmãos que Celso Daniel sabia de tudo, mas que não usufruía dos recursos financeiros.  

O PT rumo à presidência da República naquele 2002 contava com a arrecadação paralela por conta de financiamento eleitoral. Nada que fosse novidade na gestão municipal de Santo André ou de qualquer Município de relativo porte.  

Para quem ainda não ligou o nome ao personagem, Dionísio Aquino Severo fugiu de helicóptero da penitenciaria de Guarulhos no dia anterior ao sequestro de Celso Daniel.  

O presídio de Guarulhos era dominado pela facção rival do PCC. Dionísio levou no helicóptero um parceiro de muitas jornadas criminosos, Ailton Feitosa.  

DO MESMO TIME  

O mesmo Feitosa que aparece no documentário da Globoplay confirmando a versão de que Dionísio Severo Aquino teria participado do sequestro de Celso Daniel. Feitosa, claro, também era da organização criminosa inimiga do PCC e cumpre pena bem distante dos rivais.  

O documentário exibido pela Globoplay segue trajetória expositiva de fatos. É algo como uma grande decisão de um campeonato mundial de futebol. Não há narradores nem comentaristas. O jogo é apresentado pelos personagens em disputa. E foram 32 os entrevistados pelo Estúdio Escarlate.  

Num jogo sem narradores e com dezenas de narrativas, compete aos telespectadores decifrarem os enigmas, as contradições, os equívocos e tudo mais reservado aos mangotes no Caso Celso Daniel.  

DESDE O NASCEDOURO  

O desafio é enorme para quem chega ao documentário com deformações informativas que infestaram as páginas de jornais e, mais tarde, as redes sociais. 

A participação do procurador de Justiça do Ministério Público, nesse contexto de apresentação do maior crime envolvendo político no País, passa quase despercebida.  

Menos para quem acompanha tudo desde o nascedouro, em 18 de janeiro de 2002, quando se deu o sequestro nos Três Tombos. Ou mesmo antes disso, quando a política fervia em Santo André.  

Os conservadores queriam voltar ao poder municipal diante de um PT encorpado com a gestão de Celso Daniel. 

CICOTE RETALIADOR  

Celso Daniel ganhou a Prefeitura de Santo André na campanha de 1988 quando ainda transpirava um esquerdismo acadêmico misturado de sindicalismo. Foi aí que rompeu com o irmão Bruno Daniel, cuja mulher, Marilena Nakano, da ala mais extremista, quis implantar políticas educacionais revolucionárias. Acabou demitida. 

Em 1996, Celso Daniel ganhou de novo o Executivo de Santo André, tendo como adversário um representante do transporte público, o deputado federal Duílio Pisaneschi. A mídia regional apoiava Duílio Pisaneschi. 

Antes disso, impedido pela legislação de concorrer de novo, Celso Daniel viu seu candidato preferido, Antonio Carlos Granado, perder as prévias para o sindicalista José Cicote.  

CRIANDO FANTASIA  

O mesmo Cicote que jamais se conformou com a derrota para o conservador Newton Brandão. Dizia que a ala petista de Celso Daniel puxou o freio eleitoral. A partir daí, viraram inimigos.  

O mesmo Cicote participou ativamente da versão de Crime de Encomenda, em represália às desavenças com o grupo de Celso Daniel. Mas logo voltou atrás. Mas ajudou a fermentar o caldeirão de inverdades.  

Celso Daniel foi reeleito em 2000 sem opositor à altura. Os conservadores rebocaram o deputado Celso Russomanno para o embate. Uma goleada de votos deu o tricampeonato a Celso Daniel. Os opositores deram a Russomanno até domicilio eleitoral.  

Esse é um contexto histórico que ajuda a compreender os desdobramentos do assassinato de Celso Daniel.  

PULO DO GATO  

Um procurador do MP num documentário com a seriedade do que a Escarlate/Globoplay apresenta é o que poderia ser chamado de pulo do gato em termos de contundência explicativa a salvo de qualquer contestação à fraude de Crime de Encomenda.  

O lastro do profissional de Justiça é suficientemente respeitável para evitar contestações. Ele simplesmente jogou no lixo o espírito corporativista comum e nocauteou a peça-chave do MP.  

A Polícia Civil, repita-se, já havia feito as mesmas observações muito tempo atrás, mas o ambiente de rivalidade que se criou mitigava a credibilidade das investigações.  

O que os leitores de CapitalSocial vão ler em seguida são os trechos principais que preparei para a edição de janeiro de 2007 para a revista LivreMercado, antecessora desta publicação digital. Tratamos do inquérito envolvendo Dionísio de Aquino Severo.  

A grande novidade destes tempos, não custa repetir, é a bombástica participação de um alto dirigente do Ministério Público Estadual no documentário da Escarlate/Globoplay avalizando integralmente a conclusão das forças policiais, tão criticadas pelos promotores criminais de Santo André. Os mesmos que seguem com a mesma história, embora cada vez mais patrocinadores de contradições.  

Inquérito confirma:

Dionísio é um blefe 

 DANIEL LIMA - 05/01/2007 

O assassinato do prefeito Celso Daniel vai completar cinco anos neste 20 de janeiro e até lá é possível o anúncio oficial de uma novidade importantíssima que LivreMercado antecipa com exclusividade: o presidiário Dionísio de Aquino Severo, que fugiu de helicóptero no dia anterior ao arrebatamento do prefeito de Santo André e que, mais tarde, preso, foi transferido para a Cadeia do Belém, na Capital, onde acabou morto, não teve mesmo qualquer participação no sequestro de 18 de janeiro de 2002 no chamado Três Tombos, na Capital.   

(...) Dionísio de Aquino Severo saiu da condição de estranho à posição de protagonista do caso Celso Daniel. Ele foi colocado na cena do crime na versão do Gaerco (Grupo de Atuação Especial Regional para Prevenção e Repressão ao Crime Organizado) de Santo André. A intersecção da morte do prefeito com a espetacular fuga de Dionísio do presídio de Guarulhos juntamente com outro presidiário, Aílton Feitosa, levou Sérgio Gomes da Silva à prisão durante oito meses.   

(...) Com a conclusão do inquérito específico sobre a morte de Dionísio de Aquino Severo, confirmando a primeira versão da Polícia Civil e também da Polícia Federal que investigaram e encerraram o caso Celso Daniel em 2002, a tese de crime de encomenda defendida pelo Ministério Público de Santo André sofre mais um duro golpe técnico. Como se já não bastasse a segunda apuração da Polícia Civil de São Paulo, anunciada mês passado, comandada pela delegada Elisabete Sato.   

(...) O inquérito específico da morte de Dionísio de Aquino Severo correu à parte da apuração do assassinato do prefeito Celso Daniel, mas é provável que, quando liberado do segredo de Justiça que o amarra à completa discrição policial, poderá ser anexado ao processo que corre em Itapecerica da Serra para reforçar a defesa de Sérgio Gomes. Juntar as duas peças é questão vital para que a morte do prefeito de Santo André seja definitivamente retirada de qualquer cubículo de desconfiança que envolva Sérgio Gomes da Silva, considerado vítima nos inquéritos policiais mas denunciado pelo Ministério Público como mandante do crime entre outras razões por causa da suposta ligação com Dionísio de Aquino Severo.   

(...) A Polícia dispõe de grampos telefônicos que confirmam a versão de que Dionísio foi assassinado por presidiários porque integrava o CRDB (Comando Revolucionário Democrático Brasileiro), facção criminosa adversária do predominante PCC (Primeiro Comando da Capital). Logo depois do assassinato, apareceu em cena o delegado Romeu Tuma Júnior com a versão de que Severo Aquino lhe teria afirmado informalmente participação no sequestro de Celso Daniel. Tuminha, adversário do PT, era delegado-titular da Seccional da Polícia Civil de Taboão da Serra. A versão é rebatida pelos policiais do DHPP. Dionísio inventou a relação com o caso Celso Daniel para tentar evitar esfaqueamento que o matou.   

(...) Tanto nas apurações da Polícia Civil como da Polícia Federal, em 2002, que contaram com força-tarefa de 10 delegados e 32 investigadores, Dionísio de Aquino Severo jamais teve qualquer vínculo com os sequestradores de Celso Daniel. Grampos telefônicos que nortearam investigações e prisões não detectaram também qualquer relação entre os bandidos e o Paço Municipal de Santo André. Houve indícios de possíveis irregularidades administrativas, o chamado caixa dois, em diálogos trocados entre integrantes do governo municipal.  

(...) O que acabou prevalecendo como informação à mídia e que por isso mesmo contribuiu para a condenação pública de Sérgio Gomes da Silva é a história de que o sequestrador Dionísio de Aquino Severo teria tido relacionamento de namoro com a mulher de Sérgio Gomes da Silva e, inclusive, teria trabalhado como segurança do prefeito Celso Daniel. Por isso Sérgio Gomes o teria contratado para a operação. Uma tese que advogados do empresário bombardeiam por considerá-la tão inverossímil quanto estapafúrdia.   

(...) A delegada Elisabete Sato, em novo inquérito policial que se estendeu durante 14 meses, entre julho do ano passado e setembro de 2006, também não constatou qualquer relação de Dionísio de Aquino Severo com o caso Celso Daniel. Foram ouvidos familiares do sequestrador e os próprios bandidos que participaram da operação, presos na sequência das investigações em 2002.

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