Caso Celso Daniel

Finalmente acaba a farra
oportunista de sete mortes

  DANIEL LIMA - 11/02/2022

E acabou a farra de uma das maiores fake news da história política do País: as sete mortes relacionadas ao assassinato do prefeito Celso Daniel não foram mortes encomendadas, foram mortes naturalmente criminais, mas não políticas. Juntar essas mortes à morte de Celso Daniel foi uma das artimanhas para retirar o assassinato da esfera de Crime Comum e catapulta-lo a Crime de Encomenda. 

Essa bomba acaba de ser consolidada num dos episódios da Escarlate/Globoplay que já está disponível aos assinantes.  

E sabem quem acabou com essa historiazinha mal-contada que contribuiu para a criminalização do inocente Sérgio Gomes da Silva? O próprio Ministério Público. 

BARAFUNDA ESPECULATIVA  

O que não deveria passar de registro sem grande importância e atropelos do documentário que esmiuça o assassinato do prefeito de Santo André ganhou espaço essencial porque tudo se tornou uma barafunda de especulações ao longo dos anos.  

As forças policiais -- civis e federais -- descartaram imbricamento entre as sete mortes e o sequestro seguido de assassinato do prefeito Celso Daniel. Mas a sofisticação de um enredo paralelo tornou a mentira verdade no imaginário popular.  

O MP insistiu na tipificação de crimes conjugados ou simplesmente se omitiu. Diferentemente de agora. Principalmente na voz de um dos integrantes da força-tarefa em Santo André, o promotor criminal Roberto Wider Filho.  

Tantos anos depois,. Wider não só admitiu, como enunciou a fraude disseminada pela Folha de S. Paulo, segundo o próprio representante do MP.  

FOLHA DE S. PAULO  

Referindo-se à jornalista da Folha de S. Paulo que introduziu as sete mortes no noticiário vinculado ao Caso Celso Daniel, Roberto Wider utilizou palavras, gestos e entonação de voz para desqualificar as informações.  

Wider responsabilizou a jornalista pelo encaminhamento ao terreno pedregoso da morte de Celso Daniel um entorno de crimes sem qualquer aderência com os acontecimentos posteriores a 18 de janeiro de 2002, quando o prefeito foi sequestrado. 

O que os assinantes da Globoplay deveriam considerar ao avaliarem novos capítulos da série documental é que a constatação do promotor criminal Roberto Wider não ganha conotação de mea culpa por ter, de alguma forma, com omissão pública e eventual suporte nos bastidores, estimulado o noticiário da Folha de S. Paulo. Tudo serviu para deslocar os acontecimentos à versão de Crime de Encomenda.   

Tanto Roberto Wider como os demais integrantes da força-tarefa do MP jamais foram a público para dissuadir a série de fake news relacionada à morte de Celso Daniel.  

Garçom, agente funerário, o bandido Dionísio Severo Aquino, o médico-legista Carlos Delmonte, o investigador de polícia Otávio Mercier, e os demais, absolutamente nenhum estava na linha de tiro complementar do também já descredenciado Crime de Encomenda de Celso Daniel.  

TEMPO REPARADOR  

Tudo isso, portanto, como LivreMercado/CapitalSocial sempre interpretou com base nas investigações policiais, não passou de sequência de jogada instrumentalizada por terceiros para tornar o assassinato de Celso Daniel um caso confuso tendo como invólucro a criminalização de Sérgio Gomes da Silva.  

Entretanto, faltou combinar com o tempo e com, finalmente, um produto de comunicação com responsabilidade social e histórica.  

Há outros pontos sensíveis levados aos assinantes dos episódios cinco e seis que já constam do portfólio da série documental, mas isso pode ficar para outra edição.  

O fato marcante é mesmo o desbaratamento da bobagem que ganhou foro de verdade: as sete mortes seriam decorrência de um crime maior, o Crime de Encomenda de Celso Daniel. A queima de arquivo generalizada é um castelo de cartas que desmorona a cada episódio.  

DERROCADA ENCAMINHADA  

Tudo indica, portanto, que os dois episódios finais, na próxima semana, vão soterrar de vez as desconfianças de quem tem juízo e faz questão de ser bem-informado. O Caso Celso Daniel ganhou tração de destruição da versão prevalecente de Crime de Encomenda que já não se sustenta mais. Não adianta torcida organizada em contrário.  

É Crime Comum e nada mais a marca do acaso que colocou bandidos pés de chinelo na rota de retorno de Sérgio Gomes da Silva e Celso Daniel da Capital, onde jantaram para projetar a campanha do PT às eleições daquele 2002.  

Foi isso que imprimiram com seriedade, independência e competência três investigações policiais de São Paulo, sob o governo do tucano Geraldo Alckmin, e uma investigação federal, do governo também tucano de Fernando Henrique Cardoso.   

Não é preciso ter coragem para defender a verdade do Caso Celso Daniel, segundo aqueles que comungam com a versão de Crime Comum.  

Nem teimoso para aqueles que defendem a versão de Crime de Encomenda.  

Basta ser bem-informado, dedicar-se para valer ao trabalho, checar as informações, não ter extremismo político ou partidário e tocar o barco na direção que a lógica dos fatos recomenda. 

EMBARALHANDO O JOGO  

Por essas e outras não dá mesmo para fingir que o posicionamento do promotor criminal Roberto Wider Filho deixe de significar um grito de alforria. E de lamentação.  

Ainda faltam episódios e alguns subcasos do Caso Celso Daniel contam com desdobramentos, mas as evidências e a história não serão surpreendidas: a morte do petista que seria ministro do Planejamento foi um imponderável que, além de causar o desaparecimento do maior prefeito regional do Grande ABC, determinou a desgraça de seu primeiro-amigo, Sérgio Gomes da Silva.  

O que o Ministério Público fez ao longo de investigações foi embaralhar o jogo e as próprias conclusões. Afinal, era mesmo um jogo de fácil embaralhamento. Bastou criar bugalhos criminais e misturá-los com bugalhos administrativos.  

O sistema de arrecadação de recursos ilegais principalmente no setor de transporte de Santo André, tão antigo quanto a prostituição, foi apurado e deu corda à contaminação que potencializou a credibilidade da versão de Crime de Encomenda, ou seja, de que Celso Daniel fora abatido. 

VERSÕES AUTOFÁGICAS  

Mas os promotores criminais não foram hábeis como investigadores à época. Eles se perderam na narrativa de Crime de Encomenda.  

Primeiro reuniram a imprensa para dizer que Celso Daniel foi morto porque se rebelou ao descobrir o esquema de propina.  

Em seguida, passado algum tempo, Celso Daniel sabia do esquema mas tolerava, em nome do partido que se preparava para a disputa presidencial e os governos estaduais.  

Terceiro, e nocaute técnico, botaram Celso Daniel como um dos integrantes da quadrilha, pego em delito com sacos de dinheiro no apartamento, segundo teria contado uma diarista.   

Repetir esse enredo básico é sempre importante. O assassinato de Celso Daniel foi tão vilipendiado que, por mais que se ressaltem as contradições das investigações ministeriais, não falta quem faz ouvidos de mercador.  

Assumiram-se senhores da realidade dos acontecimentos mesmo que dos acontecimentos não conheçam praticamente nada.  

RELAÇÕES ESTREITAS  

Se no passado a política já esquartejava o Caso Celso Daniel, o que dizer do presente de redes sociais massificadoras de conjecturas, conspirações e sentenças?  

Então, ficamos assim: Celso Daniel jamais se rebelou contra o esquema de arrecadação paralela.  

Mais que isso: participava programaticamente do sistema, porque assim o PT exigia como organização política que pretendia e chegou à presidência da República.  

E Sergio Gomes (agora o próprio MP reconhece) tinha relações complementares com Celso Daniel em toda essa operação. 

Ora, diante dessas conclusões básicas que as forças policiais havia muito concluíram, e que sedimentaram o Caso Celso Daniel no compartimento de Crime Comum, seria inacreditável acreditar que a natureza do assassinato aleatório cometido por um bando de bandidos de segundo classe se espalhasse anos adiante com pequenos assassinatos e queimas de arquivo de supostos envolvidos nas investigações.   

SUTILEZA EXIGENTE   

O modelo de documentário da Escarlate/Globoplay não é de compreensão fácil, de linguagem definidora das ações, de enquadramento dos personagens num quarto iluminado em que até uma mosca escondida no teto pode ser notada. Nada disso. 

O cuidado, os detalhes, a meticulosidade, a serenidade de uma narrativa terceirizada aos próprios protagonistas do Caso Celso Daniel são um sinfonia de contraditórios tão delicada à interpretação que pode sim confundir e levar telespectadores menos conhecedores do assassinato a interpretar os acontecimentos de forma diferente.  

O distanciamento narrativo da série documental exige, portanto, muito mais que uma atenção costumeira dos telespectadores.  

É preciso ter o que chamaria de acuidade consumista, aquela porção a mais de atenção. Algo como o apertar dos olhos quando se pretende meter uma linha buraco adentro da agulha.  

É assim que o Caso Celso Daniel da plataforma streaming deve ser observado. 

ALGUM RELAXAMENTO  

Essa sugestão vale para todos os episódios já colocados à disposição, mas há situações de relaxamento, de exceção à regra geral, ou seja, não é preciso tanta atenção assim.  

Um exemplo? Por mais que fosse reticente e cerimonioso nas palavras, o promotor criminal Roberto Wider Filho não negou as evidências e lascou conclusões definitivas sobre a incompatibilidade dos sete assassinatos se juntarem ao assassinato do prefeito.  

Nada melhor porque, caso contrário, poderia botar no mesmo saco o próprio Sérgio Gomes da Silva. O suposto mandante do crime, na versão do MP, morreu de câncer em setembro de 2016.  

Mais uma vez os irmãos de Celso Daniel foram colhidos na contramão da sensatez. Mesmo contra todas as evidências, eles aparecem no documentário em defesa do médico-legista, vinculando a morte do profissional à lista macabra. Laudos periciais constataram seguramente que Carlos Delmonte cometeu suicídio. O promotor Roberto Wider Filho também avalizou as investigações policiais.  

DOSSIÊ DE NOVO  

Quem conhece o Caso Celso Daniel sabe que entre MP e forças policiais havia cratera de idiossincrasias. Eles começaram as investigações juntos e se separaram no meio do caminho. O MP sempre enxergou Crime de Encomenda. As policiais jamais tiveram dúvida sobre Crime Comum. E uma última investigação, com policiais civis e promotores criminais juntos, terminou com o resultado esperado:  Crime Comum.  

Mesmo com tudo em contrário, ainda há quem defenda, no MP, que a morte de Celso Daniel teria alguma vinculação com os crimes administrativos, aos quais se oporia. 

Num dos episódios desta semana deu-se destaque a um dossiê em que Celso Daniel estaria decidido a romper relações com Sérgio Gomes da Silva, após supostamente descobrir um esquema de Caixa Três na Prefeitura. Nada mais inverossímil.  

Além de o próprio MP com Roberto Wider Filho, afirmar categoricamente que Celso Daniel e Sérgio Gomes eram parceiros nas arrecadações paralelas (Sérgio era preposto do prefeito, nas palavras do promotor criminal, que, em 2002, afirmava categoricamente que Celso Daniel foi morto porque se opunha ao esquema de propina), o dossiê teria sido confeccionado pela própria força-tarefa do MP de Santo André. Nada, portanto, saído das digitais pessoais ou próximas de Celso Daniel, como chegou a ser cogitado.  

JANTAR DO FUTURO  

Ninguém com o juízo no lugar respondeu à seguinte indagação: fosse verdade tudo o que se disse quanto à tentativa de Celso Daniel romper o esquema de arrecadação paralela em Santo André, por que ele seguia próximo a Sérgio Gomes, com o qual dividia preocupações e providências para encontrar uma sede na Capital para sediar a coordenação da campanha de Lula da Silva?  

Por essas e outras as sete mortes relacionadas ao Caso Celso Daniel e declaradamente descartadas pelo acusador Ministério Público são um ensaio geral da derrocada final da versão de Crime de Encomenda que os dois últimos episódios, semana que vem, deverão sacramentar. 

Um resultado que contabiliza atraso de 20 anos no ambiente midiático. Nas instancias policiais a conclusão de Crime Comum se tornou a única vereda possível à independência das ações de interesses políticos e partidários que moveram as engrenagens demolidoras de reputações.  

A condenação de Sérgio Gomes da Silva, envolvido em arrecadações paralelas, foi tecnicamente uma obra autoritária e abusiva a partir da denúncia das força-tarefa do MP.   

Na sequência, os leitores vão ter a oportunidade de acompanhar o texto que publiquei na edição de novembro de 2005 da revista LivreMercado, antecessora de CapitalSocial. Seis dos sete crimes são esmiuçados pelo então delegado do DHPP. O caso envolvendo o médico-legista Carlos Delmonte não constava da lista. Entrou mais tarde de gaiato no navio de besteiragens.    

Mortes sem qualquer

relação com o caso 

 DANIEL LIMA - 05/11/2005 

Dionísio, malabarista que fugiu da Penitenciária de Guarulhos. Sérgio Orelha, marginal que dividiu apartamento com Dionísio depois da fuga. O garçom Antonio Palácio de Oliveira, que serviu o último jantar de Celso Daniel. Paulo Henrique Brito, testemunha da morte do garçom. Otávio Mercier, investigador de Polícia que teria recebido telefonema de Dionísio da cadeia do bairro de Belém, em São Paulo. Iran Moraes Redua, agente funerário que recolheu o corpo de Celso Daniel. Para o delegado titular do DHPP da Polícia Civil de São Paulo, nenhum desses casos tem qualquer relação com o assassinato do então prefeito de Santo André. 

O delegado Armando de Oliveira fala com a segurança de quem acompanhou atentamente as investigações e se manteve calado durante todo o tempo por força de decisão do segredo de Justiça requerido pelo juiz de Itapecerica da Serra, que preside o inquérito. O delegado vai desfilando os casos e as respectivas considerações. De vez em quando altera o tom de voz levemente. Transmite a sensação de que más lembranças lhe ocorrem. O noticiário alimentado pelos promotores públicos de Santo André durante todo o período de mudez judicial provoca sequelas em Armando de Oliveira. Sua vida virou de pernas para o ar. Ele e sua equipe foram sistematicamente colocados na desconfortável zona de desconfiança. 

Dionísio de Aquino Severo tinha 37 anos e uma ficha criminal que o condenava a mais de meio século de prisão. Ganhou notoriedade por protagonizar um resgate que o alçou às manchetes de todas as mídias: ele deixou de helicóptero a Penitenciária de Guarulhos em 17 de janeiro, um dia antes do sequestro de Celso Daniel. Apontado como peça importante para as investigações do caso Celso Daniel, Dionísio foi morto em 10 de abril de 2002. Estava preso no CDP (Centro de Detenção Provisória) do Belém, Zona Leste de São Paulo. Foi alvejado com golpes de estilete. 

ELO CONTESTADO 

O delegado seccional de Taboão da Serra, Romeu Tuma Júnior, sugeriu coincidências que ligariam Dionísio Severo à quadrilha que assassinou Celso Daniel. O bandido teria admitido informalmente essas ligações. O Ministério Público denunciou Sérgio Gomes como um dos mandantes do crime em 5 de dezembro de 2003. E Dionísio Aquino Severo foi ponto decisivo nas conclusões. 

Segundo os promotores de Santo André, Dionísio Severo era o elo entre os executores do sequestro e o empresário Sérgio Gomes. Argumentou-se que Severo frequentara a Prefeitura de Santo André nos anos 80 e 90. Seu parceiro de fuga da Penitenciária de Guarulhos, Ailton Alves Feitosa, afirmou aos promotores que participou de duas reuniões nas quais o sequestro foi arquitetado. Disse também ter ouvido que Sérgio Gomes iria facilitar tudo. Contou que parte do pagamento do crime estava numa sacola no banco traseiro da Pajero de Gomes. 

O delegado Armando de Oliveira desqualifica o enredo dos promotores públicos de Santo André. “No final de 2001, portanto a três ou quatro semanas do sequestro de Celso Daniel, o Dionísio estava planejando a fuga de Guarulhos. Para isso contava com R$ 5 mil. Entretanto, os responsáveis pela organização da fuga, o filho de Dionísio e outros comparsas, promoveram uma festa, uma orgia sexual num apartamento de uma prostituta. Consumiram todo o dinheiro. Por conta disso, não puderam executar a fuga no dia da festa de Natal de 2001, como pretendiam” — conta o delegado. 

A saída encontrada pelo filho e comparsas de Dionísio Aquino foi roubar um bingo. Como não se completou o valor necessário, Dionísio solicitou R$ 700 de uma tia. Tudo isso consta do inquérito policial. Detalhadamente, explica o delegado. “Não trabalhamos com suposições. Trabalhamos com fatos. Dessa forma, conseguiram reunir o dinheiro de novo e tiraram o Dionísio da cadeia”. Daí, ele vai para a casa da mesma tia que lhe emprestou dinheiro. Permaneceu, em seguida, durante algum tempo, amasiado no apartamento de um comparsa, que também estava amasiado e em seguida viajou para o sul do País, depois para o Nordeste, onde acabou preso após um assalto a uma joalheria” — explica Armando de Oliveira. 

MORTE ESCLARECIDA 

A trajetória criminal de Dionísio Severo acabaria em São Paulo, depois de ser recambiado ao CDP do Belém. “A morte do Dionísio está plenamente esclarecida. Quem mandou matá-lo foi o Cezinha, nome de César Augusto Roriz, líder do PCC (Primeiro Comando da Capital). Ele confessou, em depoimento, que mandou matar Dionísio única e exclusivamente porque ele, Dionísio, era um dos fundadores do CRBC (Comando Revolucionário Brasileiro da Criminalidade) facção política minoritária e antagônica ao PCC”. 

A resolução do crime, segundo o delegado, foi consequência de trabalho paralelo desenvolvido pelo DEIC, através de interceptação telefônica. Em conversa com outro marginal, Cezinha perguntou se o interlocutor gostou do que ele mandou fazer, porque segundo ele, Dionísio era muito folgado: “O Dionísio menosprezava o PCC e supervalorizava o CRBC até mesmo em função da fuga espetacular de Guarulhos. Toda a gravação está em nosso poder. E temos mais ainda: quando o Cezinha foi indiciado, confessou que realmente mandou matar o Dionísio”. 

O delegado do DHPP balança a cabeça quando perguntado sobre as razões da suposta participação de Dionísio Severo no assassinato de Celso Daniel: “Não sei como se explica. Sei como não se explica. Como é possível que o Dionísio, líder do CRBC, vai andar com uma quadrilha da favela do Pantanal, em Diadema, que é vinculada ao PCC? Sapo não anda com cobra. Não há qualquer vinculação. São fatos totalmente distintos.  

Tentou-se vinculá-los através de um telefonema supostamente do Dionísio para um investigador, Otávio Mercier, mais tarde assassinado. Mas essa informação não passa de erro primário. Não foi Dionísio que ligou para o investigador. Foi um informante desse mesmo investigador que estava na mesma cadeia do Dionísio”. 

Para o delegado do DHPP, a versão do telefonema é de quem desconhece a funcionalidade da vida atrás das grades: “A interceptação registrou apenas a ligação telefônica, não o conteúdo. O equívoco do Ministério Público de interpretar que fora Dionísio o autor da ligação para o investigador decorre do simples fato de que telefone celular em cadeia é compartilhado por todos os presos não só da mesma cela mas principalmente de alas inteiras. E, nesse caso, o telefonema foi do informante do investigador. Isso ficou constatado e esclarecido pelo próprio investigador quando vivo ainda, através de atuação da Corregedoria da Polícia”. 

Para o delegado titular do DHPP, todo o resto que se desenhou com a participação de Dionísio Severo no sequestro e no assassinato de Celso Daniel não tem fundamento. “Checamos absolutamente tudo. Investigamos a fundo, rastreamos as ligações telefônicas. Nada, absolutamente nada, une Dionísio ao caso Celso Daniel” — afirma. 

PROPRIA MORTE 

O investigador Otávio Mercier procurou a própria morte, segundo o delegado Armando de Oliveira. Ele chegava no prédio em que morava por volta das 6h com sua mulher quando foi rendido por dois assaltantes, que os conduziram para o apartamento, juntamente com o porteiro. “Eles foram imobilizados com fios de telefone e, em seguida, os dois criminosos furtaram o que bem entenderam do apartamento e desceram para a rua. O Mercier conseguiu se desvencilhar das amarras, pegou uma arma de fogo e foi ao encalço dos criminosos. Ao chegar no meio da rua, ele anunciou a condição de policial e deu voz de prisão aos assaltantes. Depois de um tiroteio, foi atingido por um único tiro e morreu”. Tudo testemunhado, inclusive pelo próprio porteiro” — afirma o delegado. 

O caso está em fase de finalização, segundo Armando de Oliveira. “Não existe crime perfeito. Os criminosos cometeram um erro e estamos prestes a identificá-los. Só identificação, porque o crime está caracterizado como patrimonial”. 

MORTE ANUNCIADA 

A terceira vítima fatal que teria relações com o caso Celso Daniel também não passa de coincidência, segundo as investigações da Polícia Civil. Trata-se de Manoel Sérgio Estevão, o “Sérgio Orelha”, que, depois da fuga espetacular de Dionísio Aquino da Penitenciária de Guarulhos, morou durante algum tempo com o sequestrador, ao lado das respectivas amantes. “Ele foi executado na região Oeste de São Paulo, área em que atuava como criminoso. Foi um desenlace típico de assassinato envolvendo marginais”. 

O delegado Armando de Oliveira só não consegue compreender a importância de Sérgio Orelha no caso Celso Daniel: “Quem eleva e dá condições de relevância é a Imprensa, estimulada por alguns” — desabafa, provavelmente numa referência aos promotores públicos de Santo André. 

Tanto quanto o investigador Otávio Mercier e o criminoso companheiro de Dionísio Aquino, o garçom Antonio Palácio de Oliveira, do Restaurante Rubaiyat, de São Paulo, onde Celso Daniel e Sérgio Gomes jantaram na noite do sequestro, não é peça importante do caso, garante o delegado do DHPP. 

“Ele e outros funcionários do restaurante foram ouvidos aqui. Ouvimos todos. Desde o maitre até os manobristas, passando pelo gerente e chegando ao responsável pelos vinhos. Foram pelo menos seis funcionários que aqui compareceram para prestar informações. Queríamos saber se houve alguma discussão, alguma situação menos amistosa, envolvendo o Celso Daniel e o Sérgio Gomes. Principalmente a utilização de celulares ou mesmo do telefone fixo do estabelecimento. Não temos registro documental ou testemunhal que dê sustentação de que qualquer um dos dois tenha usado de aparelhos celulares ou fixo. Chegamos a essa conclusão também depois de quebrar o sigilo telefônico deles. Foi um jantar amistoso. Um jantar. Somente um jantar”. 

Por isso, o delegado assegura que a morte do garçom se insere na tipologia de crimes semelhantes na metrópole: “Um dia ele estava indo para casa de motocicleta na Cidade AE Carvalho, onde a criminalidade naquele período alcançava números expressivos, quando foi interceptado por uma outra motocicleta cujos ocupantes aparentemente tentam roubá-lo e, na fuga, se desequilibra, dá com a cabeça num poste e morre com traumatismo craniano. É muito comum esse tipo de morte em São Paulo. Embora tenha diminuído vertiginosamente nos últimos anos, os criminosos não poupam as vítimas que tentam se evadir. Em motos e em veículos. Principalmente nos últimos tempos, os profissionais liberais, como mulheres de branco, correm mais riscos. Eles matam com o mesmo sentimento de quem esmaga uma barata. O caso do garçom não foge em nada disso. 

MONITOR DA FEBEM  

A quinta morte de alguma forma relacionada com o caso Celso Daniel envolveu Paulo Henrique da Rocha Brito que, sentado defronte à casa dele, assistiu à queda do garçom. Tempos depois ele apareceu morto, na mesma área de AE Carvalho. “Paulo Henrique atuou como monitor da Febem e, infelizmente, não contava com bons antecedentes. Ele era acusado de receptação, por roubo, por furto. E foi morto por dois adolescentes. Esse inquérito ainda não está concluído, porque não chegamos aos autores do crime. Mas é questão de tempo. Vou dar um exemplo que mostra as mudanças no DHPP nos últimos anos: em 2000 foram efetivadas 165 prisões, contra 1.437 no ano passado. Um aumento relativo de 770% no período, explicado entre outros pontos pela inserção de nossa equipe com a sociedade como um todo, além de recursos tecnológicos cada vez mais avançados” — explica o delegado. “A sensação de que os marginais estão sendo retirados da rua, com o aumento de prisões, aumenta a segurança do cidadão que passa a colaborar com mais informações e isso é básico, porque a Polícia não tem bola de cristal” — completa. 

A sexta vítima vinculada pela mídia ao caso Celso Daniel reúne importância técnica tão desimportante quanto às demais, segundo a ótica da Polícia Civil de São Paulo. Mas foi catapultada a suposta rede de interesses eventualmente contrariados pelos supostos mandantes.  

Trata-se do agente funerário Iran Moraes Redua, que recolheu o corpo de Celso Daniel na estrada vicinal em Juquitiba, na manhã de domingo de 20 de janeiro de 2002. “Ele foi inclusive ouvido por nós” — afirma o delegado. 

Diferentemente do sugerido pelo noticiário, o trabalho do agente funerário não foi indicado por qualquer autoridade pública, administrativa ou policial. Como na maioria dos municípios, o serviço funerário de Juquitiba é terceirizado. “Trata-se de uma atividade eminentemente comercial. O senhor Iran era dono da funerária e estava de plantão no dia em que o corpo do Celso Daniel foi identificado. Ele morreu depois, executado de forma sumária na região central de Santo Amaro. Estamos também nesse caso numa linha muita segura de investigação. Posso garantir que, ao que tudo indica, nada se afasta de disputa comercial. Questões ligadas às chamadas máfias de funerárias. Ou seja: não tem absolutamente nada com o caso Celso Daniel. No depoimento que ele prestou, disse que estava de plantão, foi acionado, recolheu o corpo e nada mais”. 

O delegado Armando de Oliveira conta 125 testemunhas no caso Celso Daniel. Brinca com o futuro, numa frase implícita de inconformismo às interpretações que julga manipuladas sobre as vítimas supostamente importantes no caso Celso Daniel. “Também vou morrer um dia”. E complementa sobre a possibilidade de eventuais novas mortes terem tratamento semelhante: “Aí depende muito da mídia e dos irmãos do Celso Daniel”. 

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