Esportes

Guia para os times da região
escaparem do rebaixamento

  DANIEL LIMA - 17/01/2022

Pela segunda vez na história e neste século o Grande ABC vai participar do principal campeonato estadual do País com três representantes – Santo André, São Bernardo e Água Santa de Diadema. A Série A-1 do Campeonato Paulista é um desafio para a região no sentido atemorizador quando entra em campo a lucidez da realidade estrutural ao invés do fanatismo emocional.  

E tudo isso se traduz numa equação simples: mais que sonhar com qualquer coisa no andar de cima da hierarquia do futebol, é melhor ter os pés no chão para evitar o rebaixamento.   

Sem qualquer representante no circuito nacional, o futebol do Grande ABC vive situação paradoxal porque conta com três das 16 vagas na Série A-1. Quem tem pouca familiaridade com o futebol e observa esse fenômeno, pois é mesmo um fenômeno, jamais vai entender por que no âmbito nacional a região é um deserto.  

O foco desta análise está concentrado no que é possível fazer para o futebol da região permanecer com três equipes na Série A-1 Paulista e, vejam só que extraordinário, contar na temporada seguinte, quem sabe, com o acesso do São Caetano.  

Com quatro equipes chegaríamos a uma marca inédita. Incrementaria até a ideia de que somos poderosos no futebol. Só faltaria combinar com os russos da representatividade social ainda distante do nível necessário como força de uma identidade municipal e regional jamais alcançada.  

A Capital tão próxima e de grandes equipes é nosso fantasma. Sofremos invasão de domicilio em forma de um grande caudal de torcedores que carregam no peito em primeiro lugar os clubes mais competitivos do Estado.  

Não se subestime a possibilidade de acesso do São Caetano, que vai disputar a Série A-2 desta temporada. Depois de tenebroso inverno e inferno de resultados, após a saída do mecenas Saul Klein, o São Caetano mostrou nos últimos anos todas as fragilidades de organização esportiva. Até que o reforço de um investidor aparentemente com muita bala para gastar sugere que voltar à Primeira Divisão Paulista é questão de apenas uma temporada.  

A nova situação do São Caetano é tão positiva que este manual de sobrevivência dos times da região na Série A-1 do Campeonato Paulista pode ser adaptado como premissa inversa, e bem melhor: como subir para a Primeira Divisão.  

Vejam, portanto, que o guia de resistência na Série A-1 ganha, portanto, o formato de manual de acesso à mesma Série A-1.  

Mas vamos ao que interessa. Quais são os núcleos difusores de competências e probabilidades de sucesso que impediriam o rebaixamento da qualquer uma das três representações do Grande ABC na Série A-1?  

Mais que isso, quem sabe: como é possível ganhar fôlego e força para disputar a Série D do Brasileiro em condições de acesso à Série C? 

Não custa lembrar que não se deve levar ao pé da letra a informação de que disputar a Série D do Campeonato Brasileiro é sinônimo de reingresso do futebol da região no calendário nacional. A transitoriedade latente da fórmula de disputa da Série D não assegura essa condição.  

A competição reserva apenas as quatro primeiras colocações à Série C. Quem não chega lá, volta à fila por uma vaga classificatória, reservada às equipes da Série A-1 do Estadual. Ou seja: é subir ou o rebaixamento é compulsório às demais equipes.  

Veja os 10 quesitos básicos para as equipes da região administrarem expectativas na temporada da Série A-1: 

1. Eficiência nas contratações.  

2. Brevidade da disputa. 

3. Metade decisiva. 

4. Algoritmos denunciadores. 

5. Organização extracampo. 

6. Tradição relativizada. 

7. Competições paralelas. 

8. Etapa de preparação.  

9. Encaixe das peças.  

10. Imponderável da Silva.   

Agora vamos procurar traduzir cada um dos quesitos da forma mais simples e didática possível. 

 EFICIENCIA NAS CONTRATAÇÕES 

Montar um elenco para a Série A-1 não é tarefa fácil às equipes potencialmente rebaixáveis. Sobretudo às equipes que não contam com calendário nacional e que, portanto, tem o calendário restritivamente inibidor de investimentos. Há concorrência feroz nas praças de contratações. O peso econômico-financeiro customizado pela longevidade do calendário faz a diferença. A Federação Paulista de Futebol remunera relativamente bem as pequenas e médias equipes da competição por conta de direitos de transmissão dos jogos, mas os valores são desiguais entre outras razões porque há pesos distintos que levam em conta o tamanho das agremiações e a longevidade na disputa da divisão. Há muitas armadilhas que condenam as equipes nas contratações, principalmente porque há intermediários vorazes que vendem ilusões. Quem se antecipa na definição do elenco, em períodos antecedentes à grande procura, sempre leva vantagem. Definir a Comissão Técnica é passo inicial e decisivo. 

 BREVIDADE DA DISPUTA 

Quem não atender a exiguidade de tempo do calendário do Campeonato Estadual, com menos de três meses de competições, desenhará o caminho ao rebaixamento. A brevidade da disputa recomenda que a formação do elenco não se prenda a expectativas de rendimento futuro, mas à rapidez com que a teoria vire prática. Começar mal geralmente é o destino rumo à Série A-2. Cada rodada disputada é um degrau a menos à recuperação.  

 METADE DECISIVA 

A primeira fase, classificatória, conta com 12 rodadas e tudo se decide nesse período. As seis primeiras – a metade decisiva – é praticamente implacável. Quem não obtiver produtividade relativamente relevante vai sentir as dores do parto dos apertos e dos atropelos nas rodadas finais, quando cada ponto passa a ter valor diferenciado, já que embute a temperatura mais aquecida da competição. Quem chegar a 50% de produtividade, ou seja, nove pontos ganhos ao fim das primeiras seis rodadas, pode começar a revalidar o passaporte à Série A-1 do ano seguinte. Abaixo de seis pontos é um convite ao desespero. 

 ALGORITMOS DENUNCIADORES 

A ciência do futebol em forma de algoritmos está cada vez mais avançada. Todos os clubes lançam mão de rastreadores táticos e técnicos. São profissionais contratados para escrutinar o próximo adversário. É preciso checar todos os pontos, de qualidades e deficiências individuais e coletivas. É nesse aspecto que pequenas e médias equipes da Série A-1 sofrem mais. O fator surpresa vai desaparecendo a cada rodada investigada. Depois da metade do campeonato todas as equipes se conhecem profundamente. Acabou o mistério. São inúmeros os casos de equipes que brilharam nas primeiras rodadas e depois sofreram.  

 ORGANIZAÇÃO EXTRACAMPO 

Muito do que se faz em campo é reflexo do que está fora de campo. Assim como um acidente de avião não é resultado de um único vetor, ao fim de um jogo de futebol há ponderações que precisam ser levadas a sério. O extracampo ganha forma de relacionamento nos vestiários, do comportamento da torcida, da avaliação da imprensa, da postura dos dirigentes, do desempenho individual e coletivo do elenco. Tudo isso forma um caudal desafiador. A bola que rola nos 90 minutos rola muito mais antes dos 90 minutos.  

 TRADIÇÃO RELATIVIZADA 

Os times potencialmente mais rebaixáveis de uma competição como a Série A-1 do Campeonato Paulista não podem se fiar na tradição que vem literalmente do passado. As Séries A-2 e A-3 estão coalhadas de equipes que já constaram da Série A-1 e pareciam imbatíveis. Entrar em campo imaginando que o resultado vitorioso da temporada anterior é um seguro-garantia de novo sucesso é desprezar o pragmatismo típico do futebol. A força de tração do ano anterior para os times rebaixáveis é muito menos imperiosa à contemplada aos médios-grandes e grandes times do Estado. Ou seja: os times rebaixáveis não têm a garantia de que a experiência de sucesso do ano anterior é a alavanca para o ano seguinte. A margem de manobra é restrita. E muito maior, ainda, para quem não tem nenhuma competição nacional a disputar.  

 COMPETIÇÕES PARALELAS  

A tabela de jogos pode influenciar também no resultado classificatório final na medida em que as equipes que estiverem disputando competições paralelas sofrem sobrecarga no calendário. Quem vai jogar a Taça Libertadores da América entre os times grandes da Série A-1 Paulista naturalmente dedica menos comprometimento ao torneio estadual. Jogar contra grandes equipes desfalcadas de titulares e também sem a concentração na competição é uma dádiva. A racionalidade programática de que não se deve contabilizar ponto algum nos confrontos com as grandes equipes, sempre para efeito de rebaixamento, pode ganhar impulso extraordinário com uma vitória em situação especial.  

 ETAPA DE PREPARAÇÃO 

Não adianta contratar bem, ajustadamente às pretensões da Comissão Técnica, se na hora de tirar 10, com uma preparação adequada, a missão se perde em qualquer coisa que despreze a automaticidade dos movimentos táticos para suprir ou aperfeiçoar as limitações individuais. Equipes rebaixáveis geralmente precisam de precisão dos movimentos dentro de campo para superar a superioridade técnica das demais. E isso só é possível, pelo menos durante um determinado e determinante período da competição, com muito treinamento.  

 ENCAIXE DAS PEÇAS 

Contratar bem e preparar a equipe convenientemente bem exigem que as peças sejam adequadas à fluidez tática e técnica desejada. O significado de encaixe das peças, portanto, vai além de contratar bem e preparar bem. É um estágio superior, poucas vezes atingido pelas equipes rebaixadas, porque dissociados dos demais. Daí a importância de uma Comissão Técnica que tenha plano coletivo previamente concebido e que ultrapasse a linha de fundo de escolhas individuais e aplicações de recursos financeiros para a etapa preparatória. Bons jogadores individualmente podem virar trambolhos coletivos se desplugados da sistemicidade geral que o futebol exige.  

 IMPONDERÁVEL DA SILVA 

Por mais que o futebol seja escrutinado com o uso da ciência dos algoritmos e a experiência dos profissionais que o dirigem ou o praticam, não existe fórmula capaz de impedir que o Imponderável da Silva entre em campo. Ou seja: o fortuito, o ocasional, o surpreendente, pode sim determinar o resultado de um jogo. Mas, mesmo com o Imponderável da Silva inadvertidamente escalado, não se lhe pode atribuir peso relevante a eventuais explicações de rebaixamento, porque o Imponderável da Silva tem participação relativa de baixa frequência no cômputo geral. Ou seja: pode influenciar no resultado de um ou outro jogo, mas no conjunto da obra não passa mesmo da essência etimológica de imponderável. Entretanto, como a competição é curta para quem quer fugir do rebaixamento, o imponderável é também potencialmente travesso. Sobretudo se for tratado como regra, não como exceção.  

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