Sociedade

Você estaria preparado para
o vestibular da regionalidade?

  DANIEL LIMA - 06/12/2021

Estava pensando comigo mesmo, porque gosto de me questionar e me desafiar, processo que os especialistas chamam de reflexão, o quanto seria desafiador montar um grupo de 20 pessoas para, supostamente, organizar algo como um Conselho Consultivo de Regionalidade, que, também supostamente, estaria inserido numa nova divisão do Clube dos Prefeitos e que trataria especificamente do que chamei outro dia de Pacto pela Governança Regional. 

Quais seriam os melhores critérios, os medidores de capacidade, por assim dizer, para, após a indicação de um total de 100 participantes por instâncias públicas, privadas e da sociedade do Grande ABC, aprovar exatamente 20 deles como membros efetivos de uma instância que teria um diálogo permanente, e desafiador, com os sete prefeitos da região e dois ou três funcionários de carreira de cada uma dessas mesmas administrações públicas?

Sem levar em conta o que viria depois do vestibular, ou seja, os preceitos básicos da atuação conjunta, as questões seriam colocadas aos concorrentes num ambiente típico de vestibular. Os questionários deveriam ser respondidos em determinado tempo. 

Meta de eficiência 

Mas, muito mais que responder às perguntas, os participantes teriam de atingir uma determinada meta de eficiência. Ou seja: não basta supostamente estar entre os 20 melhores nas notas atribuídas igualitariamente a cada questão; seria indispensável que se ultrapassasse a altura técnica de um determinado sarrafo. Nota média mínima, por assim dizer. 

Para que a coisa toda funcionasse, e que, portanto, seguisse um roteiro de qualificação técnica que não deixe pedra sobre pedra de dúvida, teria este jornalista toda a liberdade do mundo não só para formular as questões como, também, com todas as cautelas disciplinadoras contra fraudes, ter acesso exclusivo, num primeiro momento, a todas as provas, examinando-as individualmente e atribuindo as respectivas notas. 

Faço essa prospecção certo de que alguns podem considerá-las despropositadas. Afinal, não têm ideia do quanto o modelo implicaria em ganhos prolongados de produtividade e praticidade. 

Experiência pedagógica 

Lembro, apenas, que não se trata de teoria, mas de uma prática que utilizei à exaustão quando diretor de Redação da revista LivreMercado, publicação que criei e dirigi por quase 20 anos, à frente do Prêmio Desempenho que começou Empresarial e depois se tornou também Social, Cultural, Esportivo e Público. 

O enredo era diferente, porque se tratavam de cases elaborados pela equipe de jornalistas. Cases que selecionava pessoalmente como os melhores de cada edição da revista e, em seguida, em novo filtro, classificava-os preliminarmente como Destaque do Ano. Na sequência, quem tratava de definir o ranking das respectivas categorias era o Conselho Editorial de LivreMercado. 

O Conselho Editorial era integrado por uma turma de formadores de opinião que chegou a ultrapassar a 250 participantes. Cada um deles atribuía notas da cota de cases que analisava. Da média geral de cada temática saiam os melhores da temporada e também os melhores dos melhores, além do melhor dos melhores. 

Cuidado com o processo 

A centralização dos cases analisados pelos conselheiros representava uma segurança de que não haveria desvio. Comandava aquele processo com a certeza de que qualquer flexibilidade refletiria na desmoralização do projeto. Somente no dia da festa final, sempre no ultimo trimestre de cada temporada (e foram 15 temporadas seguidas, naquele que se tornou o mais longevo e respeitado evento da região, com a entrega de 1.718 troféus) os convidados tomavam conhecimento dos resultados. Mais que isso: não dividia até a realização do evento final absolutamente com ninguém os dados dos conselheiros. Preparava os envelopes em minha residência e os levava no bolso do paletó. 

Pergunte para quem participou direta ou indiretamente do Prêmio Desempenho o quanto era valiosa a honra de constar não só da condição de Destaque do Ano como também os títulos mais rigorosamente selecionados. 

Transparência total 

O segredo estava no respeito ao processo que só terminava como instrumental de aferição geral com duas providências: a curadoria pós-evento de consultoria especializada na verificação das planilhas em consonância com a atribuição individual de votos, tornando-os, então, integralmente transparentes, e a liberação à consulta a cada concorrente em paralelo com a verificação codificada dos conselheiros das notas que atribuíram. Mantinha-se o sigilo individual e multiplicava-se a coletivização transparente. 

Estou apenas resumindo -- sem a precisão de detalhes relevantes -- como se procedia a escolha dos vencedores do Prêmio Desempenho. Analogamente, a sistemática era operacionalizada na mesma premiação, agora voltada às pessoas físicas, que compunham outros painéis, no caso de Empreendedor Cultural, Empreendedor Esportivo, Empreendedor Empresarial de cada temporada. Apenas os Imortais do Grande ABC não passavam pelo escrutínio. Eram apontados pela direção da revista e também por conselheiros, entre os muitos valores humanos que já haviam nos deixado. 

Selecionando os melhores 

Voltando ao que interessa, embora o Prêmio Desempenho tenha sido pedagógico em alguns conceitos que fazem tudo funcionar relativamente bem: já imaginaram os leitores um vestibular para a composição do Conselho Consultivo do Pacto pela Governança Regional no campo econômico? Nada mais ousado, diria. E profilático no sentido amplo de eficiência, foco, racionalidade e pragmatismo.

Imagino um questionário de pelo menos 50 enunciados em que a regionalidade seja pontificada do começo ao fim. E que os 100 indicados se lancem às 20 vagas com avidez. Que expressem seus conhecimentos. Que joguem para valer. Tenho cá comigo, lamentavelmente, que teríamos muitas decepções. Se há uma disciplina de pouquíssimos catedráticos, eis Regionalidade.

Selecionar instituições de diversas atividades, da academia ao sindicalismo, do empresariado às entidades sociais, oferecendo-lhes determinado número de indicações para a composição do Conselho Consultivo do Pacto pela Governança Regional de Economia seria mobilizador, desafiador e provavelmente decepcionante. Uma decepção inicial, apenas, porque o projeto que vejo à minha frente colocaria novos vestibulares no calendário gregoriano, de forma a criar novas cadeiras aos interessados. 

Como escrevi ainda outro dia, precisamos ter um Clube do Bolinha Econômico na institucionalidade regional. Preferencialmente à parte do Clube dos Prefeitos, recheadíssimo demais de desafios de baixa articulação entre si. Mas nada que não possa também ganhar espaço específico no Clube dos Prefeitos, mas com tratamento prioritário e estratégica num horizonte de reestruturação do tecido de competitividade do Grande ABC. 

Teste explicativo 

Para que os leitores possam ter uma ideia mesmo que vaga do que seria o vestibular da regionalidade preliminarmente na cabeça, vou dar exemplo de uma da questões que seriam levadas aos concorrentes. Uma única questão, que simboliza o espectro geral e indescartável para que se siga um roteiro de foco certeiro. Vamos lá. O tema é desindustrialização, e seriam colocados três cenários distintos:

a) O Grande ABC não sofreu durante qualquer período nada que possa ser caracterizado como desindustrialização, ou seja, quebra da produção de Valor Adicionado do setor de transformação industrial.

b) O Grande ABC sofreu durante alguns períodos cíclicos, compensados na sequência, com um processo de desindustrialização, num movimento que não alterou o ritmo de geração de riqueza da população.

c) O Grande ABC viveu durante os últimos 30 anos períodos prevalecentes de desindustrialização, com a queda do Valor Adicionado, num ritmo em que se caracterizou o rebaixamento estrutural da geração de riqueza da indústria de transformação. 

Repararam que os cenários são mesmos distintos no sentido de que a primeira alternativa tem gênese panglossiana, a segunda segue um caminho menos cor de rosa e o terceiro invade a grande área da tragédia? 

Mesmice descartável 

Agora imaginem algo como 50 questões a serem respondidas sob o mesmo critério classificatório? O mapa da mina do conhecimento individual dos concorrentes não deixaria dúvida quanto ao preparo para estar na linha de frente de um agrupamento com sangue de regionalidade nas veias, independentemente da grife institucional que os pretendidos selecionados representariam. 

A tradução disso é que já cansei a assistir a filmes de baixa produtividade no campo institucional da região, entre outras razões porque valem mais os dísticos de entidades que estão em desacordo com a realidade histórica, enviando representantes sem apetrechamento cultural e apetite operacional para colaborarem efetivamente nas mudanças.

A mesmice do passado que viceja ainda hoje no Grande ABC quando se trata de selecionar gente para cuidar do futuro num ambiente público é péssima conselheira às transformações. Vestibular neles!

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