Esportes

Paulinho Serra promete mais
Santo André no Santo André

  DANIEL LIMA - 08/11/2021

Saí de um encontro com Paulinho Serra com a alma lavada. Primeiro: acredito que ele tenha entendido que a distância que nos separa como jornalista e prefeito de Santo André se deve exclusivamente ao fato de que entendo que preciso de motivos matriciais para que a distância se reduza. Segundo: como prova cabal de que existe materialidade e propostas a esse encurtamento, cuja origem é o próprio fazer do prefeito, o titular do Paço Municipal garantiu, de largada, o que chamo de “Mais Santo André no Santo André”. 

A recíproca de “Mais Santo André no Santo André” é automática, em forma de “Mais Santo André em Santo André”. 

Vou explicar o simbolismo de “Mais Santo André no Santo André”. Trata-se do futuro do clube mais popular do Grande ABC. Um futuro que envolve os demais clubes profissionais, três dos quais, inclusive o Santo André, integrantes da Série A do Campeonato Paulista, competição estadual mais importante do País. 

Amálgama social  

O leitor que eventualmente não tenha paixão por futebol e ainda mais pelo futebol do Grande ABC não deve desistir dessa leitura. O que está em jogo é a regionalidade no sentido mais abrangente da palavra, que é também filosofia de vida e de responsabilidade social.  

Futebol é amálgama pouco reconhecido em municipalidades e regiões submetidas ao torniquete metropolitano que tem uma Capital exuberante como centro difusor e irradiador de culturas e poderio econômico.  

Os melhores momentos do futebol profissional da região foram embalados por duas administrações municipais e respectivos dirigentes esportivos em combinação com uma rede de patrocinadores. Um tripé indispensável a qualquer tempo para o confronto desigual dentro e fora de campo com os grandes clubes da Capital, Santos incluído.  

Celso e Tortorello  

Tudo de bom se deu no início deste século, quando o São Caetano vice-campeão brasileiro duas vezes e vice-campeão da Libertadores da América e o Santo André campeão da Copa São Paulo de Futebol Júnior e campeão da Copa do Brasil diante do Flamengo no Maracanã reassentaram o sentimentalismo municipal e regional num patamar elevado.  

Celso Daniel e Luiz Tortorello participaram ativamente da empreitada. O Santo André mais independente que o São Caetano, mas os dois clubes igualmente fortalecidos graças ao apoio dos dois gestores.  

Agora os tempos são outros, não há disponibilidade semelhante de fatores que envolveram agudamente aquelas empreitadas vitoriosas, mas há novos modelos disponíveis e à espera de arranjos que inicialmente devem reunir agentes públicos e privados.  

Interdependência inexorável  

O prefeito de Santo André, uma das vítimas preferenciais do jornalismo ácido que dizem que pratico, ganha mais que um voto de confiança – ganha um caminhão de tolerância e também de esperança. Tudo porque o futebol está a lhe despertar o que tanto ele quanto eu chamamos de “senso de pertencimento”. Além disso -- é indispensável que se adiante -- há também confluência em defesa do regionalismo em outras atividades.  

Paulinho Serra parece ter acordado de vez para algo semelhante ao que Celso Daniel viveu no segundo mandato, a partir de 1997: dá à regionalidade e ao municipalismo dimensões interdependentes. 

A estrada que levará o Santo André a um modelo mais maduro, socialmente interpenetrante e por isso mesmo mais próximo do que chamaria de comprometimento social, chama-se Sociedade Anônima do Futebol, SAF. Virar clube-empresa não é nada dificultoso. Diferentemente disso.  

Colaboração importante  

É quase que uma ação compulsória aos clubes pequenos, médios e à maioria dos grandes. Mas virar um clube-empresa inserido na cultura de Santo André e da região é outra coisa, muito mais nobre. 

E é isso que o prefeito Paulinho Serra promete colaborar muito além de providências que estão sendo tomadas para dar o necessário empurrão físico-estrutural (como a reforma do Estádio Bruno Daniel e apoios outros) à atração de um dos players do mercado da bola em forma de investimentos que podem saltar às alturas. Não faltam consultorias especializadas no assunto. Carlos Eduardo Ambiel e José Francisco Manssur participaram intestinamente do projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional.  

Compromisso de muitos  

“Mais Santo André no Santo André”, portanto, não é apenas um mote supostamente em forma de âncora de nova formulação de marketing de reestruturação da agremiação. É, no fundo, um compromisso não só da Administração Pública, mas também de todos os agentes públicos, privados e sociais em torno de mobilização que terá hora certa à execução.  

Trocando em miúdos, o Santo André pode ser espécie de estrela-guia do futebol recortado num desenho de Primeiro Mundo ao trocar as vestes do conservadorismo de clube associativo pelo uniforme de gala de clube-empresa com comprometimento social.  

Como afirmo na entrevista especial de hoje nas páginas do Diário do Grande ABC, inquerido que fui pelo jornalista Júnior Carvalho a respeito da importância do futebol à regionalidade do Grande ABC, tema-base do trabalho jornalístico, o futebol profissional é um dos meios pelos quais o sentimento municipalista poderá fortalecer a argamassa de representatividade social. Foi assim no passado menos opressivo aos clubes de menor porte.  

Modelo aperfeiçoado  

É certo que o Santo André terá uma longevidade assegurada e com brilho mais intenso nos próximos tempos, alongando-se esse desempenho décadas adiante, na medida em que a compreensão de sua grandeza material e imaterial for reconhecida e valorizada.  

Nesse ponto, o prefeito Paulinho Serra tem de ser observado atentamente porque as medidas que já deflagrou podem ser traduzidas em sinalização serena, prospectiva e reformista em direção ao aperfeiçoamento do modelo vitorioso do começo do século, interrompido que foi com a morte de Celso Daniel e em seguida de Luiz Tortorello.  

“Mais Santo André no Santo André” leva a múltiplas interpretações – e todas subjetivamente encaminhadas à soma e à multiplicação de tarefas que dariam à representação da cidade no futebol magnitude que ultrapassa todos os centímetros do gramado que agora é sintético.  

Gramado sintético no Estádio Bruno Daniel pode ser uma solução definitiva para um dos problemas antigos e recorrentes daquela praça de esportes.  

Desde tempos remotos em que escrevia a coluna Confidencial, no Diário do Grande ABC, cansei de apontar incompatibilidade irreversível entre o plantio de grama e a receptividade do solo do Bruno Daniel. Um solo argiloso, seco, impenetrável, que tornava o gramado apenas suposto tapete. Por baixo daquele verde ralo prevalecia a dificuldade de jogar o que se supunha como prazeroso. A bola insistia em dançar conforme os desníveis endurecidos.  

Tudo indica pelo primeiro apito da arbitragem de um novo marketing esportivo de novos tempos de investimentos em clubes de futebol no País que o Santo André vive uma situação em que as circunstâncias, os contextos, a história e o futuro parecem em harmoniosa sintonia. 

Identidade fortalecida  

A identidade de Santo André e da região como um todo, porque é assim que funciona a mágica da expressão “Grande ABC” e de variantes, dará impulso significativo com o desabrochar de novas perspectivas no futebol.  

O prefeito Paulinho Serra dará enorme contribuição à reconquista de espaços seguros do futebol da cidade com as medidas que têm anunciado e colocado em prática.  

O Santo André tem resistido à avalanche de transformações, mas ainda não engatou uma segunda marcha em direção a novos rumos, algo que somente o profissionalismo de quem é do ramo, ou seja, os grandes investidores da área, gente que transforma jogador comum em vendas milionárias, poderá oferecer com segurança.  

Olho em Bragança  

Municípios menos atrativos que qualquer um dos maiores do Grande ABC já contam com representações empresariais robustas.  

Devemos deixar de lado Bragança Paulista com o Red Bull, porque se trata, ainda de exceção à regra de modelos menos vistosos, mas efetivos? 

Não!. Coloquemos sim Bragança Paulista em perspectiva mais otimista, mas não necessariamente alcançável: o Santo André tem história, cultura e representatividade potencial não só de um Município, mas da região como um todo. Como todos os seus principais rivais locais. Isso pesa na balança de interesses que deverão resplandecer com a nova legislação esportiva.  

“Mais Santo André no Santo André” é a síntese do que se espera para o futuro inacessível ao modelo associativista. O prefeito Paulinho Serra já compreendeu isso. É um passo importante. Um drible no conservadorismo cada vez mais fora de moda no mundo da bola redonda e rentável.  

Mais Santo André no Santo André e Mais Santo André em Santo André. Querem mais que isso?  

Pauta desde 1999 

Exceto se ainda existir escondido no escurinho de alguma transposição imperfeita dos textos da revista impressa LivreMercado para esta revista digital, já completou 21 anos o primeiro material que escrevi sobre a possibilidade de o Santo André tornar-se clube empresa. No total, há 103 textos tratando direta ou indiretamente do tema clube-empresa.  

Reproduzo os trechos iniciais com o adendo de que, exatamente por ser uma pauta antiga e incompleta (as tentativas e introduções de mudanças não deram certo), está na hora de ser cumprida.  

Vejam o que escrevi na edição de julho de 1999 da revista LivreMercado sob o título “Sobra apoio para clube virar empresa”:  

 Não será por falta de apoio de dirigentes, conselheiros e torcedores que o Conselho Deliberativo do Esporte Clube Santo André deixará de aprovar a constituição do Santo André Sociedade Anônima. A transformação em empresa do Departamento de Futebol do clube, atendendo a determinação da Lei Pelé, não só é apoiada por lideranças antigas da agremiação como é considerada essencial para os sonhos de crescimento do futebol profissional do Município. Até o mês que vem o Conselho Deliberativo do clube, presidido pelo advogado Luiz Antônio Lepori, deverá reunir-se para analisar a proposta de criação do Santo André S/A. Encontros preliminares já estão sendo promovidos. O também advogado Antônio Carlos Cedenho, presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de Santo André, é um dos interlocutores nos encontros que debatem a proposta do clube de adaptação à Lei Pelé. Torcedor da equipe, Cedenho está preocupado apenas com o formato da proposta que será levada ao Conselho Deliberativo. Ele e demais membros que estudam a formalização da sociedade anônima só esperam driblar eventuais obstáculos jurídicos que a mudança estatutária poderia erigir. "A relação com o Poder Público tem de ser detidamente analisada" -- afirma Cedenho. Ele se refere ao uso do Estádio Bruno Daniel em caráter de exclusividade e também ao regime de comodato por 30 anos do Parque Jaçatuba, onde está instalada a sede socioesportiva do Santo André.  

Mais clube-empresa  

 A preocupação é justificada porque os instrumentos legais de cessão contemplaram um clube sem finalidade de lucro. Com a criação do Santo André S/A, o Parque Poliesportivo continuará sendo propriedade do Esporte Clube Santo André, objetivamente sem cunho de lucro, mas o Estádio Bruno Daniel passará a ser utilizado pelo braço empresarial que em princípio teria a maioria das ações sob o controle do clube, se confirmada a proposta do presidente Jairo Livolis.  O ex-presidente Breno Gonçalves, empresário do setor automotivo que liderou a campanha da equipe no acesso à Primeira Divisão de 1981, um dos conselheiros mais influentes do clube e integrante do restrito quadro de cardeais, por onde as decisões mais importantes necessariamente têm de passar, não perde o sono por causa de questões jurídicas. Pragmático, o que o inquieta é o futuro do futebol do Santo André. Por isso, avaliza a decisão da diretoria de lançar ações no mercado para a gestão do Santo André S/A. "Do jeito que o futebol profissional vai caminhando, se não pegarmos essa estrada não teremos vez nem na Terceira Divisão" -- afirma Breno.

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