Política

Será que Paulinho e Orlando
conseguem repetir Diadema?

  DANIEL LIMA - 05/11/2021

Sei que o leitor está curioso, e isso é bom porque sinaliza que há preocupação pelo menos com os destinos de Santo André e de São Bernardo, responsáveis por 63% do PIB Geral do Grande ABC. Vou revelar de imediato o que parece algo hermético na manchetíssima de hoje: será que o prefeito de Santo André e o prefeito de São Bernardo vão estabelecer o que chamaria de Ciclo da Perfeição Política?  

Estariam Orlando Morando e Paulinho Serra vivendo o segundo de cinco mandatos seguidos programaticamente semelhantes, quando não complementares, com os respectivos entornos de suporte administrativo e político? 

Pronto, escrevi. Acabou o segredo da Coca Cola. Conseguirão os dois mais jovens prefeitos da região, e que portanto teoricamente teriam muito horizonte pela frente para conduzirem algo parecido com que os socialistas de Diadema alcançaram a partir da redemocratização? 

Paulinho Serra e Orlando Morando vão se sustentar no poder por pelo menos cinco mandatos, ou 20 anos, ciclo sonhado por todo mundo na política, qualquer que seja o time a que pertença?  

Caso emblemático  

O PSDB é um caso emblemático no governo do Estado. Mas eleições para governador são outros quinhentos, muito menos, historicamente em São Paulo, problemáticas do que os embates municipais.  

Pensei em juntar São Caetano a Diadema nessa equação de continuidade, mas desisti. Luiz Tortorello e José Auricchio Júnior, que poderiam ser colocados no mesmo nível de políticas públicas, apesar de profundas diferenças de personalidade, não completaram o ciclo. Paulo Pinheiro interrompeu o circuito que tinha como destino a então secretária de saúde apoiada por Auricchio, Regina Maura Zetone, derrotada num processo em que o machismo e a maledicência imperaram – além do dinheiro farto do PT Regional com suporte   logístico do governo federal de Lula da Silva.  

No duro mesmo, e mesmo assim com nuances que reduziram em parte o fulcro doutrinário da esquerda, apenas Diadema de José de Augusto Ramos, Mario Reali, José de Filippe Júnior e, abrindo a longa temporada de sucessos, Gilson Menezes, eleito em 1982 primeiro prefeito petista do País, plantaram as raízes que seguem a dar frutos de um modelo específico de condução municipal.  

Vermelhos e azulados  

A Diadema vermelha de hoje, menos vermelha que ontem mas ainda vermelha o suficiente para ser antagonista da azul e conservadora São Caetano, é fruto de políticas públicas criadas e sequenciadas por gestores de esquadrinhamento socialista.  

Não à toa o funcionalismo público de Diadema conta com os melhores vencimentos, em média, no Grande ABC. Mais que qualquer outra atividade. Inclusive o setor industrial.  

Não à toa também que esse mesmo funcionalismo público de salários elevados é uma tremenda dor de cabeça para o prefeito José de Filippi Júnior, espécie de efeito-bumerangue. As contas não fecham, inclusive no instituto de previdência. Ou seja: como no mundo inteiro, medidas que agigantam o poder do Estado, em qualquer instância de poder, têm verso e contraverso.  Da mesma forma que políticas excessivamente liberais geram distorções quando o hoje vira amanhã.  

Redes sociais  

Há vantagens e desvantagens em contar com administradores municipais da mesma cepa ideológica e programática. Não pretendo fazer exumação agora, mas os tempos presentes e os tempos futuros indicam que quem amarrar bem amarrado esse enredo diante da avalanche de informações das redes sociais, possivelmente será incensado no futuro de ciclo consumado como integrante de uma organização política preocupada para valer com o destino do respectivo território. 

É claro que ainda não temos nas redes sociais exuberantemente intervencionistas no conjunto da obra de concepções políticas algo que precisa ser amadurecido regionalmente. Trato especificamente de direcionamento mais profundo em cada território municipal e no Grande ABC como consequência. Ainda estamos presos demais em todos os bolsos e bolsas a aparelhinhos tecnológicos que martelam o noticiário nacional e estadual sem folga.  

Mas nada melhor que o tempo, novas tecnologias e a recuperação em algum grau do pertencimento municipalista e regional para colocar ordem na casa.  

Processo aceleradíssimo  

A democratização da comunicação social é aceleradíssima. Mesmo essa cacofonia atual, que impacta com menos intensidade o ambiente municipal diante da supremacia de inquietudes principalmente federais, tem potencial positivo.  

Convém lembrar também que, apesar dos invasores estaduais e nacionais nos aparelhos tecnológicos portáveis e seus aplicativos, em períodos de disputas eleitorais municipais há maior demanda por informações e analises locais. Aí, nesse estágio, os eleitores direcionam atenção mais severa aos candidatos.  

Ou seja: os pretensos detentores do poder municipal que pretenderem estender mandatos em forma de grupos organizados para ultrapassar barreiras legais a reeleições seguidas terão de provar muita competência na gestão pública. Ou, no mínimo, muita engenhosidade de marketing eleitoral.  

Como teria sido?  

Traduzindo em miúdos: será que a massificação de aparelhos e aplicativos a partir da redemocratização teria possibilitado aos socialistas de Diadema a construção de um modelo de gestão pública diferenciado no Grande ABC e no País como um todo? Será que uma zebra como o da família de Lauro Michels teria se manifestado antes e, durante oito anos, baleasse os pressupostos de esquerda?  

Esse é o tamanho do desafio (e aí voltamos ao princípio deste texto) aos prefeitos Paulinho Serra e Orlando Morando. O sonho do prefeito da vez é ganhar uma eleição, ganhar uma segunda eleição, atuar intestinamente no Município ao qual foi eleito e eleger o sucessor e, duas eleições depois, retornar ao poder continuado. Um Ciclo da Perfeição que o PSDB, repito, registra no governo do Estado.  

Para registrarem 20 anos de gestão pública, os jovens prefeitos de Santo André e de São Bernardo precisam contar com a sorte do destino. Além de seguirem vivos, devem planejar cuidadosamente os próximos 15 anos, já que estão nos respectivos cargos há cinco.  

Traduzindo: como serão os próximos 15 anos dos dois prefeitos e de seus respectivos entornos? Seriam nuvens passageiras como tantas outras?  

Armadilhas da vida  

Talvez nem um nem outro tenha pensado sobre isso, ou se pensaram não tenham refletido cuidadosamente, e se refletiram cuidadosamente não significa que tenham entendido completamente o que significa essa armadilha chamada futuro.  

Não é exagero chamar o futuro de armadilha mesmo sem considerar os imponderáveis. O que são imponderáveis? Um exemplo: o destino do PT e de Santo André passou por catarse, com profunda modificação no plano de voo, após a morte de Celso Daniel.  

O preferido do prefeito, Klinger Souza, executivo público impetuoso, inteligente e prospectivo, desapareceu do radar político. Klinger seria o sucessor de Celso Daniel, como o foi João Avamileno, por consequência do cargo de vice-prefeito e de um adversário já em fim de carreira (Newton Brandão). O ex-operário Joao Avamileno, oposto da personalidade do então secretário de ouro de Celso Daniel, não seguiu os mesmos traçados do PT de Celso Daniel.  

Olhando mais adiante  

As armadilhas naturais do futuro, ou seja, aquelas pedras no meio de caminho que todos enfrentamos na vida, serão resultados da próprias decisões e omissões de Paulinho Serra e Orlando Morando.  

Sei lá se o exemplo que vou dar em seguida vai servir para alguma coisa ao projeto de poder de Paulinho Serra e de Orlando Morando. Projeto de poder legítimo, porque seria o fim da picada alguém acreditar que político que depende de votos para continuar na ativa não tenha intrinsecamente projeto de poder. 

Que exemplo daria aos dois? Aprendi com meu velho pai que já se foi um dos segredos de dirigir um veículo sem correr riscos além dos corriqueiros. Ele me ensinou que não se deve olhar para o capô, mas para o horizonte mais próximo, para aquela esquina ali na frente, onde o farol pode fechar em cima da hora, onde um animal pode atravessar a pista, onde uma criança inadvertidamente escapa das mãos protetoras da mãe.  

Orlando Morando e Paulinho Serra deverão ser vistos como eventuais gestores competentes pela gerações futuras na medida em que tiverem capacidade de alterar o passado e o presente de São Bernardo e Santo André, elevando os níveis de satisfação dos contribuintes.  

Tiro curto, tiro longo  

Para tanto, deve-se reconhecer que um mandato é sempre um tiro curto de resultados protocolares, dois mandatos seguidos significam o início de amadurecimento, dois novos mandatos seguidos de um aliado de fé dariam conformações definitivas a projetos bem elaborados nos dois primeiros mandatos do ciclo e uma nova vitória, na quinta disputa, seria o corolário de uma história de potencial sucesso.  

Não existe na literatura política nacional e internacional nada que signifique, compulsoriamente, prova inabalável de sucesso de público e bilheteria de um grupo político só porque chegou a 20 anos sequenciais no poder. Mas quem fica tanto tempo no poder sob a mesma batuta programática pode ser acusado de tudo, menos de incompetência administrativa. Talvez tenha fracassado num ou noutro ponto, mas inteiramente fracassado é algo pouco provável.  

Que os jovens prefeitos de Santo André e São Bernardo pensem nisso antes que o segundo ano do segundo mandato comece.

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