Administração Pública

Santo André arrecadaria mais
R$ 87 mi se fosse São Bernardo

  DANIEL LIMA - 11/10/2021

Convenhamos que não é pouca coisa o que está falta de receitas da Prefeitura de Santo André no balanço dos primeiros oito meses deste ano, comparados os dados do mesmo período do ano passado. O valor é arredondado, para facilitar a manchetíssima desta véspera de feriado.  

É mais que o prefeito Paulinho Serra pretende retirar do bolso dos contribuintes com o aumento do IPTU programado para o ano que vem. Seriam R$ 60 milhões, segundo manchete do jornal ABC Repórter.  

Os R$ 87.315.330 milhões que faltam nos primeiros oito meses desta temporada significam a diferença entre o que a Prefeitura de Paulinho Serra arrecadou e o que poderia ter arrecadado caso, vejam só, Santo André fosse a São Bernardo de Orlando Morando.  

Relativizando situação 

Calma lá, calma lá que não estou impondo marotamente nenhuma comparação que leve ao campo da competência arrecadatória ou de dinâmica econômica entre os dois prefeitos que não se bicam, embora tucanos. Não é esse o caso agora. A referência é financeira estritamente no campo de arrecadação geral. E se resume na seguinte equação: se Santo André houvesse tido o comportamento econômico de São Bernardo, teria acrescentado esse volume de recursos financeiros no orçamento desta temporada. Possivelmente não precisaria cair na farra do IPTU.  

Faço a comparação porque São Bernardo é a Capital Econômica do Grande ABC e Santo André já foi a Capital Econômica do Grande ABC. O desgarramento favorável a São Bernardo começou com a Via Anchieta, aumentou com a Rodovia dos Imigrantes e se consolidou com o trecho sul do Rodoanel. Isso para ficar no campo da logística. Antes disso, claro, a derrubada de Santo André teve origem na escolha de São Bernardo para sediar montadoras de veículos. Aliás, uma coisa levou à outra. Santo André ficou com a tormentosa Avenida do Estado. Até hoje um fetiche de todos os prefeitos locais.  

Parte do enredo  

Traduzindo tudo isso, quero dizer que não é exclusivamente o prefeito Paulinho Serra que tem culpa no cartório de baixa competitividade econômica de Santo André. Aliás, ele tem agora cinco de 41 avos de participação. A desindustrialização de Santo André começou nos anos 1980 e se amplia até agora com efeitos sociais e econômicos grandiosos. Os demais municípios da região também não escapam à derrocada.  

Mas, voltando ao que interessa, o crescimento nominal (sem considerar a inflação) de Santo André nos primeiros oito meses deste 2021 foi da ordem de 8,97%. Já São Bernardo avançou também nominalmente 14,04%. Uma diferença de 36% favorável à Prefeitura de Orlando Morando.  

Se fosse São Bernardo, Santo André teria arrecadado nos primeiros oito meses deste ano o total de R$ 1.963.475 bilhão. Como Santo André é Santo André, ficou no R$1.876.160 bilhão. Entre uma cifra e outra, a diferença é de mais de R$ 87 milhões.  

Sinais complexos  

Para quem não abre mão de informações mais detalhadas, prefiro não avançar demais o sinal de análises sobre os dois municípios nesta temporada – assim como dos demais, cujos números apresento mais adiante. É muito complicado confrontar os dois maiores PIBs do Grande ABC sem contar com elementos discriminatórios de arrecadação.  

O bolo apresentado de forma bruta pelo Diário do Grande ABC de domingo, com base em informações da Secretaria do Tesouro Nacional, não me possibilita, portanto, grandes incursões. Não há especificidades de receitas. Faltam números do ICMS, do IPTU, do ISS, do IPVA e de tudo o mais. Se os tivesse à mão, não teria dúvida em apontar o dedo da responsabilidade informativa com mais rigidez. O que posso fazer nesta altura do campeonato é seguir o protocolo histórico expressivamente consagrado. E que se resume no fato de que Santo André perdeu a musculatura econômica que possa ser traduzida em dinamismo.  

Planejamento estratégico  

Fosse mais coerente com as promessas de transformar Santo André num endereço voltado ao futuro em forma de planejamento com ações de curto, médio e longo prazo, o prefeito Paulinho Serra estaria não necessariamente nadando de braçadas nestes dias de pandemia, porque seria mesmo improvável, mas descortinaria um horizonte mais fervilhante.  

O erro maior de Paulinho Serra, e que ainda pode ser parcialmente corrigido até na forma de deixar um legado ao sucessor, foi descartar a contratação de uma consultoria especializada em competitividade econômica para atenuar as dores da desindustrialização. Além de sair na dianteira em relação aos vizinhos igualmente reticentes, daria uma resposta efetiva à sociedade. Sinalizaria, por assim dizer, a uma modernidade administrativa que se perde na falta de foco ao se prender demais a ícones do passado que os jovens de hoje não priorizam, porque querem emprego, e subestima a força da Economia.  

Ambiente regional  

Ou seja: os quase R$ 90 milhões que faltam a Santo André em relação ao que poderia ter arrecadado caso seguisse o ritmo do vizinho mais poderoso, não são recursos que têm uma única explicação, mas a defasagem, por assim dizer, está embutida no ambiente regional resultante do passado e do presente. E olhem que São Bernardo é um dos endereços que mais sofreu neste século, principalmente depois que Lula da Silva deixou a presidência da República. Dilma Rousseff dinamitou a indústria automotiva não diretamente, mas por medidas no campo macroeconômico.  

A perda de arrecadação de Santo André comparada aos oito primeiros meses de 2020 é uma péssima notícia porque a pandemia levou à derrocada nacional na temporada passada, quando o PIB caiu 4,1%. Esperava-se recuperação neste ano. E é o que está ocorrendo na maioria das esferas, federal, estadual e municipal. O descompasso de Santo André seria alarmante se não houvesse por parte deste jornalista a insegurança da falta de dados agregados, mas é impossível não admitir que temos um quadro de inquietação. Santo André depende demais do Polo Petroquímico de suprimento de matérias-primas complexo. São Bernardo também sofre com a indústria automotiva igualmente refém de fornecedores de insumos básicos, mas mesmo assim cresceu.  

Somente Mauá e Rio Grande da Serra arrecadaram menos que Santo André quando se colocam na mesa os tributos destes primeiros oito meses. O trio correu abaixo da inflação do período, de 9,94% na métrica do IPCA (Índice de Preço ao Consumidor Amplo), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Santo André cresceu 8,97% ante 7,13% de Mauá e 5,86% de Rio Grande da Serra. Muito abaixo, portanto, dos 14,04% de São Bernardo, 13,46% de São Caetano e 11,79% de Diadema.  

Vácuos informativos  

Quando observado sob a ótica de megacidade que os movimentos emancipacionistas destruíram, o Grande ABC apresentou no período de estudos um crescimento nominal de 11,52%; portanto acima da inflação do período. Em 2021, até agora, foram R$ 7.105.622 bilhões de receitas gerais, ante R$ 7.923.956 desta temporada. 

Resta saber se esses números são os dados finais de tudo que se refere à arrecadação de tributos ou se existe alguns vácuos informativos na forma de transferência federais adicionais por conta do Coronavírus. Como se sabe, Estados e Municípios, autônomos segundo decisão do Supremo Tribunal Federal para estabelecer políticas de combate ao vírus, contaram como imensos caudais de dinheiros da União. Uma dinheirama tão gigantesca que governadores e prefeitos armazenaram para gastar nesta temporada e também na próxima, de eleições.   

Dinheiro federal farto  

Aliás, sobre isso, uma manchete de janeiro do Estadão (“Com ajuda do governo federal, Estados e Municípios terminam 2020 com as contas no azul”) revela que não existe nada que possa ser minimamente sustentável ao se colocar os municípios do Grande ABC (e de outros quadrantes) como vítimas preferenciais da pandemia no campo arrecadatório. Leia os primeiros trechos do Estadão: 

 No ano marcado por um rombo recorde nas contas públicas devido ao esforço de combate à pandemia de covid-19, Estados e municípios aproveitaram repasses emergenciais de recursos pela União para registrar o melhor resultado primário desde 2011. Enquanto o governo federal assumiu todo o déficit primário do ano passado, o conjunto de governadores e prefeitos conseguiu fechar 2020 no azul. Os repasses emergenciais da União a Estados e municípios totalizaram R$ 78,247 bilhões em 2020, de acordo com dados divulgados na quinta-feira, 28, pelo Tesouro Nacional. Por outro lado, os governos regionais apresentaram um superávit primário de R$ 38,748 bilhões no ano passado, conforme dados publicados nesta sexta-feira, 29, pelo Banco Central.   

Muito dinheiro federal  

 O rombo inédito nas contas públicas em 2020 ficou nas costas do governo central (Previdência, Banco Central e Tesouro), cujo déficit chegou a R$ 745,266 bilhões pela metodologia do BC. Além do superávit dos governos regionais, as estatais federais também tiveram resultado positivo em R$ 3,567 bilhões no ano passado. Esses repasses, porém, não afetam o resultado primário (antes do gasto com os juros da dívida) consolidado do setor público, que também apresentou um déficit recorde de R$ 702,950 bilhões em 2020. Isso porque os recursos entram na mesma conta como despesas do governo central e receitas de Estados e municípios, resultando em um impacto nulo no saldo consolidado. 

Mais dinheiro federal  

 O chefe do Departamento de Estatísticas do Banco Central, Fernando Rocha, evitou avaliar se o volume de repasses emergenciais da União para Estados e municípios no ano passado foi “exagerado”. “É possível fazer essa comparação, mas o BC não tem informações sobre a dinâmica orçamentária de cada governo regional, se esses valores ainda serão gastos ou não. Não temos elementos para fazer essa avaliação”, limitou-se a responder.  O auxílio aos governos regionais atendeu a demandas de prefeitos e governadores que temiam uma forte queda na arrecadação de tributos ao longo do ano devido aos impactos econômicos da pandemia de covid-19. Os recursos foram “carimbados” para o uso em ações relacionadas ao avanço do novo coronavírus. Mas, de acordo com dados da Receita Federal, as receitas dos Estados com ICMS e IPVA cresceram 2,4% em 2020 na comparação com 2019, possibilitando aos governos regionais realizar um resultado primário bastante positivo no ano. “A arrecadação de Estados e municípios apresentou forte recuperação na segunda metade do ano passado”, comentou o secretário Especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues, na última segunda-feira, 25. 

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