Política

Entenda como Aidan Ravin
virou zebra de branco em 2008

  DANIEL LIMA - 17/08/2021

Promessa feita, promessa cumprida. O médico Aidan Ravin se tornou a zebra de branco nas eleições de 2008 no Grande ABC. Dos três candidatos que concorreram em segundo turno, Luiz Marinho e Oswaldo Dias confirmaram amplo favoritismo das pesquisas eleitorais. Aidan saiu lá de trás e ganhou do petista Vanderlei Siraque. Não custa lembrar (como reproduzimos nos dois textos anteriores) que os três institutos de pesquisa davam os três petistas como favas contadas às vitórias. Deu zebra de branco. 

Até hoje não falta um ou outro maledicente, gente sem crédito nas redes sociais, gente ligada à família de Aidan Ravin, que vê fantasmas em torno daquela disputa. Como se um candidato que mal fez 21% dos votos válidos no primeiro turno, contra 48,9% do primeiro colocado, fosse outra coisa senão uma zebra no segundo turno.  

O texto que publicamos abaixo é deste jornalista. Consta da edição de novembro de 2008 da revista de papel LivreMercado, cujo acervo editorial é parte indissociável de CapitalSocial. 

O que se segue diz diretamente à ampla análise que produzi àquela edição. Retirei do conjunto daquela análise os trechos referentes às urnas propriamente ditas. Leiam atentamente e entendam um dos maiores fenômenos da história nacional de disputa em segundo turno. Até então não havia nada semelhante. E ainda hoje é um fato raro. Aidan Ravin morreu em janeiro deste ano. Fez uma administração tumultuadíssima.  

Eleições de 2008  

A grande surpresa do segundo turno das eleições no Grande ABC foi a vitória do petebista Aidan Ravin em Santo André. O médico obstetra tornou-se a maior zebra nacional, superando todas as expectativas. Inclusive as do próprio grupo de apoio. Ganhou em média por dia, a partir do dia seguinte das eleições em primeiro turno, nada menos que 6.364 votos, enquanto o petista Vanderlei Siraque perdia 32 eleitores. A enxurrada que catapultou um desconhecido ao posto que já foi ocupado por Celso Daniel teve total suporte do governo do Estado. Presidente do PTB paulista e deputado estadual, Campos Machado organizou a empreitada que deixou atônitos os petistas de Santo André. Uma guerra de guerrilhas que se propagou tanto na classe média quanto nas periferias destruiu a reputação de Vanderlei Siraque entre eleitores que votaram em Aidan Ravin, em Raimundo Salles e em Newton Brandão no primeiro turno.   

Eleições de 2008 

Siraque virou pedófilo, estuprador e muito mais. O PT foi demonizado como adversário da classe média e ineficiente nas áreas de saúde e transporte das classes menos favorecidas. Aidan Ravin ganhou um boneco de réplica de Gilberto Kassab. O PT demorou para detectar a engrenagem de reversão da derrota petebista no primeiro turno. Marqueteiros escalados pelo Palácio dos Bandeirantes deram respaldo às medidas. Não faltaram recursos financeiros. Um show de competência eleitoral sob a batuta de Campos Machado e com apoio de aliados locais. O objetivo traçado foi atingido: o PT deixou de ter maioria no Clube dos Prefeitos. 

Eleições de 2008  

O salto de Aidan Ravin foi impressionante: saiu de apenas 21,76% dos votos válidos em 5 de outubro para 55,03% três semanas depois. Foram 81.153 votos no primeiro turno e 214.810 no segundo. Vanderlei Siraque seguiu rota inversa: alcançou 48,9% dos votos no primeiro turno e caiu para 44,97% na etapa seguinte. Dos 182.387 votos do primeiro turno, sobraram 175.513 no segundo. O eleitorado do petista emagreceu 3,77%. Aidan Ravin avançou 60,71%. Os votos brancos e nulos também ajudaram na vitória do petebista: foram 31.588 a menos em relação ao primeiro turno: de 74.355 caíram para 42.767. 

Eleições de 2008  

Aidan Ravin ganhou a Prefeitura de Santo André ao crescer 33,27 pontos percentuais em apenas três semanas. Isso significou 1,584 ponto percentual por dia. Uma avalanche que não foi detectada por nenhuma pesquisa eleitoral. Todos os institutos caíram do cavalo numérico. Até mesmo o Ibope, contratado pelo Diário do Grande ABC, se deu mal. Na véspera da disputa o jornal publicou que o jogo estava tecnicamente empatado. Aidan Ravin tinha 51% dos votos válidos contra 49% de Vanderlei Siraque. Os 10 pontos percentuais de diferença nas urnas no dia seguinte foram muito acima da margem de erro ética, embora o Ibope insista em fazer mágica. Para tanto, rebaixa em quatro pontos percentuais a votação de Aidan Ravin e eleva nos mesmos quatro pontos percentuais o eleitorado de Vanderlei Siraque. 

Eleições de 2008 

Se o Instituto Brasmarket, contratado por LivreMercado, seguir o mesmo conceito, também terá acertado. A pesquisa divulgada em Edição Especial de LivreMercado registrava os números de Santo André 10 dias antes da ida às urnas. Vanderlei Siraque estava 16 pontos à frente de Aidan Ravin. Levando-se em conta o volume de votos obtido por dia pelo petebista e aplicando-se o mesmo critério de margem de erro de quatro pontos para cima e para baixo, o Brasmarket pode repetir a ladainha de sucesso do Ibope. Nada que resista de fato ao fenômeno Aidan Ravin de combustão nada acidental. 

Eleições de 2008 

Em São Bernardo e em Mauá não houve reviravolta, depois de, como em Santo André, tanto Luiz Marinho quanto Oswaldo Dias chegarem muito próximos da vitória no primeiro turno. Os dois petistas fizeram a lição de casa de fechar alianças providenciais que tanto Newton Brandão como Raimundo Salles preferiram negar a Vanderlei Siraque e a Aidan Ravin. Enquanto Marinho comemorou o fechamento de acordo com o deputado estadual Alex Manente, dono de 12% dos votos válidos no primeiro turno, Oswaldo Dias aproximou-se do ex-prefeito interino e vereador Diniz Lopes, tucano com 22% dos votos válidos na primeira rodada. 

Eleições de 2008  

Embora as eleições no Grande ABC mostrassem mais uma vez que há eleitorado petista e eleitorado antipetista, Luiz Marinho não deixou que o saldo acumulado no primeiro turno se comprometesse no segundo. Cresceu em número de votos válidos mais que Orlando Morando: dos 194.966 do primeiro turno, subiu a 237.617 no segundo, ou 21,87% adicionais. Orlando Morando registrou pouco mais da metade de produtividade eleitoral, com 12,58% suplementar de votos válidos – saiu de 151.653 em 5 de outubro e chegou a 170.728 três semanas depois. Comparando os números finais, Luiz Marinho atingiu 58,19% na etapa decisiva, pouco menos que 10 pontos percentuais acima dos 48,3% do primeiro turno. Orlando Morando subiu de 37,5% para 41,81%.  

Eleições de 2008  

Vários fatores influenciaram a vitória de Luiz Marinho. A campanha foi concebida com planejamento exaustivo que passou pela adesão do ex-prefeito Maurício Soares, pela incorporação de Alex Manente e, antes disso tudo, pela coligação com mais de uma dezena de partidos – operação inédita para um PT até então sectário. Não foi por outra razão que o deputado federal Vicentinho Paulo da Silva naufragou nas duas tentativas de chegar ao Paço Municipal. A presença comprometida do presidente Lula da Silva em três oportunidades reforçou a campanha. Lula jamais perdeu uma eleição presidencial em São Bernardo. Orlando Morando foi oponente de resistência. Reclamou ao final dos resultados da nacionalização da disputa. Disse que o embate foi federal, por causa de Lula da Silva. Mas também ele tentou retirar do âmbito exclusivamente local a busca de votos. Trouxe o governador José Serra e o ex-governador Geraldo Alckmin para lhe prestar apoio e credibilidade. O problema maior dos tucanos, além da organização sólida do grupo de Luiz Marinho, é que o mote da campanha eleitoral gerou interpretação dúbia: São Bernardo de Cara Nova transparecia negação à administração de William Dib.   

Eleições de 2008 

Mais que isso: o PT conseguiu pautar a disputa ao estigmatizar a gestão de Dib, considerando-a sofrível. O gabinete situacionista mordeu a isca, retirou Dib da companhia do jovem Orlando Morando e, quando se deu conta de que caíra numa armadilha, não se recuperou a tempo. Na contabilidade de votos conquistados em média por dia, Marinho obteve o segundo melhor resultado entre os candidatos no Grande ABC, com 2.031. Orlando Morando conseguiu o terceiro melhor posicionamento, com 908 novos eleitores a cada 24 horas.  

Eleições de 2008 

Em Mauá, o petista Oswaldo Dias superou Chiquinho do Zaíra com dificuldades. Foram 11 pontos percentuais de diferença (55,68% a 44,32%), contra 21 ao final do primeiro turno. Por isso a importância do apoio de Diniz Lopes repercutiu no resultado final. Pelo menos impediu que parcela mais acentuada de tucanos votasse em Chiquinho do Zaíra. Mesmo assim, o candidato do PSB cresceu mais que o adversário no segundo turno: o número de votos em relação ao turno inicial avançou 58,92% (58.761 contra 93.383), enquanto Oswaldo Dias obteve apenas um quarto do volume — 12,78% (104.037 contra 117.337 no segundo turno). Oswaldo Dias somou em média por dia 633 novos votos. Chiquinho do Zaíra chegou a 1.648. 

Eleições de 2008  

Uma semana a mais de disputa poderia ser fatal para o petista, calculam os derrotados sem que possam ser chamados de fantasiosos. Todos esses números regionais evidenciam o fenômeno Aidan Ravin: o petebista de Santo André conseguiu em média por dia 213% mais votos que Marinho, 600% mais votos que Orlando Morando, 905% que Oswaldo Dias e 286% que Chiquinho do Zaíra. Vanderlei Siraque foi o único concorrente que viu reduzido o universo de eleitores entre uma disputa e outra. A guerra de guerrilhas de Campos Machado foi mortal. 

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