Paulinho Serra merece uma
estátua. Para ser explodida
DANIEL LIMA - 11/08/2021
O prefeito Paulinho Serra e o secretário de Desenvolvimento Econômico Evandro Banzato merecem virar estátuas no Paço Municipal de Santo André. Principalmente Paulinho Serra. Estátuas que deveriam receber de contribuintes portentosa carga de explosivos. Virariam pó em nome da falta de sensibilidade. Talvez não em nome da ignorância, porque Paulinho Serra e o secretário sabem o que estão fazendo, é difícil não saberem. Só não precisam tripudiar.
O leitor que entende eventual exagero metafórico na manchetíssima de hoje vai se convencer de que estou sendo generoso. Poderia, fosse o que são muitos jornalistas deste país, ser muito mais contundente e agressivo. Estou sendo conservador.
Mas para provar generosidade o leitor precisa me dar tempo a explicações. O assunto não é circunstancial, é estrutural. Foi Reportagem de Capa de fevereiro de 1998 da revista LivreMercado, antecessora de CapitalSocial. O título daquela capa (“Quem salva os pequenos negócios?”) é revelador de uma das maiores preocupações que mantenho com agente social.
Vendendo ilusão
Antes, entretanto, de reproduzir alguns trechos daquela Reportagem de Capa, volto ao presente. E especificamente à página de Economia do Diário do Grande ABC de hoje, numa matéria com o seguinte título: “Supermercado investe R$ 10 mi em nova unidade na Vila Palmares”. Agora, vamos à reportagem, tão curta quanto ofensiva – claro que o jornal não tem nada a ver com o desvario do prefeito e do secretário:
Santo André vai ganhar mais um representante do segmento supermercadista, a Peg Pese Hortifrúti. A empresa, com mais de 50 anos de história, prevê investir R$ 10 milhões na nova unidade, que está sendo construída na Vila Palmares. “Esta unidade do Peg Pese terá cerca de 3.000 m2 de área construída, é mais um empreendimento de grande porte que a gente recebe em Santo André, e que não só vai fazer a economia da cidade e da região girar, como vai criar 300 vagas de emprego. Nesse momento de retomada da economia, com números da pandemia mais controlados, esse é um resultado importante”, disse o prefeito Paulo Serra, em vistoria ao espaço.
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“O setor supermercadista é um dos que mais cresceram durante a pandemia, já empregou mais de 30 mil novos colaboradores no Estado, e Santo André não está perdendo esta grande oportunidade de receber estes investimentos”, frisou o secretário de Desenvolvimento e Geração de Emprego, Evandro Banzato. Ele acrescentou que á realizou contato com os gestores da rede para convidá-los a participar do Programa Moeda Verde, que possibilita a troca de material reciclável por hortifrúti.
Capa de 1998
Posto isso aos leitores, vamos recuperar a Reportagem de Capa de LivreMercado de fevereiro de 1998. Sem deixar de lembrar que tanto aquela revista impressa quanto esta revista digital sempre direcionaram preocupação com os pequenos negócios. Tanto que são 245 matérias que constam deste site com a expressão “pequenos negócios”. Vamos então à LivreMercado de 1998:
O império do salve-se quem puder domina os pequenos negócios do Grande ABC sem que autoridades públicas e lideranças da livre-iniciativa se movam de forma minimamente interessada. Cada novo grande empreendimento comercial ou na área de prestação de serviços que aporta na região, muitos dos quais em reformadas instalações de indústrias que debandaram, é recepcionado com entusiasmo e ufanismo só reservado aos heróis de guerra. É a indispensável modernidade que chega. As pompas variam, mas são geralmente pródigas no Poder Público, que concede facilidades de instalações de olho no bolo de receitas de impostos, muito mais concentrados e, portanto, mais fáceis de fiscalização. Ganham os consumidores, que passam a contar com conjunto cada vez mais completo de produtos e serviços, cujos preços refletem a competição pelo terceiro potencial de mercado consumidor do País. E os pequenos e tradicionais comerciantes de rua e prestadores de serviço, estimados em perto de 40 mil pontos de negócios? A cada nova inauguração de hipermercado, supermercado, grandes redes de autopeças, de móveis e de material de construção, o pequeno empreendedor amarga retração no caixa e engrossa a lista de mortalidade empresarial.
Mais Capa de 1998
O Grande ABC vive momento socioeconômico delicado na área industrial, como todos reconhecem, já que a abertura econômica, a globalização e a estabilidade monetária compõem vendaval de consequências ainda não exatamente dimensionadas. Entretanto, poucos detectaram os percalços entre pequenos varejistas dos centros comerciais históricos, dos corredores econômicos dos bairros e também, ou principalmente, das periferias. A legislação de uso e ocupação do solo é permissiva o suficiente para canibalizar os negócios não só diante da chegada de empreendimentos gigantes como também pela multiplicação desordenada, desorganizada e desesperada dos pequenos. A nordestinação dos negócios na região é realidade cada vez mais palpável. Entenda-se por nordestinação o fenômeno de abertura de pequenos empreendimentos principalmente por parte de desempregados da indústria. Garagens de veículos transformam-se em mercearias, bares, lanchonetes, pizzarias, locadoras de fitas de vídeo, açougues, cantinas.
Mais Capa de 1998
Quem conhece algumas das principais Capitais nordestinas entende a analogia, porque proliferam o comércio e a prestação de serviços de subsistência. Diadema, Município de migrantes nordestinos, é o que mais se aprofunda nesse perfil, mas os demais caminham na mesma direção. Até o aparentemente nobre São Caetano. Com a nordestinação, incham-se as estatísticas do empreendedorismo na região, porque os registros de novas pequenas empresas resplandecem. Trata-se, como se sabe, de falsa equação de desenvolvimento, interessante para discursos demagógicos, já que a locomotiva industrial, força motriz econômica, cada vez mais reduz o universo de unidades e de colaboradores. É verdade que o índice de deserções de empresas baixou em relação aos últimos 15, 20 anos, mas há outro componente quase tão avassalador: investimentos em tecnologia têm como contraface o desemprego tecnológico. Como se já não bastasse o desemprego estrutural.
Contenham-se!
Acredito que a reprodução de uma parte da Reportagem de Capa de LivreMercado que já completou 21 anos dispensa maiores análises. De lá para cá a situação só se tornou mais dramática. O Grande ABC segue caindo pela tabela econômica que, por sua vez, promove o desastre social de reduzir cada vez mais a participação relativa das classes rica e média tradicional, e engrossa o fermento de deserdados e de proletários. Tudo mais que medido e conferido nesta revista digital. Temos o equivalente a uma Diadema e a uma São Caetano de pobres e miseráveis.
Um prefeito preocupado com a população que o elegeu (foram 48% dos votos disponíveis) e um secretário de suposto Desenvolvimento Econômico que não mire o próprio umbigo eleitoral, como tantos outros, deveriam ter obrigação de se conterem diante de mais um investimento que exclui do jogo econômico muitos pequenos e improvisados negócios de subsistência.
Sem manipulação
Não confundam as bolas e não me atribuam conservadorismo demagógico de achar que deve prevalecer o protecionismo anacrônico a empreendimentos fora do tempo e do lugar. Não é isso. Como os trechos acima daquela Reportagem de Capa mostram, o Poder Público e instituições ligadas aos pequenos negócios assistem de camarote a persistente exclusão empreendedora. A nordestinação do Grande ABC segue célere.
Não vou me estender hoje e aqui sobre o que poderia ser feito para conciliar os interesses de pequenos negócios familiares e as redes. Há mecanismos que poderiam ser acionados para tornar o jogo menos cruel. Mas não há quem mexa uma palha nesse sentido.
O prefeito Paulinho Serra e seu secretário merecem sim uma estátua cada um. Para virarem pó em poucos segundos. Eles não têm misericórdia dos pequenos negócios familiares. Mais que isso: são ignorantes, porque acham que supermercados significam Desenvolvimento Econômico. Jamais o foram e jamais o serão porque não passam de captadores líquidos de recursos familiares que outras matrizes econômicas geram para valer. Nem mesmo são fontes de emprego. Os contratos de trabalho que geram são canibalescos, porque retirados de pequenos negócios que resistem até morrerem.
O prefeito Paulinho Serra provavelmente estava em outra estratosfera enquanto a revista LivreMercado circulava com advertências, propostas e ações que desvendaram o Grande ABC daquele então presente e do futuro que chegou não contramão da capacitação dessa gente que manda e desmanda e, ainda por cima, desdenha da realidade. Não é possível que sejam tão ignorantes. No fundo, eles sabem de alguma coisa, mas essa coisa não lhes interessa. Todos estão de olhos vivos nas urnas eletrônicas. E não é por causa da polêmica instalada.
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