Política

Veja como funciona o teatro de
pesquisas eleitorais no Brasil

  DANIEL LIMA - 09/08/2021

A eleição presidencial do ano que vem ainda parece distante. O que fazer quando o cronograma da contagem regressiva for acionado no esperado segundo turno entre candidatos que polarizam a maior parte do eleitorado desde muito tempo? É isso que procuramos mostrar nesse teatro que não pode ser chamado do absurdo, porque é mais que factível.  

Definimos o que chamamos metaforicamente de 11 personagens da eleição presidencial do ano que vem. O que se segue é mesmo um teatro. Os atores poderiam ir para o palco e repassarem didaticamente, como está logo abaixo, um dos mais verossímeis enredos do que teríamos no ano que vem.  

Fiz algo semelhante – mas muito mais prospectivo, a ponto de virar o livro Complexo de Gata Borralheira – em 2002, em homenagem ao prefeito morto Celso Daniel.  

Agora temos o que chamaria de um ato, de uma passagem dos atores. Acho que vale a pena curtir. Acompanhe. E duvide se for capaz. A começar, pelos personagens em questão:   

1. Instituto de Pesquisa. 

2. Grande Mídia. 

3. Voto Consolidado. 

4. Voto Indeciso. 

5. Voto Indiferente. 

6. Voto Nulo. 

7. Voto Útil.  

8. Aprovação. 

9. Reprovação.  

10. Margem de Erro. 

11. Urna Eletrônica.  

Instituto de Pesquisa – Vamos estourar champagnes! Conseguimos o que queríamos! Botamos no segundo turno um adversário de peso para restabelecer nossas relações com o Poder Executivo. Está certo que não foi o resultado dos nossos sonhos, porque há um intruso na linha, mas vamos dar cabo dele agora que temos o segundo turno pela frente. Fizemos o possível até agora. Desgastamos o cara. A imagem dele está em farrapos entre a maioria do eleitorado. Até porque ele facilita tudo. Faremos mais em três semanas de exercícios. Preparem-se que a guerra recomeçou. Ordem unida. Todos contra ele. Sem Terceira Via formal, mas com Terceira Via embutida na Segunda Via.  

Voto Consolidado – Se existe alguém que possivelmente vai ter que se mexer nesse tabuleiro de intenções sou eu. Já estou definido entre os dois oponentes, mas agora preciso agregar mais gente, antes que o Voto Útil tome conta do barraco. Os demais eleitores precisam se definir para que eu não perca o sono. Quanto mais gente vindo para o meu lado, melhor. Detesto vacilões. Meu mundo é preto no branco, branco no preto. Sem racismo, claro.  

Voto Indeciso – Já entendi, já entendi. Você está dando um recado para mim. Deixe-me em paz, por favor! Preciso pensar mais um pouco. No primeiro turno tive muita dificuldade para me decidir, porque eram vários os candidatos. Agora a situação piorou. Não tenho espaço mais largo para me movimentar e arrumar uma justificativa. Minha cabeça está explodindo. Quanto mais quero entender esse jogo, mais me perco. Não é fácil saltar do muro. Quero decidir por mim mesmo, sem apelo de Voto Útil, mas não garanto que não entre nessa barca.  

Voto Nulo – Ainda bem que nada disso me preocupa. Não moverei uma palha sequer para dar vazão à sensibilização dos dois finalistas. Quero-os longe de minha vida. Lavo minhas mãos. Quero estar a cavalheiro para, resultados apurados, agir como franco-atirador. Vocês que se lasquem. E não me incomodem com pregações. Sou Voto Nulo implacavelmente irremovível. E estarei, como sempre, entrincheirado para sair por cima. Minha pregação é o “não”.  E estamos conversados.  

Voto Indiferente – Não estou andando nem nadando para as eleições. Vou ficar na minha. Nem comparecerei às urnas. Vou aparecer nos boletins eleitorais como Voto Ausente. Mas sou mesmo Voto Indiferente. Cresço a cada eleição. Há uma parcela de mim que já morreu, foi enterrada e a Justiça Eleitoral ainda não registrou. Mantém cadastro defasado. Mas a maior parte mesmo é de Voto Indiferente vivo, vivíssimo. Não perco meu tempo saindo de casa. 

Aprovação – Estou de olho em tudo que diz respeito ao segundo turno. Sei o quanto sou considerado um vetor escondido, manipulado, indutivo a construir os resultados combinados. Mexem tanto comigo que tenho dupla personalidade. Tenho de conviver com isso. Sou Aprovação para um, mas não sou Aprovação para outro. Sei que vão me instrumentalizar para lançar pedras no caminho do incumbente, ou seja, de quem está no poder e quer se reeleger.  

Reprovação – Estou pronta para ser usada e abusada. A vítima da vez não escapará. Sou sua metade, Aprovação. Sou seu outro lado. O lado que também sofre com os maniqueísmos, as convicções, as manobras. Tudo isso está em mim. E também em você. A vantagem que levo é que quem está no poder se desgasta. Está certo que tem a máquina pública, mas, no caso específico, tem toda a Grande Mídia e os principais institutos de pesquisa contra. Acho que posso nadar de braçadas. E dar um sufoco no Aprovação.  

Margem de Erro – Deixem muitas tarefas comigo, porque comigo ninguém pode quando se trata de votação. Mas não me usem para esse negócio de Aprovação e Reprovação, que é outro quintal. Estou em dúvida, cá entre nós, se posso tudo mesmo. Desde que cortaram minhas asas, sinto-me um pouco preso. Vamos ver se as coisas vão mudar agora.  

Instituto de Pesquisa – Nem pensar, Margem de Erro, nem pensar. Nada disso. Você continuará sendo de dois pontos percentuais para cima e para baixo. Esse é o padrão internacional. Quando a gente fala padrão internacional, o colonialismo cultural aprova de imediato. Ninguém duvida de margem de dois pontos percentuais. Aliás, muita gente confunde dois pontos percentuais com dois por cento. Gente burra. É como comparar o Corinthians com o Jabaquara. Bem pensando, acho que esse não é o melhor exemplo.  

Margem de Erro – Como assim? Não dá para dar uma esticadinha além dos dois pontos percentuais? Quem sabe, três ou quatro pontos percentuais? 

Instituto de Pesquisa – Nadinha de nada. Os caras já descobriram que margem de erro elástica demais é margem de manobra. Pega mal. A gente não pode abusar. Temos que ser cada vez mais engenhosos. Já chegamos a usar margem de erro de cinco pontos. Tem ideia do que isso significa? 

Margem de Erro – Claro que tenho.! Cinco pontos percentuais para cima e para baixo significa que quem tem 40% passa a ter 45% e quem tem 60% passa a ter 55%. Ou quem tem 60% passa a ter 65% e quem tem 40% passa a ter 35%. Pensando bem, era mesmo de lascar tamanha maleabilidade. É preciso graduação em ingenuidade para acreditar nisso. Por isso o Instituto de Pesquisa nunca errava. Afinal, a diferença poderia ser de 10 pontos percentuais ou de 30 pontos percentuais. As redes sociais não perdoariam tamanha gordura nestes tempos. Iam cair de pau em mim.  

Instituto de Pesquisa – Ainda bem que compreende.  

Voto Nulo – Está vendo por que pulo fora quando se fala em democracia, em eleições? Há gente despudorada a mexer os pauzinhos mesmo com a Margem de Erro de dois pontos percentuais. Que é uma maneira de dar credibilidade ao que está empesteado de manchas.  

Voto Indiferente – Tenho razão quando desconfio desse negócio de pesquisa eleitoral. Ainda mais em segundo turno. Ainda mais num País dividido. Ainda mais com a Grande Mídia na parada, centralizando tudo, conduzindo a manada de Voto Indeciso e de Voto Nulo. E até mesmo de mim, Voto Indiferente.  

Voto Indeciso – Sei de tudo isso, mas não desisto de fazer uma escolha. Mas não tenho pressa. Vou esperar a reta de chegada, talvez menos, mas vou esperar. O Instituto de Pesquisa vai ser a minha bússola. Dizem que é uma roubada cair na lábia do Instituto de Pesquisa, mas é o que me resta. Se mudar a legislação, como estão pretendendo, talvez corra atrás de respostas minhas, não dos outros. Tenho por defeito, como todo mundo sabe, abandonar a mim mesmo. Deixo de ser Voto Indeciso nos últimos minutos do segundo tempo. Com nova legislação, que proibiria publicação de pesquisas nos três últimos dias, ou me decido antes, para valer e com conhecimento, ou fico fora mesmo, como resiliente Voto Indeciso. Engrosso a lista de Voto Nulo.   

Voto Consolidado – Passo por cima de tudo isso porque meu candidato me representa na alma, no coração. Não estou nem aí com tudo que se publica sobre matreirices de pesquisas. Sou o primeiro a mostrar a cara em qualquer sondagem eleitoral. Não tem para ninguém. Mal perguntam em quem vou votar e já estou respondendo. Aliás, muitas vezes nem espero o entrevistador terminar a frase. Os caras do Instituto de Pesquisa nem ousam tentar me seduzir. Tenho posicionamento. E está acabado.  

Voto Útil – Há quem me confunda como o Voto Indeciso. Um erro crasso de quem não entende de eleições. Voto Útil, que sou eu, é voto apenas semelhante ao Voto Indeciso, que é uma dúvida lastreada em conhecimento difuso, rarefeito, em contraditórios que se chocam, em embates sem consciência política e ideológica. Essas coisas. Já eu, Voto Útil, estou pouco me lixando para tudo isso. Sou voto derrotado no primeiro turno que quer encontrar espaço onde caiba algumas de minhas convicções no segundo turno. Sou fruto legítimo da Grande Mídia e do Instituto de Pesquisa. Troco de camisa de candidato em quem votei no primeiro turno quando achar melhor. Está tudo planejado. Só não expresso com todas as letras nas pesquisas porque gosto de suspense. Em termos populares, fico na moita.   

Instituto de Pesquisa – Entre todos vocês, o Voto Consolidado é o que considero um estorvo. Não fosse isso, o primeiro turno teria sido um sucesso com a Terceira Via. O Voto Consolidado não vai nos atender no que pretendemos. Se é o voto da atual situação, não temos possibilidade de alterar nada. Se é o voto de oposição, também não acrescentará nada a nossos propósitos.  Ainda bem que é uma minoria que se manifesta assim. Minoria em termos, porque essa turma cresce na medida em que a eleição se aproxima. Temos margem de manipulação menor, mas continuamos a ter porque os indecisos, os indiferentes e os potencialmente nulos são sempre capturáveis. Basta a gente apertar o torniquete que eles deixam de ser tantos e podem ser o suficiente para nos atender. Nosso plano é esse. Nosso olho tem de estar nessa turma.  

Voto Consolidado – Acho que o Instituto de Pesquisa está equivocado. Eu sou um voto especial porque, ao me consolidar, posso estar livre para fazer a cabeça de muita gente de miolo mole que ainda não se decidiu. Engrosso o caldo de cultura a novos movimentos de definição do voto. Acho que o Instituto de Pesquisa não gosta de mim porque sou um agente perturbador da ordem estabelecida. Mas deixo isso para lá.  

Voto Útil – Não quero meter o bico na conversa, mas esse Voto Consolidado é a antítese de meus cromossomos. É o reverso da medalha.  

Aprovação – Dá para dar uma atenção a mim, um instante? Não se esqueçam todos do poder que tenho. Aprovação é uma palavra forte, que passa credibilidade. Que induz à movimentação das pedras daqueles votos não consolidados, ou seja, essa trinca que está aí, Voto Indeciso, Voto Indiferente e Voto Nulo, além do estepe chamado Voto Útil. Quem cai na minha, está provado, tende a abandonar a própria identidade na hora da chegada. O Voto Indiferente é o mais recalcitrante. Costuma ficar em casa. Não aparece nas urnas. É uma peste contra a democracia.  

Reprovação – Você vai me desculpar, caro Aprovação. Mas quem tem mais força subjetiva mesmo para demarcar o território de rejeição a uma candidatura sou eu. Reprovação, que sou eu, é muito mais forte quando a disputa vai se estreitando. 

Aprovação – Não vou discutir com você, Reprovação. Só sei que tenho meu espaço mais que importante nesse negócio de eleição.  

Margem de Erro – Acho que sou obrigado a concordar que perco a disputa como patente de influência para vocês dois, Aprovação e Reprovação. Culpa de quem cortou minhas pernas mais longas.  

Instituto de Pesquisa – Se você, Margem de Erro, não entendeu, vou repetir: a palavra mágica das pesquisas eleitorais é credibilidade. E você, assanhada como estava no passado, causava muitas restrições. Mas não esqueça que a utilizamos ainda à exaustão. Contamos com mecanismos para fazer você aparecer e supostamente manter o jogo igual, em empate técnico. Sem os dois pontos percentuais bem calibrados, você, Margem de Erro, seria morta e enterrada.   

Margem de Erro – Sei disso. Como nas respostas às perguntas centrais eu não posso passar de dois pontos percentuais para cima e para baixo, entro em campo nas perguntas ramificadas, derivadas de perguntas principais. Aí o céu é o limite. Tanto quanto a especulação.  

Instituto de Pesquisa – Não fica contando essas coisas porque assim você nos desmascara. Não vá dizer por aí que os grupos sociais, de escolaridade, de atividades econômicas, de renda, de religião, que entram nas pesquisas, deveriam ser omitidos nas avaliações, porque representam apenas parte dos respectivos entrevistados, ou seja, não são o universo exigido pela Margem de Erro de dois pontos percentuais para ter tônus estatístico.  

Margem de Erro – Você, Instituto de Pesquisa, acha que vou dizer para todo mundo que, por exemplo, quando tratamos de eleitores que se configuram como detentores de Ensino Superior, eles não passam de 10% das entrevistas? Se são 10% do total das entrevistas e a margem de erro da pesquisa geral exige dois mil entrevistados, então os portadores de diplomas universitários deveriam constar de uma amostra específica de duas mil entrevistas. Portanto, os resultados que aparecem são falsos. Todas as demais categorias deveriam obedecer ao mesmo critério. Margem de Erro de 200 entrevistas, ou seja, de 10% da amostra de dois mil questionários, é uma senhora Margem de Erro. Daria mais de 20 pontos percentuais.  Basta multiplicar por 10, ou seja, 200 entrevistas específicas vezes 10 se chega a duas mil entrevistas. Sei que sou complicada, mas Margem de Erro é isso mesmo.  

Instituto de Pesquisa – Está vendo como você, Margem de Erro, ainda vale ouro? 

Margem de Erro – Não é exatamente ouro, mas é um valor importante. Com os resultados secundários que você apresenta, acabo distorcendo as coisas e você me leva para onde quer. Por isso me trate bem. Combinado? 

Instituto de Pesquisa – Combinadíssimo.  

Grande Mídia – Estamos felizes porque vocês fazem o jogo que queremos. Quanto mais nosso desafeto receber reprovação, mais estimulamos, nas entrelinhas ou mesmo de forma escancarada, o que pretendemos. Mas ninguém pode saber. Vamos sempre vender o prevalecimento intocável da ciência embutida nos questionários.  

Instituto de Pesquisa – O que acertamos não é caro. Estamos juntos.  

Aprovação – Vou ter de suportar essa malandragem? Está vendo porque as pesquisas eleitorais precisam ser disciplinadas. Precisam de cabresto legal?  

Reprovação -- Nada disso! O jogo jogado livremente é melhor. Democracia é isso. Os incomodados que se retirem.  

Voto Indiferente – Não sei por que, mas sinto o cheiro da brilhantina de manipulação toda vez que ouço falar ou vejo esse tal negócio de Aprovação e Reprovação.  

Voto Nulo – O que você enxerga com dificuldades eu vejo com clareza. Tem maracutaia aí, gente! 

Voto Consolidado – Não quero nem saber. Ou melhor, quero saber sim. E cada vez mais que desconfio das pesquisas, mais me acerto com meu candidato. Ninguém vai abalar minhas convicções. 

Voto Indeciso – Pena que não possa falar a mesma coisa. Fico igual criança em parque infantil, que não sabe que brinquedo escolher. 

Instituto de Pesquisa – Meus amigos da Grande Mídia, temos uma fartura de medidas para tomar conta do barraco de tendências eleitorais. As pesquisas são um corolário disso. Quando levadas à mídia de massa, tornam-se um bólido de indução e de catequização do eleitorado. Temos pesquisa de pesquisa que diz que pesquisa eleitoral é tiro certo em boa parte do eleitorado. A gente impressiona o eleitorado. Basta não exagerar na dose.  

Grande Mídia – Tem gente que ainda não captou que passamos o tempo todo em campanha eleitoral disfarçada de informação, de liberdade de imprensa e de opinião. O que estamos é produzindo, também, insumos que vão resultar em mexidas nas pesquisas eleitorais. Mexidas que de novo serão ingredientes de um caldeirão de interpretações que retroalimentam nossos objetivos.  Já foi o tempo que o Instituto de Pesquisa tinha audiência limitada ao papel. Agora tem as redes sociais e as cadeias de radio e televisão em ações demolidoras. Pesquisa eleitoral, cá entra nós, é uma instituição, um poder paralelo que se junta ao poder oficial. A gente protege e privilegia, quando não persegue e destrói. Deixa com a gente.  

Instituto de Pesquisa – Estamos tão alinhados em nossos propósitos que já imaginava que você, Grande Mídia, fosse falar por nós com tanta desenvoltura.  

Grande Mídia – Estamos juntos, caro Instituto de Pesquisa. 

Instituto de Pesquisa – Mal sabem os leitores que também são ouvintes e telespectadores o quanto me esforço para sustentar cientificidade uma atividade com alto grau de pecados humanos.  

Voto Indiferente – É verdade, é verdade, mas mesmo sem saber, sinto que sei porque sou o que sou. 

Voto Nulo – E eu também. 

Voto Consolidado – E eu também. Revoltado se meu candidato é a vítima da vez. 

Voto Indeciso – No fundo, desconfio de tudo isso. Como não tenho certeza, fico na minha omissão particular.  

Instituto de Pesquisa – Vocês têm ideia o que é construir uma série de perguntas que levamos aos eleitores em forma de entrevista? Tudo tem uma ordem que, aqui entre nós, chega a ser maquiavélica. O enunciado é a chave da questão. Dependendo da forma e das perguntas, a resposta é potencialmente aquilo que pretendemos. Ou muito próximo disso.  

Grande Mídia – Calma, lá, Instituto de Pesquisa. Não vai dizer que pretende revelar todos os segredos? 

Instituto de Pesquisa – Nem pensar. Apenas umas pitadinhas, para mostrar que não estamos no mercado de votos à toa. Não vou contar mais coisas porque sei que pode nos prejudicar. Sabe aquela da ordem das perguntas? Posso falar? Uma pergunta antecedente pode fermentar o que pretendemos na pergunta seguinte, ou no desenvolvimento da entrevista. A mente humana é assim: funciona de acordo com um processo de complementaridade. Só os cabeças de vento não entendem disso.  

Grande Mídia – Uma foto aqui, uma imagem ali, uma manchete acolá, uma abertura de matéria de uma forma, uma omissão aqui, um privilégio ali e, pronto, temos a massa de controle de boa parte dos eleitores que são leitores, ouvintes e telespectadores.  

Instituto de Pesquisa – Vou contar um caso que a gente usa muito, mas que fique entre nós. Perguntar ao entrevistado se ele é favorável ou não ao impeachment do presidente vicia as respostas seguintes. O Voto Indeciso, o Voto Indiferente e o Voto Nulo são os alvos principais. Muitos abandonam seus territórios e aderem ao que queremos. Quem diz que a ordem dos fatores não altera o produto final é ruim da cabeça ou não entende bulhufas do que somos como Instituto de Pesquisa. 

Aprovação – Não queria meter o bedelho, mas estou preocupado porque pesquisas que fogem do nosso controle garantem que é cada vez maior o contingente de gente que está no outro time, no time da Reprovação. Vou ser objetivo, Grande Mídia. Há cada vez mais gente achando que você não é confiável. Os números ainda não são semelhantes aos que desqualificam as redes sociais, mas já se aproximam.  

Reprovação – Também não queria interferir nesse assunto, mas sou prova provada de que a maré não está boa para você, Grande Mídia. É melhor se cuidar.  

Instituto de Pesquisa – Sou obrigado a dizer que temos alguns trabalhos nesse sentido e os resultados não são nada agradáveis. É claro que não os divulgamos, porque nos pegaria mal, muito mal. O pior é que nós também estamos sendo varridos do mapa da alta credibilidade do passado. Não vamos abrir os dados que temos. Nosso consolo é que o Judiciário, especialmente o Supremo Tribunal Federal, está na mesma frequência de perdas. Ou você acha que um dos candidatos, aquele que precisamos defenestrar, não conta com pesquisas que dizem o que somos?  

Grande Mídia – Acho melhor a gente mudar de assunto. Aqui temos de tratar de pesquisa eleitoral. Qualquer outra coisa não nos interessa. O nosso está na reta e temos de batalhar para mudar o que está aí. E não podemos perder a oportunidade porque o que temos aí, como incumbente, é um desaforado que faz um monte de besteiragem. E isso tem de ser amplificado. E nada de dar razão a ele onde ele tem razão, porque ele faz tanta besteira que mesmo onde tem razão passa a ter a razão sob suspeição. Não é que deu rima? Mais que rima, parece uma letra pronta para música popular.  

Instituto de Pesquisa – Estou com você, Grande Mídia. Vamos centralizar preocupações nas pesquisas. Que é o nosso negócio. E que negócio!  

Grande Mídia – Por favor, não conte mais nada de nossos segredos da Coca Cola. 

Instituto de Pesquisa – Você acha que vou dizer que uma de nossas alquimias é dar um jeito de privilegiar proporcionalmente redutos eleitorais reconhecidamente mais ajustados aos nossos interesses? Que vamos usar esse mecanismo para a finalidade que mais nos interessa, de puxar a brasa para a nossa sardinha, até que, sem precisar mexer muito, poderemos chegar aonde queremos de acordo com cada rodada eleitoral? Isso não conto em detalhes de jeito nenhum. 

Grande Mídia – Ainda bem, ainda bem. Temos de nos precaver. O que não falta é gente para nos bisbilhotar.  

Urna Eletrônica – Estou esperando por vocês todos. Louquinha para dar um show de agilidade, de rapidez. Só espero que desta vez não queiram tirar minhas roupas tecnológicas, ou minimizá-las, e enfiar papel adentro. Não vou discutir com vocês se devo permanecer invicta, intocável, porque seria suspeita em defender minha virgindade material. O que posso garantir a todos é que com papel adentro ou sem papel adentro quero mesmo é virar destaque do ano. E não está nada difícil.  Se me respeitarem com ou sem novos apetrechos, é o suficiente.  

Instituto de Pesquisa – Me divirto com tudo isso. Enquanto discutem o DNA das urnas eletrônicas, sigo meu reinado. Essa turma toda não enxerga o óbvio. Estão todos preocupados com a fita de chegada, enquanto vou ganhando a maratona a cada etapa.

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