Administração Pública

Tite Campanella escorrega e
entrega rapadura em entrevista

  DANIEL LIMA - 29/07/2021

Toda a habilidade verbal de político experiente do ex-vereador e agora prefeito interino Tite Campanella foi para o espaço sideral ao entregar o ouro da realidade dos fatos em entrevista ao Diário do Grande ABC de ontem.  

Tite Campanella fez um esforço tremendo para retirar São Caetano da zona de rebaixamento de qualidade de vida. Tanto que enrolou sobre a fuga da Casas Bahia, fez mil elogios à USCS, Universidade Municipal que está entre as piores colocadas do ranking da Folha de S. Paulo e, na esteira da mesma USCS, ignorou olimpicamente os danos locais provocados pela Covid, desgraceira que colocou São Caetano no mapa internacional dos piores lugares para viver há mais de um ano e meio, porque a morte campeia com rigor.  

Fez tudo isso com esmero. Mas escorregou no tomate da verdade insofismável de empobrecimento contínuo de São Caetano e o que isso representa aos investimentos públicos em infraestrutura conectada à economia, força motriz de qualquer comunidade. 

Tite Campanella talvez não devesse se esforçar tanto para tapar o sol de complicações com a peneira de um triunfalismo injustificável.  

Personagem anedótico 

A parcela de responsabilidade individual de Tite Campanella no esboroamento econômico e social de São Caetano é ínfima ante antecessores eleitos pela população e que habitaram o Palácio da Cerâmica por anos a fio e a pavio.  

Tite Campanella quebrou o galho de todos eles, mas se misturou a uma turma que tem muita culpa no cartório, avalizando-os.  

Na entrevista ao Diário do Grande ABC, Tite Campanella atuou como aquele personagem do Chico Anísio (vejam aí se o nominam, porque estou sem tempo), que, na hora de receber um 10, caiu do andaime da reprovação.  

Afinal, onde foi que Tite Campanella cometeu o maior ato falho, impensado diria, mas de subconsciente esclarecedor, numa Entrevista Desejadíssima do Diário do Grande ABC?  

Entrevista Desejadíssima é quando vai além da Entrevista Desejada. Ou seja: se eleva à enésima potência o capricho para que o entrevistado construa uma montanha de positividades.  E Tite Campanella não decepcionou. Distante disso. Até que chegou ao ponto fora da curva do programado e tão ambicionado encontro com uma fantasia para comemorar o aniversário da cidade.  

Que encontro com a fantasia? Ora, omitir que São Caetano que cai pelas tabela sanitária nestes últimos 18 meses de Pandemia. Mais? Que está na zona de rebaixamento de Desempenho Econômico neste século quando se tem o ranking do G-22, o Clube dos 20 Maiores Municípios do Estado de São Paulo (Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra só estão na agremiação para cumprir tabela regional). Outra? O rombo mais que econômico, que é bastante, mas também à imagem do Município no caso da Casas Bahia. Tite Campanella evitou qualquer correlação com o vetor político. Justamente o ambiente político, matriz da debandada da empresa-símbolo de São Caetano.  

Perguntas e respostas  

A parte da entrevista ao jornal que colocou Tite Campanella de quatro para a situação real de uma São Caetano cada vez mais comprometida economicamente, conforme provam inúmeros indicadores que CapitalSocial produz há tanto tempo, essa parte da entrevista em forma de pedra no meio do caminho do negacionismo, está em duas perguntas sequenciais e complementares e as respectivas respostas de Tite Campanella. Acompanhem que, em seguida, faço os devidos comentários:  

Diário do Grande ABC – O sr. Anunciou contenção de gastos, dentro do contexto da pandemia e de compra de vacinação. A aquisição de imunizantes não foi aberta aos municípios. Pretende continuar com o contingenciamento e o que fazer com a econômica alcançada? 

Tite Campanella – Vamos manter a economia. Quando preparou isso em 2020 não se sabia qual seria a perspectiva para o ano vigente ou como ia se comportar a arrecadação. Vinhamos de ano anterior que teve desaceleração econômica forte. Não sabíamos como iam ser as despesas. Fizemos ajustes, contingenciamento de 6%, e outras ações que levaram a ter economia no fim do exercício próximo a R$ 90 milhões.  

Diário do Grande ABC – Até quando seguirá a medida? 

Tite Campanella – A gente teve surpresa arrecadatória. Linha de receita que não desapontou. Por outro lado, tivemos problemas de inadimplência de uns impostos municipais, como de água, por exemplo, que também atrapalharam um pouco a estabilidade orçamentária e financeira. Mas no fim das contas chegamos em limite de equilíbrio. O programa de parcelamento de débitos tem R$ 20 milhões, podemos atingir R$ 40 milhões até o fim. O Saesa tem 25% de inadimplência. Vivemos período de calamidade, isso vai ter que ser negociado. Por isso, a economia vamos deixar no caixa. Temos obras importantes para fazer, a exemplo do Viaduto Independência, que liga a cidade à Vila Prudente. É muito antigo, que necessita de recuperação. Está (pedido de empréstimo), na CAF (Corporação Andina de Fomento, banco de desenvolvimento da América Latina). 

Trechos escrutinados   

Bastam esses dois trechos para desvendar de exageros os conjunto da entrevista de um prefeito que, repito, não tem muito a ver com o cheiro da brilhantina de fragilização de décadas de São Caetano. Vou fazer rápida avaliação do que considero os pontos principais das respostas sequenciais ao Diário: 

1. Tite Campanella confessa que são os impostos não municipais que estão segurando um mínimo da barra orçamentária de São Caetano. Isso significa que os contribuintes do Município, os quais sofrem com uma das maiores cargas tributárias no País (tudo muito bem explicado por CapitalSocial em inúmeras análises) não estão suportando o peso fiscal. Abriram o bico na pandemia. 

2. Tanto abriram o bico (e vejam só como a situação está gravíssima) que nada menos que um a cada quatro contribuintes não consegue pagar as contas de suprimento de água. Tite Campanella disse textualmente que a Saesa (autarquia de água e esgoto) contabiliza 25% de devedores. Se o fluxo de caixa das famílias não suporta nem mesmo a demanda por água, insumo prioritário, imaginem outras despesas obrigatórias.  

3. Escorchados por impostos elevadíssimos, os contribuintes de São Caetano estão recorrendo a uma espécie de Refis (o tal parcelamento de débitos) para saírem do sufoco da inadimplência, provavelmente em larga escala do IPTU. São Caetano cobra os maiores valores por metro quadrado de IPTU no G-22.  

4. É tamanho o envelhecimento da infraestrutura física de uma São Caetano que nos bons tempos arrecadatórios ostentava privilegiada posição na região que um antigo viaduto que liga duas áreas importantes ao Município requer investimentos que só estão nos planos porque viria dinheiro de fora, do estrangeiro, de um banco de fomento. Tite Campanella poderia dizer quanto há no orçamento para obras que poderiam mudar o estado vegetativo da logística de São Caetano. Duvido que exista essa rubrica.  

5. Tite Campanella disse também literalmente que “vivemos período de calamidade”. É mais que provável, é certo, que estava se referindo à situação de São Caetano, independente de algo semelhante no País por conta da Pandemia. O tom geral da entrevista do Diário do Grande ABC é inversamente proporcional a esse desencanto específico.  

Sobrevivência empreendedora   

Uma outra pergunta do Diário do Grande ABC a Tite Campanella poderia ser acrescida para dimensionar a situação da população local. Vejam: 

Diário do Grande ABC – Em situação crítica da pandemia na região, a Prefeitura entrou com ação judicial, em março, para progredir São Caetano à fase laranja. Desta forma, registrou pontos com o comércio Qual o balanço pós-medida? 

Tite Campanella – A classe produtiva, sempre que pode, reconhece esforços. Na verdade, não lutamos para arrecadar mais impostos. A luta foi para que eles pudessem colocar comida na mesa deles. Era situação muito difícil. Alguma coisa precisa ser feita.   

Resumo interpretativo: São Caetano é um dos municípios brasileiros que contam com maior números de pequenos negócios de comercio e serviços em relação à população a que serve. É uma competividade geral pela sobrevivência. Os áulicos do poder poderão dizer que é capacidade empreendedora da população. São esses intérpretes mais que desumanos. A viuvez industrial deixou esse rastro de salve-se-quem-puder que a Covid expôs de forma crua.  

Calcanhares de Aquiles 

Para completar, outros três calcanhares de Aquiles que brotaram das declarações de Tite Campanella: o endeusamento da USCS, o desdenhar dos danos causados pela retirada da Casas Bahia e o desempenho durante a Pandemia. Vou ser breve. 

1. A USCS pode ter aqui ou ali um nichozinho de qualificação técnica prática, não se deve duvidar disso. Mas no caso específico do enfrentamento ao Coronavírus, o prefeito parece ter exagerado um bocado. Os números recordistas de óbitos em São Caetano seriam possivelmente menos dramáticos se desde o início a massa crítica da USCS fosse utilizada numa espécie de força-tarefa para combater a Pandemia. Sem contar que, entre os comissionados da Prefeitura, pelotões poderiam ser deslocados às ruas, às residenciais, para medidas de orientação e profiláticas preventivas. 

2. Tornar a saída da Casas Bahia uma coisa qualquer, como se não fosse o que é e o que já escrevi sobre isso, é no mínimo desdenhar do impacto econômico, financeiro e de ambiente produtivo. Tite Campanella disse na entrevista que a Casas Bahia vai manter o CNPJ e que, portanto, não desfalcará a Prefeitura em impostos. Não é bem essa a informação que gira oficialmente na empresa. Falta esclarecimento, portanto. 

3. O desempenho da área da saúde durante a Pandemia que ainda não se foi é pífio, e está retratado no ranking de mortes por 100 mil habitantes, que é a métrica adotada oficialmente para se conhecer a situação de cada localidade. 

Conclusão final: Tite Campanella perdeu uma grande oportunidade para levar a sociedade consumidora de informações uma mensagem de valor agregado que não tratasse a realidade como fantasia. Uma fantasia recheada de contradição e desclassificatória se o conceito de responsabilidade social for adotado. 

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