Política

Eleição presidencial é caixinha
de surpresas? Tire suas dúvidas

  DANIEL LIMA - 13/07/2021

A disputa pela presidência da República no próximo ano é uma caixinha de surpresas quando explicada por três personagens que se manifestaram nos últimos dias nas páginas do jornal Valor Econômico. Duvido que o leitor seria capaz de acertar o nome dos narradores dos três cenários que exponho em seguida, caso não advertisse na manchetíssima. São cenários dos quais discordo sem, com isso, pretender ser um Marco Aurelio Mello do jornalismo. Explico mais abaixo as razões. Agora, tente entender:  

1. O que exporia um ex-múltiplo ministro do Regime Militar quando instado a dizer quem vencerá a disputa, se Lula da Silva ou Jair Bolsonaro? 

2. O que diria um ex-militante da Ação Popular, movimento marxista católico que atuou durante o golpe ou a revolução de 1964? 

3. O que diria uma especialista em matéria de pesquisas eleitorais quando se coloca em questão a polarização entre Lula e Bolsonaro como expectativa central da disputa?   

Aí está a vitrine desafiadora aos leitores. Desafiadora no sentido de que de cara se colocaram em xeque as respostas mais óbvias.  

Um servidor do Regime Militar diria que o ex-capitão do Exército Jair Bolsonaro é o favorito.  

Um ex-esquerdista-guerrilheiro não teria dúvida em cravar Lula da Silva.  

E uma especialista em pesquisa não arredaria pé em repetir exaustivamente a lógica de que Bolsonaro e Lula patrocinarão o embate presidencial.   

Lula no primeiro turno  

Mas não é bem assim tanto para um quanto para os demais entrevistados. Vou reproduzir parte do material publicado pelo Valor Econômico. Sob o título “Para Delfim, Bolsonaro está sozinho e não ameaça instituições”: 

 Ex-ministro da Fazenda (1967-1974), Agricultura (1979-1980) e Planejamento (1980-1985), 93 anos, o economista Antonio Delfim Netto é o último signatário vivo do Ato Institucional número 5, de 13 de dezembro de 1968, momento mais amargo da ditadura militar brasileira entre 1964 e 1985. Hoje é um interlocutor de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e está absolutamente convicto de que uma ruptura institucional para evitar a volta da esquerda ao poder é um cenário impensável. Delfim mantém a aposta de vitória de Lula ainda no primeiro turno, conforme avaliação que fez em meados de março, época em que o ex-presidente recuperou seus direitos políticos. Lula foi condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, no âmbito da Operação Lava-Jato, decisão confirmada em segunda instância em 2018 por unanimidade. (...) O ex-ministro acha sem fundamento a polarização instalada no País, da qual o antipetismo impulsionado pelas revelações que vieram à tona na Lava-Jato foi um dos motores. (...) “Não creio que haverá o menor risco (de ruptura institucional). Acho que ele (Lula) vai ganhar, e no primeiro turno. O presidente Bolsonaro é forte, mas não ameaça as nossas instituições. Absolutamente ridículo imaginar que o Bolsonaro, perdendo, como vai perder, produzirá uma revolução no Brasil. Ele está sozinho. Essa que é a verdade. As instituições no Brasil são sólidas – disse Delfim Netto. 

Bolsonaro no segundo turno   

Agora alguns trechos da matéria do Valor Econômico, publicada na mesma página da entrevista com Delfim Netto, sob o título “Para Mendonça de Barros, falta frieza na análise política”: 

 O economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, 78 anos, ex-presidente do BNDES e ex-ministro das Comunicações no governo Fernando Henrique Cardoso, tem todas as credenciais para, do ponto de vista político, ser enquadrado como um crítico ao presidente Jair Bolsonaro. Mas sua análise em relação ao quadro eleitoral do próximo ano é fria. Ele vê um cenário amplamente favorável à reeleição, e adverte que, em sua opinião, os observadores da cena nacional estão pensando com o fígado. “A ideologia está atrapalhando a análise”, afirmou, em conversa com o Valor na semana retrasada. A razão central, na opinião de Mendonça de Barros, será o impacto do cenário econômico internacional no quadro político brasileiro. Em um panorama de retração econômica mundial, diminui o horizonte para a permanência de governantes. Não é o caso atual. No momento, em sua opinião, há condições de se entrar em um ciclo longo de crescimento, evidenciado sobretudo na recuperação de preços das commodities. (...) De acordo com Mendonça de Barros, será impossível o ambiente de melhora da confiança não impactar o quadro político. “Bolsonaro está no fundo do vale. Vamos ser conservadores na análise. Claro que a quantidade de mortos da tragédia da pandemia vai cobrar seu preço, mas não acredito que seja determinante”, diz. “É preciso ver as coisas com frieza. As pessoas superam traumas, elaboram luto. Estão vacinando mais de um milhão de pessoas por dia”.  

Terceira via viável   

Agora, para completar o trio surpreendente, reproduzo também alguns trechos da matéria publicada ontem pelo Valor Econômico sob o título “Eleição de 2022 não está no radar do eleitor, diz Cavalllari: 

 Na contramão de boa parte dos políticos, analistas, jornalistas e operadores do mercado financeiro, a diretora-geral do Ipec, Márcia Cavalllari, uma das maiores especialistas do Brasil em pesquisa eleitoral, sustenta que é cedo para fazer qualquer afirmação mais assertiva sobre as eleições de 2022 e garante que a disputa presidencial ainda é um tema distante na lista de preocupação dos brasileiros. Diz ainda não se impressionar com o quadro de polarização entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o atual, Jair Bolsonaro, afirmação como potencial de manter acesa a esperança de quem torcer por uma terceira via na disputa do ano que vem. Márcia é cofundadora do Ipec, sigla de Inteligência em Pesquisa e Consultoria, empresa formada por ex-executivo e ex-funcionários do Ibope Inteligência. Ela atuou por vários anos como responsável e porta-voz do extinto ramo de sondagens eleitorais e outras modalidades de pesquisa de opinião pública do Ibope. “Eu acho que é muito cedo pra tirar qualquer conclusão da próxima eleição. Já vimos isso: campanhas começam de um jeito e terminam de outro. E a eleição ainda não está no radar do eleitor. O eleitor, neste momento, está muito mais preocupado com o avanço da vacinação, pandemia, a retomada do emprego, aumento de preços. O eleitor está na coisa da sobrevivência. Não está ainda pensando em eleição”, disse.  

Discordando e explicando   

Antecipei na abertura que não concordo com nenhum dos três enunciados dos entrevistados do Valor Econômico. A vitória de Lula da Silva no primeiro turno, projetada por Delfim Netto, é possivelmente a hipótese mais improvável. A vitória de Jair Bolsonaro, segundo avaliação de Mendonça de Barros, é menos improvável que a vitória de Lula da Silva no primeiro turno, mas também está condicionada a uma série de ocorrências macroeconômicas e micropolíticas. Não creio que as mortes do Coronavírus deixem de pesar na balança de definições dos eleitores, sobretudo porque o governo federal cometeu uma série de barbaridades e equívocos nem tão graves entre governadores e prefeitos eclipsados exatamente porque a turma de Brasília se excedeu. 

Quanto à entrevista da ex-Ibope, Márcia Cavalllari, trata-se de uma derrapagem e tanto. E recorro a mais uma publicação do Valor Econômico, agora de 26 de junho, para justificar a assertiva de que uma especialista não pode cometer tamanha barbaridade interpretativa, ou seja, considerar que a política não está tirando o sono de muitos brasileiros. Reproduzo alguns trechos do Valor Econômico sob o título “Brasileiro percebe polarização acima da média mundial”.  

 De cada dez brasileiros, oito concordam que há muita ou considerável tensão no país, entre apoiadores de diferentes partidos políticos. O resultado foi apurado numa pesquisa global da Ipsos que investigou a percepção das pessoas a respeito de temas como potencial de gerar tensão e polarização nas sociedades. A pesquisa foi feita simultaneamente em 28 países, com 23.004 entrevistas no total. As pessoas foram provocadas a dizer se enxergavam muita tensão, considerável tensão, pouca ou nenhuma tensão em diversos campos, como nas relações entre ricos e pobres, entre adeptos de diferentes religiões e entre homens e mulheres. O Brasil ficou acima da média mundial em 11 das 12 questões investigadas. Só ficou abaixo da média no questionamento sobre a relação entre imigrantes e pessoas nascidas no próprio país. Entre os brasileiros, o caso mais exacerbado foi o de apoiadores de diferentes partidos políticos, com 83% de respostas positivas (entrevistados que enxergam muita ou considerável tensão nesse campo) – escreveu o Valor Econômico.  

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