Entrevista Indesejada

Lava Jato deve pegar pelo menos
uma dúzia de bandidos na região

  DANIEL LIMA - 11/01/2016

Promessa feita, promessa cumprida: estou respondendo à demanda de indagações de leitores desta revista digital, conforme me propus em dezembro passado. Entrevista Indesejada só assusta quem tem muito a esconder.  É a segunda vez em oito anos que me proponho a responder aos leitores. A quase totalidade das edições de Entrevista Indesejada formulada por este jornalista a personagens da Província do Grande ABC deu com os burros nágua. Poucos têm coragem de enfrentar questionamentos. Entre os 20 temas que enfrentei, alcei à condição de manchete a Operação Lava Jato. Quantos teriam a ousadia de responder sobre o futuro das investigações da força-tarefa na região? Pois não tenho o menor receio em dizer que uma dúzia de bandidos sociais da região seria o número mínimo, básico, que o Ministério Público Federal e a Polícia Federal poderiam somar nas investigações locais.

 

É claro que não se trata de chutometria. Não teria sentido transformar essa que é a maior ação investigativa da história do País em prática lotérica. A delimitação mínima daquele número decorre de conhecimento da terra em que piso, permeadíssima de gente que não tem limites para definir as áreas das quais se tornam mandatários.

 

Outras 19 questões foram transformadas em respostas que, acredito, igualmente diferenciadas neste mundo em que a maioria foge da raia do comprometimento com o futuro. Há um preço a pagar por isso. O que fazer se tudo é uma síntese da linha editorial desta revista digital, sequência da revista LivreMercado, a qual comandei durante duas décadas?. O que posso fazer se a imperiosidade de dar respostas é uma das porções sagradas do exercício de jornalismo sem rabo preso com quem quer que seja?

 

Acho que vale a pena os leitores acompanharem as respostas. No mínimo porque, neste espaço, não há a menor possibilidade de a hipocrisia, o obscurantismo, a esperteza e muito mais sobreviverem.

 

 Sobre a Operação Lava Jato

 

Qualquer investigação que resulte no envolvimento de menos de uma dúzia de gente com relacionamento proeminente na região nos últimos anos ganhará forma e cheiro de marmelada. Como não acredito que a força-tarefa deixará de mostrar algumas de nossas mais imundas vísceras, aposto nessa dúzia como limite mínimo de desmascaramentos numa etapa inicial que chamaria de regionalização dos escândalos. Os aspectos políticos que colocaram a região no entorno imediato do governo federal, sobretudo com a vitória de Lula da Silva em 2002, obrigatoriamente remetem personagens locais a noites insones, ao consumo de calmantes em proporções inimagináveis a cada nova etapa da Operação Lava Jato. O japonês bonzinho aterroriza quem nadava de braçadas na região. Estou estranhando, e estranhando muito, que o Polo Petroquímico de Capuava, entre Santo André e Mauá, ainda não tenha tido o devido aprofundamento na Operação Lava Jato. Não se deve esquecer, jamais, das alterações societárias que recolocaram a antiga Petroquímica União, depois Quattor e agora Braskem, como empresa do conglomerado Petrobras. Quando o braço da Polícia Federal estender-se àquelas torres petroquímicas, se já não se está estendendo, a probabilidade de a Província pegar fogo não será apenas conjectura, mas consequência natural.

 

 Sobre a Administração Luiz Marinho

 

Alguns braços e pernas marqueteiras do prefeito de São Bernardo tentam vender a ideia de que ele fez obras e mais obras que poderão lhe dar a garantia de boa imagem eleitoral no futuro. Há evidente exagero. Os cofres federais minguaram com os estragos deixados por Lula da Silva que Dilma Rousseff agravou. Sem dinheiro federal São Bernardo é muito menos vigorosa no cumprimento de metas de infraestrutura social e material. Como Marinho é incompetente como empreendedor público, egresso de um sindicalismo que enxerga o capital como estrupício, pelo menos o capital fora de seu alcance mais interesseiro, São Bernardo come poeira de outros territórios muito mais competitivos na atração de investimentos. Mais que isso: São Bernardo não só não atrai investimentos como os afugenta com o sindicalismo renitentemente corporativista e atrasado.

 

 Sobre a Administração Carlos Grana

 

Não fosse o fato de que é bastante agradável, Carlos Grana estaria em situação pública mais incômoda que Luiz Marinho. A diferença entre os dois petistas é que Luiz Marinho é intragável, pautando comportamento pela prepotência e obscuridades. Guardadas as devidas proporções, Grana é um Lula da Silva na arte da comunicação.  Mas é pobre em preparo organizacional, maleável demais às forças estranhas de pressão e negligente com um secretariado de baixa qualificação. Grana é uma ótima companhia a quem detesta monotonia e solidão, mas vai virar folclore administrativo porque terá passado por Santo André engordando indefinidamente o Observatório de Promessas e Lorotas.

 

 Sobre o governo Dilma Rousseff

 

A gestão Dilma Rousseff é a metade pobre da laranja petista que contou com oito anos de Lula da Silva. Quem entende alguma coisa de lavoura sabe que a metade da laranja podre não salva a metade da laranja aparentemente saudável, até porque é resultado das mesmas raízes. Lula da Silva deixou uma bomba-relógio que explodiu no colo de Dilma no campo econômico, com consequências desastrosas que já começam aparecer. Como é o caso da regressão da mobilidade social, ou seja, a chamada nova classe média, que de classe média não tem nada. Uma classe popular que retrocede aceleradamente à condição de Classe D e Classe E. Vivemos explosão de consumo deliberada e desmedida pela política econômica de Lula da Silva, seguida durante algum tempo por Dilma Rousseff, sem o anteparo de sustentabilidade de investimentos que a redução dos valores e da demanda das commodities colocou no devido lugar. Venderam um País de Primeiro Mundo sem se darem conta de que a base da riqueza foi praticamente destruída. É claro que estou me referindo à indústria de transformação. A Província do Grande ABC é prova do quanto a desindustrialização pode produzir de estragos. Quanto aos escândalos petistas, nada mais lógico para quem sabe como funcionou e ainda funciona, agora de forma ressabiada, é verdade, o laboratório do partido nesta Província. Mas acho que Dilma Rousseff deve seguir presidente. Primeiro porque não é a primeira nem a última gestão pública a dar pedaladas, prática mais que comum a comprovar as iniquidades éticas do Estado brasileiro. Segundo porque o PT precisa carregar no currículo todos os estragos de 16 anos de contradições de dormir com os pobres e acordar com os poderosos.

 

 Sobre a atuação sindicalista

 

Do florescer da cidadania corporativista no chão de fábrica com a rebeldia da turma de Lula da Silva no final dos anos 1970 à consolidação do corporativismo ideológico destes tempos o que sobra do movimento sindical, sobretudo do setor metalúrgico, são esqueletos que espantam eventuais interessados em investir em setores produtivos da região. Nada é mais retrógrado e manipulador do que o sindicalismo deixado por Lula da Silva e sua dinastia de presidentes que se mantêm controladores do capitalismo regional. Dotado de estrutura organizacional que faz inveja a qualquer entidade de classe capitalista da região, os sindicatos de trabalhadores ditam as regras e impermeabilizam qualquer tentativa de diálogos que recoloquem a região na rota de prosperidade econômica e social. São em larga escala estorvos institucionais esconjurados pelo capital que não tem tempo a perder.

 

 Sobre entidades de classes comerciais

 

As associações comerciais são inoperantes quando se coloca no horizonte de obrigações a massificação de pressupostos em defesa principalmente dos pequenos negócios. Há um abismo entre as ações operacionais dessas instituições e as demandas dos empresários, geralmente representantes de famílias. Essa toada de desesperança é antiga, vem de longe, de um arcaísmo funcional concentrado nas salas de diretorias. Na maioria dos casos as entidades estão presas a grilhões da classe política que controla cada Paço Municipal. O jogo de interesses mesquinhos prevalece nas campanhas eleitorais e se estende por todo o mandato. Por essas e outras essas organizações não tem representatividade de classe. São em larga escala prestadoras de serviços burocráticos.  Ganhariam muito mais musculatura se incorporassem uma agenda de fortalecimento econômico dos empreendedores.

 

 Sobre as entidades de classe industrial

 

Os Ciesps da região, divididos em quatro sedes diretivas, estão à frente do setor comercial, mas ainda distantes do necessário. A própria divisão diretiva é contraproducente aos planos de regionalidade. Seus dirigentes até poderiam manter, por razões culturais, típicas de bairrismos exacerbados, estruturas funcionais individualizadas, como agora, mas deveriam agir coletivamente. Questões vitais à salvação da lavoura do pequeno e do médio empresário industrial poderiam ser tratadas regionalmente. Como o setor de autopeças, por exemplo. Grupos de trabalhos que atuassem em sincronia temática, independentemente da localização dos representados, produziriam resultados fabulosos ao atacarem com uniformidade os problemas que também são padronizados nesse mundo sem fronteiras. Quando colocarem o ovo de concentração temática de pé, teremos uma luz a iluminar os caminhos hoje sombrios.

 

 Sobre a Ordem dos Advogados do Brasil

 

O pêndulo de atuação das subseções da OAB na região aponta à direita diretorias inapetentes para dar fluidez à demanda da própria classe e à esquerda a tentativa de levar no bico o distinto público com diretoria que teria se consagrado como suprassumo de integração com a sociedade. Entre esses dois extremos também há a percepção de que existe uma diretoria atenta aos interesses dos associados. No primeiro caso, de inapetência, estão todas as unidades da OAB na região, exceto Santo André e São Bernardo. O caso de São Bernardo se encaixa na identificação de uma ação mais próxima dos interesses específicos da classe, embora distante das demandas da sociedade pela legitimidade institucional que poderia ser emprestada a causas delicadas nesta Província. O caso de Santo André encaixa-se perfeitamente não na percepção, mas na constatação factual de que se trata de embuste com interesse nitidamente político-partidário. O presidente Fábio Picarelli, caçador de cargo público desesperadamente acessível a quem lhe acenar com boa proposta, vai deixar um estrago institucional imenso em Santo André. Ele é a junção de oportunismo político e ilusionismo corporativista. Seus dois mandatos não resistem a qualquer crítica independente. As comissões temáticas que criou, mais de três dezenas, não passam de alegorias que se desmancham ao primeiro vento de análise séria. Quando se recupera nos arquivos dos veículos de comunicação as fanfarronices de Fábio Picarelli e se projeta o que ele seria como eventual político eleito pelo povo, o que acho bastante improvável, a conclusão a que se chega é que não seria nada diferente do pior que já temos. Então, para quem mais um?

 

 Sobre o Movimento Defenda Grande ABC

 

Comete erro crasso, típico dos míopes sociais, quem atribui ao Defenda Grande ABC qualquer conclusão que resvale no verbete fracasso. O que tivemos foi uma tremenda vitória da transparência e do senso de oportunidade ao conduzir com alguns pares aquela organização ao estado biodegradável de que não tinha futuro. Muito melhor que ficar no chove não molha e morrer de morte morrida, por exemplo, como o Fórum da Cidadania, do qual participei sem o mesmo protagonista do Defenda. Sempre deixei claro que não haveria esticamento ou sobrevida do Defenda Grande ABC. Que era pegar o touro bravio pelos chifres da independência de atuação, pela coragem de enfrentamentos. Abominamos desde o princípio o fingimento e a enrolação como ingredientes do movimento. O Defenda não morreu nem de morte matada nem de morte morrida. Foi simplesmente retirado de cena quando alguns de meus pares perceberam que não existe na região um grupo decidido a questionamentos que fujam ao padrão de conveniências prevalecente entres mandachuvas e mandachuvinhas da sociedade regional. Poucos restaram quando caiu a ficha de que muitas represálias poderiam advir da iniciativa. Há um amedrontamento envergonhado a sequestrar a responsabilidade social na região. Quem se der ao trabalho de vasculhar tudo o que escrevi nesta revista digital sobre os caminhos que o Defenda Grande ABC deveria perseguir reconhecerá intransigência salutar de evitar que se construísse uma organização faz-de-contas. Não tenho vocação à teatralidade. Outros parceiros de jornada também não tiveram.

 

 Sobre a atuação da sociedade regional

 

Não sei se choro ou se rio quando ainda leio, embora bem menos que antes, que contamos com uma sociedade organizada. Pura bobagem. Somos uma sociedade desorganizada, com o agravante de que sofremos duros reveses dos mandachuvas e mandachuvinhas organizados para empreendimentos nefastos. Sobrevivemos por conta de um paradoxo lamentável: temos individualidades que valem a pena ser conhecidas, mas que se perdem em meio ao vendaval de um coletivismo omisso e desintegrado. Há desconfiança generalizada a dominar as relações sociais na região. Pensei muito sobre a situação já bastante consolidada da Província do Grande ABC e cheguei à conclusão que sofremos de um mal crônico chamado Síndrome de Peão. Aliás, escrevi sobre isso numa das últimas edições de CapitalSocial. Ainda não fui a fundo sobre aspectos sociológicos que me conduziram àquela expressão, porque, de verdade, ainda não me embrenhei introspectivamente à captura de elementos que exprimam com profundidade aquela constatação. Mas o farei em poucos dias. Quem sabe lance mesmo meu quinto livro, em forma de coletânea ou numa aventura nova, de começo, meio e fim, abordando essa deformação ditada pela gênese da industrialização e agravada pela enfermidade da desindustrialização.

 

 Sobre mecanismos de combate à corrupção 

 

Dei recentemente uma entrevista à revista República do ABC, na qual exponho ideia e também elementos que configuram justificativas de, simultaneamente, fortalecer a mídia principalmente impressa e combater a corrupção em larga escala nos poderes públicos. Chamei aquela iniciativa de reportagem premiada. Diria sem medo de errar que se levarem a sério aquela proposta e as instâncias policiais, judiciárias e do Ministério Público da região atuarem com determinação, vou conseguir chegar ao que nunca imaginei e que jamais me moveu: ficarei rico com os dividendos aos quais teria direito. Fico feliz com um dos desdobramentos que acredito tenha decorrido daquela reportagem, que se multiplicou na Internet: juízes federais preparam uma iniciativa que pretende criar uma espécie de premiação aos brasileiros que denunciarem casos de corrupção.

 

 Sobre os rescaldos da revista LivreMercado

 

Fui o último dos moicanos a deixar a revista LivreMercado, em 2008, quando negociei o título com o proprietário de uma empresa de recuperação tributária. Trocamos a dívida construída em 11 anos, quando o Diário do Grande ABC passou a ser sócio majoritário da publicação e conduziu a administração financeira, por um valor que correspondia a um montante razoavelmente elevado. A empresa de Valter dos Santos não cumpriu série de compromissos financeiros, tampouco pagou metade da aquisição da marca Prêmio Desempenho, complementar àquelas negociações, e alguns poucos funcionários espertos recorreram à Justiça do Trabalho para dizerem, entre outras barbaridades, que eram escravos da Editora Livre Mercado. Coitadinhos deles. Ninguém trabalhou mais naquela revista do que eu e também do que a diretora comercial Denise Barrotte. Os funcionários tinham jornada branda e direito informal de emendar todos os feriados prolongados. Fomos sempre generosos com eles. Raramente estendiam o horário de trabalho porque o fluxo de produção era bem equacionado. Não preciso esticar a conversa. Quem tem qualquer empreendimento sabe que há funcionários exemplares e funcionários aproveitadores quando em situação de desemprego. Quem se utiliza dessas deformidades mais que abomináveis da Justiça do Trabalho, que invariavelmente transforma trabalhador mentiroso em vítima, sabe que tudo não passa de golpe baixo, de quem vive em desespero.

 

 Sobre a qualidade da Imprensa regional

 

A imprensa regional não merece mais que nota dois numa escala de zero a 10. Vivemos o período mais estéril da mídia regional, quer impressa, quer digital. A dependência exagerada de recursos do Poder Público torna a relação exercício de contorcionismos e inventividade para publicar apenas o lado adocicado da região. A vulnerabilidade, em geral, é filha preferencial da esqualidez de receitas. A Imprensa de maneira geral no mundo todo está em busca de saídas econômicas e financeiras após a disseminação dos meios digitais que canibalizam receitas publicitárias. Na Província do Grande ABC somos sobrecarregados, ou soterrados, por catástrofes adicionais, como a quebra da mobilidade social por conta da desindustrialização, e pela baixíssima demanda por qualidade da maioria dos leitores. Ou seja: vivemos o pior dos mundos do mundo jornalístico e não temos perspectiva de melhora.

 

 Sobre o futuro do Diário do Grande ABC

 

Temo pelo futuro do principal veículo de comunicação da região. As condições socioeconômicas da região não dialogam com perspectivas de retorno de investimentos para a melhoria do produto. A cada ano que passa o Diário do Grande ABC flerta mais e mais com novos rebaixamentos de padrão. Não seria surpresa alguma se num horizonte não muito distante a região deixe de contar com um jornal de circulação diária com o padrão mesmo que sofrido do Diário do Grande ABC de hoje. Diria mais: pelas condições de tempo e temperatura, o Diário do Grande ABC já não poderia nem mesmo estar circulando. A massa publicitária disponível na região não permite projetos ambiciosos. A tendência é de contínua regressão de circulação, de páginas editoriais e sobretudo de qualidade editorial. Por mais que exercitem grandes lances diretivos, por mais que eventualmente reforcem os quadros, as respostas financeiras à superação do estado editorial em que se encontra o Diário do Grande ABC não passariam de uma evolução com prazo de validade bastante curto. Talvez a única saída para a imprensa regional, e para a imprensa de maneira geral de pequeno e médio porte, seja encontrar na proposta de reportagem premiada a fonte de receitas financeiras que a via publicitária sonega. Sem reportagem premiada, os veículos de comunicação da região não se empenharão para escarafunchar os crimes frondosos nas administrações municipais.

 

 Sobre o Ministério Público Estadual

 

Desde o caso Celso Daniel, no qual investi muitas e muitas horas de trabalho jornalístico sem concorrentes no País, passei a ter pela MP dualidade de avaliação. Ao me colocar em oposição à tese de crime politico, cultivado pela força-tarefa do MP em completo contraste com as conclusões da Polícia Civil da Capital, senti o peso de certa discriminação em instâncias locais. Já dava o que chamaria de perseguição como favas mais que contadas, inabalavelmente contadas, quando, após cinco anos, uma investigação conduzida pelo promotor público de Santo André, José Luiz Saikali, me comoveu profundamente. A iniciativa simplesmente avalizou todas as minhas afirmativas sobre o escândalo do Residencial Ventura, condomínio de 360 apartamentos de classe média construído em terreno contaminado no Bairro Jardim, ocupado durante sete décadas por uma empresa de produtos químicos. Levou cinco anos para que a verdade fosse estabelecida. Nesse interim, fui condenado três vezes como agente perturbador da ordem, sempre com o suporte do Ministério Público como acusador. Mas, infelizmente, esse caso é exceção à regra regional de que as denúncias deste jornalista se perdem nos escaninhos daquela instituição. O tempo vai provar, também nos outros casos que denunciei, que a verdade tarda, mas não falha.

 

 Sobre a recente passagem pelo Diário

 

O tempo já está provando que tomei a decisão mais sensata. Poderia seguir como consultor editorial, colunista e como apresentador de um programa da TV do Diário, mas preferi pegar o boné, após incompletos seis meses. Entrei e sai do Diário do Grande ABC em paz com a direção da empresa e com os funcionários. Acho que poderia até ter sido bem diferente se honrasse a fama de rebelde de outros tempos. Acho que estou ficando frouxo. Já suporto contrariedades, decepções e outros sentimentos sem me exaltar tanto como quando era mais jovem. No caso do Diário, o sentimento que prevaleceu foi mesmo o que transmiti aos leitores desta revista digital: estava sofrendo com a baixa velocidade de mudanças essenciais. Mais que isso: sentia que o retrabalho era uma tarefa sem fim, que recomeçava a cada edição da estaca zero, como se amnésia coletiva impregnasse o ambiente de redação. Tenho muito apreço por vários companheiros de jornalismo que reencontrei ou conheci no Diário do Grande ABC. Poucas vezes compareci à Redação e a sensação de que já não cabia mais ali, onde estive duas temporadas anteriores, por 15 anos e por 11 meses, em décadas diferentes, povoou meus pensamentos. Acho que não tenho mais razão para frequentar uma redação de jornal diário, mesmo como consultor. Sou bananeira que já deu cachos. Acho que troquei definitivamente o tático, que é o jornalismo diário, pelo estratégico, que é o jornalismo analítico. Não à toa, LivreMercado e esta revista digital me deram muito mais prazeres do que todo o restante de jornalismo diário, que não passa de fábrica de loucos.

 

 Sobre as instituições públicas oficiais

 

Tanto o Clube dos Prefeitos como a Agência de Desenvolvimento Regional estão muito aquém da intensidade e profundidade de transformações econômicas exigidas pela região. O Clube dos Prefeitos só interessa ao prefeito dos prefeitos de plantão. Isso é historicamente comprovado. Um prefeito faz o possível enquanto ocupa o cargo, enquanto os demais não passam de observadores pouco comprometidos. Há 25 anos no mapa institucional da região, o Clube dos Prefeitos é incapaz de conjugar alguns verbos econômicos que fazem a diferença entre preocupação e alento. Competitividade, produtividade, integração, representatividade social – tudo isso não passa de abstração. E não é surpreendente. Não existe na história da região, exceto Celso Daniel, um único prefeito que tenha entendido a razão de existir do Clube dos Prefeitos. E mesmo assim Celso Daniel despertou para o mote principal a partir do segundo mandato na Prefeitura de Santo André, em meados dos anos 1990. É a Economia, seus estúpidos. Sem dar prioridade a ampla reestruturação econômica, preferencialmente com a contratação de especialistas em competitividade, não teremos futuro. Já sobre a Agência de Desenvolvimento Regional, os bons profissionais de linha de frente geralmente têm vida curto. Começam alguns trabalhos e depois desaparecem com a troca de comando, que obedece a rodízio institucional. Clube dos Prefeitos e Agência Regional são irmãos siameses incapazes de interromper a trajetória de decadência da Província do Grande ABC.

 

 Por que Província do Grande ABC?

 

Quem interpreta a expressão “Província do Grande ABC” como ação ostensivamente provocativa deste jornalista comete pelo menos dois erros capitais: primeiro, conto com o aval da quase totalidade dos formadores de opinião que, então integrantes do Conselho Editorial de CapitalSocial, corroboraram com o uso dessa marca por motivos semelhantes aos que me levaram a construí-la. Segundo, a conotação ácida que a marca exala é uma forma de chamar a atenção no sentido de que é preciso estabelecer contraponto crítico à então soberana expressão “Grande ABC”, que ensejava potência indestrutível que o tempo tem comprovado não existir. Geralmente aqueles que veladamente ou não se opõem à “Província do Grande ABC” são péssimos exemplares de cidadania. Eles transmitem a sensação de que, quando utilizo a expressão nos meus textos, sofrem golpes contundentes na consciência. Seria algo como falar de corda em casa de enforcado. Se decidir procurar nos meus arquivos os resultados individuais daquela enquete com os conselheiros desta publicação, certamente confirmarei a tese de que a minoria opositora da marca situava-se num escalão de menor aderência aos pressupostos de regionalidade.

 

 Sobre o mercado imobiliário

 

A retirada diplomática do empresário Milton Bigucci do Clube dos Construtores é a melhor noticia para esta temporada. Saber que aquele dirigente deixará de dar as cartas individualistas e prepotentes numa entidade transformada em extensão de seu conglomerado de empresas é um alento a um dos setores mais importantes da economia. Por menos que faça, o jovem Marcus Santaguita fará muito mais que Milton Bigucci durante mais de duas décadas de comando ditatorial. O dono da Construtora MBigucci não fez praticamente nada externamente, para o conjunto da sociedade, e internamente ateou fogo em relacionamentos que levaram a entidade à condição de fantasma institucional. Espero que Marcus Santaguita tenha sangue frio e jogo de cintura para contornar eventuais armadilhas preparadas pelo presidente que acaba de sair. O mercado imobiliário da região precisa ser moralizado, modernizado e, principalmente, integrado ao conjunto da sociedade. Pode se tornar o carro-chefe de novos tempos, sinalizando novos rumos a outras instituições que concorreram o tempo todo em matéria de omissão e desprezo à sociedade com o Clube dos Construtores.

 

 Sobre as ações judiciais de Milton Bigucci

 

Não tenho dúvida de que jamais teria sofrido qualquer sanção judicial, a qual repudio porque fruto de espertezas jurídicas, caso contasse com corporação de porte a me representar. Sofro consequências de trabalhar quase que individualmente. Mas isso também me dá larga vantagem: tenho muito mais liberdade de expressão do que em qualquer outra situação em minha carreira. Sou, como jornalista sem uma grande ou média corporação a me representar, o que as médias e grandes corporações deveriam ser em relação às pautas das respectivas redações. Ou seja: o jornalismo brasileiro teria muito mais credibilidade se não fosse tão reticente, quando não omisso, em várias questões. Tanto é verdade que ações investigativas são uma exceção à regra. Os jornais estão invariavelmente na esteira de escândalos denunciados por terceiros e, em muitos casos, fazem ouvidos de mercador ante provas e provas de que há esculhambação a ser divulgada intensamente. As ações de Milton Bigucci me consagraram definitivamente como jornalista independente. A quantidade de dinheiro de que ele dispõe é diretamente proporcional ao tamanho da arbitrariedade e do vezo autoritário que levou o Clube dos Construtores à bancarrota institucional. O texto mequetrefe que marcou a despedida de Milton Bigucci da diretoria da associação, depois de longo inverno de 21 anos de improdutividades, é o corolário de um período a ser esquecido. 

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