Sim, podemos escrever
nossa própria agenda
RAIMUNDO SALLES - 16/09/2008
Criar uma vontade coletiva regional talvez seja tarefa das mais difíceis, mas, ao mesmo tempo, a mais importante para resolução dos graves problemas do Grande ABC. O esvaziamento do Fórum da Cidadania e a prática adotada pelos prefeitos de tratar o Consórcio Intermunicipal como coadjuvante das ações em âmbitos estadual e nacional contribuem para o diagnóstico de que só projetaremos o Grande ABC se formos capazes de estabelecer uma agenda regional que envolva bandeiras coletivas onde estejam presentes representantes da classe trabalhadora, do empresariado, deputados estaduais e federais, vereadores, prefeitos e entidades da sociedade civil organizada. Este chamado poder regional deve considerar a possibilidade do fortalecimento de instâncias que possam falar, de forma unitária, pelos interesses da região.
É necessário sempre reforçar os aspectos positivos de que já dispomos, em especial o mercado consumidor, a força da mão-de-obra qualificada e a indiscutível qualidade de vida de grande parte de nossas cidades. Assim, os formadores de opinião devem trabalhar para o fortalecimento de uma imagem positiva do Grande ABC. A idéia de que temos instalado um ambiente empreendedor e de logística já é fato histórico e notório que ganhará mais força ainda nos próximos anos com a inauguração do trecho sul do Rodoanel. Portanto, o ambiente é favorável, principalmente quando se consideram os custos e benefícios para instalação de uma nova matriz industrial na região. Dessa forma, devemos discutir um modelo de desenvolvimento para os próximos anos incluídos o diagnóstico e os remédios a serem prescritos.
Ao projetar um futuro para o Grande ABC, devemos assumir compromissos em relação a alguns princípios fundamentais, entre os quais o de assegurar a equidade social. A possibilidade das populações de Santo André, São Bernardo, Mauá e Diadema desfrutarem do desenvolvimento econômico proporcionado pela industrialização contrasta com o cinturão de miséria e o quadro social deplorável no entorno dessas cidades. Em 2007 observei com atenção que no dia 24 de setembro foi inaugurado em Copenhague, na Dinamarca, um Museu da Pobreza. Isso mesmo: um Museu da Pobreza para que jovens dinamarqueses possam conhecer como a pobreza existia.
Parece brincadeira, não fosse realidade, o fato de que já há lugares no mundo onde a miséria tornou-se apenas objeto de estudo sociológico e tema de museu. Infelizmente essa realidade no Grande ABC é presente. As desigualdades se acentuaram no decorrer da década de 1990, com a deseconomia instalada após a desaceleração do processo industrial, em especial em Santo André. Não basta a equidade social. Hoje é imprescindível a discussão da inclusão dessa gente miserável no mercado de trabalho e na base do consumo — além de considerar a sustentação ambiental, pois desconhecer os danos ao meio ambiente e a densidade demográfica seria não levar em conta um dos princípios fundamentais para o futuro do mundo que é o desenvolvimento sustentável.
Em nosso caso, a preservação ambiental, principalmente em áreas de mananciais, foi iniciada com o processo de congelamento da ocupação das áreas de reserva de água doce. Esse enfoque ambiental, além de estratégico, é fundamental do ponto de vista econômico, pois fontes de água potável em regiões metropolitanas são consideradas hoje vitais à manutenção da qualidade de vida.
Ocupação em torno do Rodoanel
não trará alto valor agregado. Aí sim
precisaremos de uma política industrial
A influência do futuro trecho sul do Rodoanel sobre a economia regional deve ser considerada sob dois aspectos. Um, do ponto de vista da logística regional e, consequentemente, em relação ao impacto no trânsito. Outro, com relação às características econômicas, o que vislumbra grandes oportunidades à ocupação de galpões na região para fins de logística com objetivo de escoamento da produção pelo Porto de Santos. Por outro lado, essa ocupação industrial necessariamente não resultaria em instalações de empresas com alto valor agregado. Necessária se faz uma política industrial, aí sim, por meio do Consórcio Intermunicipal e da Agência de Desenvolvimento, no sentido de promover estratégia visando a manter as empresas já instaladas e atrair novas.
O papel da Agência de Desenvolvimento Econômico e do Consórcio Intermunicipal é fundamental. Os futuros governantes terão de deixar de lado vaidades pessoais e abrir mão de parte da soberania municipal em favor do interesse maior da região. Já o Consórcio Intermunicipal deve deixar de ser apenas um Clube de Prefeitos para se transformar em um grande fórum de discussão, diagnóstico e apresentação de soluções para nossos problemas.
O desenvolvimento econômico do Grande ABC passa por algumas diretrizes: criar mecanismos para incentivar o crescimento da média, pequena e microempresa, estimular a produção com base em cooperativas e no auto-emprego, além de estabelecer um ambiente empreendedor fundamentado em princípios de cooperação entre setor privado e Poder Público. Com isso, haverá o fortalecimento da Agência de Desenvolvimento Econômico, que poderá trabalhar nessa sinergia em favor da criação do chamado empreendedor do ABC.
A priorização de agrupamento de empresas com atividades complementares, os conhecidos clusters, também é de importância central para o barateamento dos custos e manutenção das empresas na região, especialmente as que dependem do setor petroquímico.
O fortalecimento do setor terciário, em contrapartida à sua histórica atrofia em relação à Capital, também se faz necessário em um ambiente empreendedor como esse, voltado à cultura, ao lazer, ao entretenimento e ao turismo de negócios. Nessa área, um grande centro regional de convenções é mais do que estratégico.
O resgate da chamada cultura do trabalho industrial do Grande ABC por meio de instrumento de marketing é essencial para o restabelecimento dessa cultura, que foi mistificada negativamente em torno do conhecido Custo ABC. Portanto, a criação de um ambiente favorável para novos investimentos deve considerar que nenhum desenvolvimento será levado a efeito de forma isolada, mas como parte do crescimento econômico da região.
Com base nas diretrizes da esfera econômica, devemos estabelecer metas tais como a ampliação da participação da média, pequena e microempresa no conjunto da produção e da geração de empregos, além de trabalhar em conjunto com a Agência de Desenvolvimento no sentido de ampliar a participação do Valor Adicionado das atividades econômicas no Grande ABC em relação às outras regiões metropolitanas do Estado de São Paulo.
Outro ponto de extrema importância para a sociedade moderna é a discussão sobre o tamanho do Estado. Devemos promover uma refundação da função pública, ou seja, cobrar produtividade das administrações públicas da mesma forma que o mercado cobra eficiência da iniciativa privada. Isso vale para todas as prefeituras da região, ou melhor, de todo o Brasil. A defesa de teses segundo as quais o Estado pode deixar de ser senhor para ser servidor se faz presente em momento importante da vida política nacional e a região não pode desconhecer esse fato. A diminuição do tamanho do Estado, ou seja, a participação das máquinas administrativas municipais, não diz respeito a viés ideológico e, sim, a uma necessidade inquestionável de racionalização dos custos com a máquina em favor de investimentos nas áreas sociais e até de infra-estrutura para o desenvolvimento econômico.
Com o diagnóstico da presença excessiva do Poder Público na vida dos cidadãos do Grande ABC, a discussão sobre as parcerias público-privadas deve ser levada a sério. O mundo caminha para essas parcerias. Desconhecer isso é não compreender que a iniciativa privada é capaz de fazer melhor algumas das tarefas que hoje o Poder Público tenta desempenhar.
O Município pode agir no ambiente
do crime, ou seja, levar água, luz,
escola e saúde onde há mais incidências
A união e as parcerias em torno de propostas convergentes de interesse dos municípios criarão ambiente favorável à discussão de outros temas que talvez não sejam consenso ou do interesse de nossas cidades, mas a defesa com novo pacto federativo é fundamental ao fortalecimento do poder regional. Os novos governos devem lutar para serem tratados como parceiros, e não como pedintes. Pelo fortalecimento de seus municípios por uma reforma tributária que distribua melhor os recursos e as competências, isso formalizará um novo pacto federativo.
Os administradores públicos da região têm consciência de que a penúria financeira a que são submetidos significa precariedade em serviços essenciais ao cidadão, como segurança, saúde e educação. O compromisso com a segurança não pode ser desconhecido pelos prefeitos. A simples afirmação de que tarefas de segurança são função do governo do Estado parece não considerar o que hoje os estudos dos índices da criminalidade apresentam como fundamental: qual a importância das intervenções municipais no aumento ou na diminuição dos índices de criminalidade?
É triste ver a situação de permanente ameaça à cidadania que se caracteriza pelo enorme incremento da criminalidade. Trata-se de um quadro inaceitável, a exigir o trabalho integrado entre os governos federal, estadual e municipal. Assim, o tripé da segurança estaria definido:
No que diz respeito ao criminoso, pouca coisa os municípios podem fazer. Para esses, restam lei dura e cadeia certa.
Em relação ao segundo elemento do tripé, a vítima, pouco o Município pode fazer; talvez, em alguns casos, a manutenção de setores como casa de acolhimento e abrigos àqueles que sofreram algum tipo de violência.
Mas em relação ao terceiro elemento que compõe o tripé da segurança pública, o Município tem tudo a fazer, ou seja, o ambiente do crime: sem a presença do Estado, leia-se aí o Município, onde faltam água, luz, esgoto, escola e saúde, o crime prospera proporcionalmente. Programas de intervenções municipais em áreas de grande incidência do crime têm provado eficácia. Ou seja, no ambiente do crime, o Município tudo pode fazer para atenuar essa ameaça à cidadania.
A defesa da chamada cultura de paz, ainda pouco conhecida no Brasil, deve ser uma das bandeiras defendidas pelos formadores de opinião. As ações contemplariam propostas que visem à diminuição significativa da violência social, ou seja, deveria se adotar um programa específico de promoção da cultura e da paz, inclusive que integrasse o currículo escolar das crianças da região nos chamados temas transversais.
O conceito de cultura para a paz é extenso, mas contempla algumas ações que deveriam fazer parte do processo de comunicação social dos poderes públicos. Por exemplo, a criação de referenciais não violentos, fortalecendo as conexões comunitárias, formação de um consenso para a paz enquanto construção coletiva, fortalecer entidades e pessoas para serem ativistas da não-violência, instrumentalizar a resolução não-violenta de conflitos, a luta contra as desigualdades sociais — enfim, mecanismos que visem a estabelecer a cultura da paz, pois não podemos considerar natural a violência. É um fato humano.
Assim, outro princípio a ser defendido pelos futuros administradores é a idéia de uma sociedade cuja dinâmica econômica abra lugar ao tempo livre para atividades humanizadoras, como a prática do esporte, do lazer, da cultura etc.
Não se pode perder de vista que a região deve ter um projeto através de agentes políticos e sociais de autonomia local, em que os atores sociais possam ser apresentados como protagonistas da própria história em relação à Capital. O Grande ABC não pode ficar na dependência de decisões fundamentais ao seu desenvolvimento impostas de fora para dentro. Construir uma identidade regional é tarefa essencial, ou seja, o marketing regional positivo favoreceria não só o ambiente para futuros investimentos, mas a elevação da auto-estima da população.
Vislumbram-se possibilidades para um novo tempo nessa oportunidade de esperança que demandará escolhas para a região. A omissão dos formadores de opinião, da sociedade civil organizada e dos políticos quanto ao futuro do Grande ABC é um caminho seguro para nossa decadência, reduzindo-nos a cidades-satélites da grande metrópole. Eventual opção por um caminho de independência regional exigirá dos atores sociais, seja na área empresarial, pública ou comunitária, um compromisso coletivo na defesa das bandeiras da região.
O futuro com que sonhamos ainda está por ser construído. Hoje se apresenta apenas como possibilidade e em grande parte negada por nós mesmos pelo nosso Complexo de Gata Borralheira. Dessa forma, o estudo, o diagnóstico, o planejamento e a execução dessas tarefas deverão ocorrer paulatinamente, mas dentro de uma estratégia que vise ao fortalecimento da nossa comunidade regional. Sim, nós podemos.
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