 
 DANIEL LIMA - 03/10/2025
DANIEL LIMA - 03/10/2025
Pense na trajetória do Diário do Grande ABC em formato de telenovela sem data determinada para terminar. Uma telenovela de audiência consagradora precisa contar com enquadramentos específicos e complementares da indústria de entretenimento audiovisual. Longevidade sem atratividade não é a melhor combinação. O Diário do Grande ABC é uma associação imperfeita de telenovela composta de núcleos de produção impactados tanto pelos efeitos da Barcaça da Catequese quanto de gataborralheirismo.
Ao enfrentar inconformidades de Barcaça da Catequese, acrescidas do Complexo de Gata Borralheira, seria mesmo desafiador ao Diário do Grande ABC chegar próximo a seis décadas de edições diárias, ou seja, sem considerar os anos de News Seller, com resultados que o tornariam uma joia da coroa do jornalismo diário regional brasileiro.
O Diário do Grande ABC está muito longe disso. Aliás, como todo jornalismo regional brasileiro de que se tem notícia. Nem os grandes jornais escaparam de afrouxamento de audiência e reputação. Não há pesquisa que não confirme estragos nestes tempos de polarização político-ideológica a bordo da tecnologia.
VÁCUOS IRREVERSÍVEIS
Para que se tornasse telenovela impressa que sustentasse o suspense, a expectativa, a atenção e o encantamento dos consumidores, o Diário do Grande ABC deveria ser a soma, quando não a multiplicação, do que oferecem filmes, minisséries, séries e documentários. Tudo isso da indústria cinematográfica. Boas telenovelas, sempre com tempo para acabar, têm tudo isso.
Os núcleos de produção dos sucessos de audiência televisiva são cuidadosamente monitorados para oferecer o que os telespectadores desejam. O Diário do Grande ABC se provou uma telenovela de papel com vácuos irreversíveis. O tempo perdido não é tempo a ser recuperado quando se trata de jornalismo.
Os ingredientes de rotatividade dos recursos humanos permanente sacudiram a Barcaça da Catequese. Não haveria continuísta capaz de juntar e reorganizar em tempo as peças perdidas no mar revolto de fluxos, refluxos e contrafluxos de recursos humanos, como se não bastasse o vácuo metodológico.
Fosse atribuir nota média histórica da telenovela chamada Diário do Grande ABC, a nota média seria com muito boa-vontade não mais que cinco, numa escala de zero a dez. E o cinco de valor médio se deveria à média parcial que teria este novo século como fator de rebaixamento. Houve quebra brutal de qualificação e importância. O passado do Diário do Grande ABC segura as pontas do presente do Diário do Grande ABC como produto e imagem de valor. O período dos anos 1990 foi o melhor da trajetória do Diário do Grande ABC, então sob o comando de Alexandre Polesi. Uma nota oito de zero a 10 será explicada em detalhes num dos capítulos.
SÉCULO ATERRADOR
A média deste século, com muito boa vontade, muito mesmo, não passaria de nota um. Quando me refiro a esse século, coloco como ponto de ruptura o ano 2005. Então, são duas décadas completas. Vou explicar essa transformação específica, dos 20 anos, num dos capítulos desta série.
Apenas o fato de circular continuamente como jornal diário não confere ao Diário do Grande ABC a condição pretendida de agente cultural a salvo de qualquer restrição. Assim como outras marcas que fizeram história no Grande ABC, o Diário do Grande ABC sofre desgaste acentuado na medida em que o tempo avança e os desafios se acumulam. A tempestade ainda não chegou ao limite do suportável. Indicadores econômicos e sociais convergem a novas derrocadas.
Tudo porque este século tem sido cruel. As transformações sociais e econômicas, como já explicamos, são marcantes. Não bastasse a borrasca interna, o dilúvio externo piora ainda mais a situação. O Grande ABC já deteve 4,57% do PIB Nacional. Hoje não passa de 1,70%, com viés de baixa. O fim da mobilidade social nas camadas mais altas é a síntese do estrago geral. A queda vai muito além de participação relativa. É em números absolutos também. O PIB do Grande ABC está para o País assim como o PIB de Rio Grande da Serra está para o Grande ABC. O Diário do Grande ABC sempre escondeu essa derrocada dos leitores. Como se fosse possível tornar o transparente opaco. A decadência econômica não sai das ruas.
O último soluço de crescimento foi registrado no ano 2010, quando o País, com Lula da Silva na presidência, deu grandes saltos. Mas havia uma Dilma Rousseff no meio do caminho seguinte para estragar tudo. O PIB médio por habitante do Grande ABC neste século avançou timidamente. Quase nada. Correu a apenas 30% da velocidade média do PIB per capita nacional. Perder para um País que não acha o caminho do desenvolvimento econômico e social é o fim da picada.
ENVELHECIMENTO DUPLO
Por conta disso e de muito mais, há uma fratura exposta no tecido informativo com a marca do Diário do Grande ABC que, diferentemente do que se imagina, não inaugurou o placar com a chegada do empresário Ronan Maria Pinto, em 2004, substituindo o que restava de herança dos antigos criadores da publicação. Apenas a agravou.
O Diário do Grande ABC deste século sofre os efeitos do envelhecimento tanto próprio quanto da sociedade em que está inserido. Mas essa mudança veio do passado. Lentamente do passado. A trajetória editorial tem muito a ver com isso. Sem referenciais locais de jornalismo diário, o Diário do Grande ABC, não custa repetir, partiu para uma experiência eivada de tentativas e erros. É assim que se produz evolução. E, na outra ponta, a involução. Quando o orçamento é farto, ou em crescimento contínuo, tropeços nem sempre são notadas. A escassez ilumina o palco de desilusões.
Para entender o histórico do Diário do Grande ABC é preciso trabalhar com a metáfora cinematográfica aliada a uma das culturas mais populares do País, no caso as telenovelas. Entenda os núcleos de produção do Diário do Grande ABC, na forma de editorias, como núcleos de produção da indústria de telenovelas.
O Diário do Grande ABC dos tempos mais enraizados na cultura da região era um arranjo de produção jornalística com baixa interatividade tática e nenhuma interatividade estratégica. Eram ilhas de geração de informação.
O dia a dia de produção jornalística é uma odisseia. Sobretudo quando se tem mais que uma centena de profissionais engajados num desafio permanente: produzir com horário determinado, implacavelmente, o que os consumidores precisam receber às primeiras horas do dia seguinte. A linha de produção exige harmonia e denodo. A redação de um jornal diário do tamanho do Diário do Grande ABC dos tempos de fartura era uma loucura coletiva.
MOLDANDO A CULTURA
O Grande ABC manufatureiro, migratório e diversificado em culturas regionais não exigia tanta destreza jornalística. Era um ambiente social perfeito para plantar ideias.
O Diário do Grande ABC moldou boa parte da cultura regional, sobretudo da emergente classe média. E a revolução sindical o colocou nos braços dos trabalhadores durante longos tempos. O Diário do Grande ABC descuidou-se, entretanto, das demais ramificações da sociedade. Sem Capital, Trabalho e Sociedade num mesmo nível motivacional e de inquietação, a balança tende a ser comprometedora.
Os núcleos de produção editorial voltavam-se às próprias obrigações e desafios. O jornal de cada editoria era o jornal que interessava a cada editoria. Essa premissa no chão de fábrica de informações do Diário do Grande ABC de volatilidade repetitiva no quadro de profissionais não permitia derivações. A intensidade operacional em cada núcleo de produção não abria espaço a reflexões orgânicas intereditorias. Núcleos de edição e ilhas de edição significam a mesma coisa.
O tempo em cada reduto de produção conduzia ao exclusivismo temático. O todo do ambiente era um multiplicador de grupos de trabalho sob as respectivas denominações operacionais. A multiplicação de fatores que geravam o jornal era condicionada às especificidades de cada núcleo de produção. É assim que se faz jornal desde sempre. Tudo para que as máquinas rotativas tratem de entrar em ação e reproduzam uma unidade de produto subvertida pelo divisionismo imperceptível para muitos.
MOBILIZANDO A SOCIEDADE
Durante mais de uma década ocupei a função de repórter e logo em seguida de editor do núcleo de produção de Esportes. O dia a dia de fazer jornal acelerava o processo pedagógico da equipe de esportes. As demais editorias seguiam o mesmo princípio. Poucas baixas se registraram na equipe de esportes em pares de anos. Foram aqueles anos importantíssimos à cultura local. Uma manchete de primeira página alterava o fluxo de torcedores nos estádios. Vamos tratar disso também em um dos capítulos. Até hoje há torcedor do Santo André que me apresenta recortes do jornal como provas de dedicação ao clube. A coluna Confidencial era recordista em leitura.
O que faltava ao Diário do Grande ABC como amálgama da produção coletiva divisionista era um plano de voo estratégico. A guerra tática de cada dia se dava em cada núcleo de produção. Mas o jornal como um todo, o jornal esperado pelos leitores, era um jornal pouco conhecido do conjunto de profissionais que faziam o jornal como um todo.
Se perguntar aos profissionais do Diário do Grande ABC de outros núcleos de produção quais foram os momentos mais marcantes da equipe que eu comandava, poucos terão a resposta. A recíproca é verdadeira. Ilhas de edição, eis o que eram cada núcleo de produção.
VALOR DA EXPERIÊNCIA
Quando voltei ao Diário do Grande ABC em maio de 2004 para comandar a Redação, atribuição mais completa do que a que exerci nos últimos tempos de minha primeira passagem de 15 anos, trouxe e apliquei o que faltara no passado.
Já acumulava muita experiência, mas particularmente um modelo de produzir jornalismo inovador, na revista de papel LivreMercado. Esse é um tema para um capítulo inteiro. No mínimo.
Em contraposição ao Manual de Redação do Diário do Grande ABC pouco acessível e rarefeito em sistematização ao conjunto da Redação, entrei em campo em 2004 com um Planejamento Estratégico Editorial encaminhado a todos os profissionais de Redação. Eram 96 mil caracteres de um tratado jornalístico em que imperava o regionalismo no ambiente metropolitano. Esse retorno comparativo entre dois passados tem tudo a ver, portanto, com o que chamo de núcleo de produção de uma telenovela sem fim e recheada de séries, minisséries, filmes e documentários.
Se no passado mais remoto e mesmo no passado marcado pelo último período de encantamento, entre meados dos anos 1990 e o começo dos anos 2000, o Diário do Grande ABC jamais exorcizou as próprias divisões, imaginem os leitores o que se deu neste século. Qualquer modelo de mudanças leva tempo entre a proposta e os primeiros resultados. Tempo no caso se contam em anos utilizando todos os dedos de uma das mãos. Não poderia faltar um dedinho sequer.
TELENOVELA IMPRESSA
Nos tempos atuais, quase nada de núcleos operacionais existe. O Diário do Grande ABC de fissuras temáticas comprometedoras nos anos de glória, se tornou encadeamento de fraturas que deformam o conceito de jornalismo diário numa das configurações mais demandadas pelos leitores: a fome de informações aprofundadas em questões candentes.
Afinal de contas, a pergunta básica à compreensão do significado de telenovela em jornalismo impresso ainda não foi respondida. O que vem a ser, afinal?
A trajetória do Diário do Grande ABC como telenovela longeva e sem prazo para terminar será vitoriosa ou frustrante na medida em que as características de outras modalidades embutidas numa telenovela forem incrementadas para potencializar novos índices de audiência.
Não será fácil, porque mesmo nos tempos de fartura econômica da região e de ausência de concorrentes digitais, o Diário do Grande ABC descuidou-se dos núcleos de produção. O contexto já explicado minimiza o rigor da constatação. Fazer jornal diário na região já era uma proeza. Mesmo com toda a riqueza de classificados de empregos, imóveis e negócios que tornaram o jornal espécie de Rede Globo impressa da região.
COMBO INFORMATIVO
A telenovela chamada Diário do Grande ABC é deficiente em minisséries, séries, filmes e também ruim em documentário.
Vamos pinçar alguns exemplos práticos que retirarão dúvidas dos leitores sobre os conceitos que regem uma telenovela arrebatadora tanto na ficção conhecida como na operacionalização concreta.
Um bom filme embutido numa telenovela de prestígio é a cobertura jornalística de acontecimentos que precisam e devem ser esmiuçados até que se esgote a última gota de informação. O filme no interior de uma telenovela é uma parte importante da trama principal, porque dá sustentação por determinado tempo ou por muito tempo, quando não por todo o tempo como linha auxiliar da trama geral.
Um dos filmes em que a telenovela chamada Barcaça da Catequese e o Gataborralheirismo se tornou o cadafalso da importância do Diário do Grande ABC como veículo confiável até às entranhas é o processo de desindustrialização da região. O jornal teve ao longo da história comportamento editorial esquizofrênico. Trataremos disso em capítulos específicos. Preparei uma lista 10 pecados capitais do Diário do Grande ABC que se encaixam no conceito de filmes abaixo da crítica.
Já no núcleo de produção de minisséries inseridas na telenovela do Diário do Grande ABC, deslizes foram cometidos, mas também se apresentaram episódios comprometidos com os desejos dos leitores. Minisséries jornalísticas são ocorrências de curta duração que tiveram a ação coordenada e rigorosa dos respectivos núcleos de produção.
TORTORELLO EM MINISSÉRIE
Participei diretamente de vários casos, mas um dos quais vale a pena destacar. Outras situações poderiam ser relatadas em número muito mais expressivo pelos profissionais que atuaram no jornal durante a trajetória da telenovela impressa.
O caso particular que me volta à mente deu-se em novembro-dezembro de 2004, quando estava Diretor de Redação do Diário do Grande ABC. Tomei para mim o encabeçamento dos últimos dias de vida do prefeito de São Caetano, Luiz Tortorello. Mesmo diretor de Redação, jamais abdiquei de escrever. A essência do jornalismo é a reportagem. Não tenho imagem satisfatória de quem ocupa a Redação e não participa com frequência da geração de reportagens, quem não bota a mão na massa como agente multiplicador de funções. Reconheço que num ambiente de escassez de profissionais, as últimas linhas de defesa, no caso de copidesque e edição, o ideal perde para o crucial.
Uma fonte de inteira confiança deu a ficha de que a enfermidade de Luiz Tortorello era letal. Foi a senha de que precisava. Contei com auxílio de outros jornalistas na linha industrial de produção. Quem consultar o arquivo do jornal vai entender com mais clareza o que é uma minissérie no interior de uma telenovela. Essa minissérie só se encerrou após o sepultamento de Luiz Tortorello.
SÉRIE CELSO DANIEL
A diferença entre minissérie e série parece evidente. Série conta com muitos episódios e possibilidades de extensão a novas temporadas. No Caso Celso Daniel, o Diário do Grande ABC foi abatido mais uma vez pela sintomatologia de Barcaça da Catequese. Aos primeiros tempos de coberturas sobre as quais prefiro não detalhar vieses que se mostraram contraditórios, sucederam-se temporadas de completo distanciamento.
Pior que o assassinato em si, que parecia jamais terminar e exigia atenção a novos fatos, o Diário do Grande ABC enterrou de vez os legados administrativos de Celso Daniel. Não existe possibilidade alguma de discutir o futuro do Grande ABC sem rememorar sempre e sempre a atuação de Celso Daniel, único prefeito regional para valer. O Caso Celso Daniel foi uma série mal-acabada no Diário do Grande ABC. O prefeito Celso Daniel é um filme incompleto.
Tivemos, portanto, uma série interrompida por fatores internos que deixaram os leitores, também telespectadores ficcionais, à deriva. A revista LivreMercado dedicou dezenas de edições a tudo que se referia ao Caso Celso Daniel. Em seguida, a digital CapitalSocial, acompanha o Caso Celso Daniel sem prazo para terminar.
O Caso Celso Daniel é parte importantíssima da personalidade editorial de CapitalSocial. O documentário da Globoplay sobre a morte do prefeito de Santo André contou com o acervo das duas publicações como pontos essenciais. São mais de 200 trabalhos jornalísticos disponíveis. Um acervo marcado pelo encadeamento dos textos. Sem fragmentações, contradições e espetacularizações.
MAIS DOCUMENTÁRIOS
Para completar o combo de telenovela impressa chamada Diário do Grande ABC, o núcleo de produção de documentários deixa a desejar porque praticamente desapareceu e, no passado, também não foi uma preocupação permanente.
Documentário impresso como parte da integridade histórica de um jornal é a capacidade de chamar para si a responsabilidade de colocar os fatos nos devidos lugares, sobremodo quando acontecimentos viscerais marcam a linha editorial.
Sem o conhecimento agregado meticulosamente exposto, os leitores perdem o fio da meada de confiança. É preciso catalisar a atenção ao selecionar, quando necessário, o conjunto de informações publicadas e transformá-las em depuração analítica. E isso não é algo que possa ser restrito ao Editorial, espaço que os jornais reservam a mostrar o que pensam. Trata-se de incursão mais ampla. E sistemática.