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Imprensa

DANIEL LIMA - 30/06/2025

Neste segundo capítulo de uma série que se contrapõe (e também se alinha, dependendo dos valores postos em forma de conteúdo) às observações do ex-prefeito de Santo André, Paulinho Serra, os leitores terão a oportunidade de novas observações. Tudo fora do ritual de quase unanimidade glorificadora da mídia regional no tratamento a figuras públicas no exercício de cargos. 

A coluna de Paulinho Serra (Mais Gestão, Menos Polarização) no Diário do Grande ABC é um presente dos deuses para o jornalismo com compromisso social. E é essa a tarefa de CapitalSocial.

Afinal, Paulinho Serra sempre reticente, quando não inacessível, à mídia sem rabo preso com os poderosos de plantão, expõe ideias, planos e tudo o mais após passar três semanas presencialmente em Harvard,  universidade norte-americana que é referência no mundo acadêmico como fonte de notáveis professores.

A emenda do colunista Paulinho Serra não é melhor que o soneto do arredio entrevistado Paulinho Serra, mas já é alguma coisa. Explico: os escritos de Paulinho Serra, com evidente intervenção gramatical e estilística de assessoria jornalística já identificada, não são tudo que se oferece como contraponto ou concordância à opinião pública,  mas é melhor que nada. Aliás, muito melhor que nada. 

Os escritos de Paulinho Serra são muito menos interessantes que a proposta deste jornalista, a proposta que Paulinho Serra ignorou porque tem esperteza suficiente para não cair numa enrascada em forma de fundamentação técnica de questionamentos. Pretendia-se um debate que viraria livro, em substituição ao livro unilateral que Paulinho Serra anunciou que escreveria e que, talvez, não leve a cabo.

De qualquer forma, o que temos em seguida é um manancial interessante de pontos (de Paulinho Serra) e de contrapontos (de CapitalSocial) numa experiência que poderia se resumida como demonstração mesmo que incômoda e não esperada de democracia informativa. Debate virtual é isso, ou seja, uma escapadela editorial em busca de um contraditório mais que necessário para reduzir a opacidade que impacta diretamente a cidadania. Portanto, entre o possível (a coluna de Paulinho Serra) e o ideal (o Livro-Debate), o melhor mesmo é se conformar com a realidade. E a realidade segue abaixo. 

 A experiência Harvard 

Embarcar para Harvard foi uma escolha movida por um objetivo claro: aprofundar meus conhecimentos em gestão pública e Parcerias Público-Privadas (PPPs). No entanto, o que vivi e aprendi superou qualquer expectativa. Voltei ao Brasil com a bagagem repleta de ideias, conexões e um novo senso de propósito. 

 A exceção de Harvard 

A experiência de Paulinho Serra em Harvard precisa ser relativizada pelo fator temporal, de apenas três semanas, que pouco alteram a realidade dos fatos. Mas é, de fato, para quem tem a oportunidade de iniciar ciclo de reciclagem, um motor de inspiração. Por isso, a presença física em Harvard ou em qualquer outro banco escolar de prestígio precisa ser mensurada. Certamente por isso, na apresentação da coluna pelo Diário do Grande ABC, há 15 dias, ao referir-se ao ex-prefeito, o jornal não mencionou a curtíssima temporada nos Estados Unidos, irrelevante como currículo formal. Tomara que marqueteiros do ex-prefeito não enfeitem o pavão, como sempre o fizeram. Acrescentar Harvard ao propagandismo político de Paulinho Serra seria propagar que centroavante é um bom goleiro. Em emergências, diante da impossibilidade circunstancial de continuidade do especialista em salvar gols,  até o Rei Pelé atuou quatro vezes entre as três traves, sem tomar nenhum gol. Paulinho Serra parece consciente dessas limitações, estando evidentemente longe de qualquer referencial que tenha Pelé do outro lado.  A experiência em Harvard é um caso breve, exíguo e isolado na carreira do prefeito Paulinho Serra.

 Por que Harvard? 

Fundada em 1636, Harvard é muito mais que uma universidade: é uma referência global em excelência acadêmica e liderança em políticas públicas. Com um fundo patrimonial de 50 bilhões de dólares, ela abriga mais de 22 mil estudantes — sendo cerca de 27% internacionais, vindos de 146 países. É uma instituição moldada por mentes brilhantes: oito presidentes americanos e mais de 150 ganhadores do Prêmio Nobel passaram por lá. Nesse ambiente diverso e desafiador, encontrei um espaço onde o debate é profundo e as soluções são construídas a partir de experiências reais de gestores públicos de todo o mundo. 

 Para quê Harvard? 

O glamour e o brilho técnico e intelectual emanados por Harvard é conhecido de todos que procuram a elite da inteligência mundial. Entretanto, assim como todas as corporações acadêmicas estreladas mundialmente ou mesmo no em Grande ABC, individualidades que se destacam são vacas premiadas como em tantas outras atividades humanas. Não é a escola necessariamente que fornece o combustível ao brilho permanente. É uma conjunção de fatores, principalmente o que se chama de vocação, de comprometimento, de resiliência e de um encontro saudável entre competência e oportunidade -- sempre mais provável para quem tem talento conjugado com determinação. Harvard tem milhares de mediocridades diplomadas – como em todas as academias públicas e privadas.  É imensa a lista de acadêmicos que, ao longo dos anos, negaram ou sofisticaram a linguagem para negar o inegável no Grande ABC – o processo de desindustrialização continuado e arrasador.

 O que estudei e vivenciei? 

Durante o programa, mergulhei no universo das PPPs — analisando casos de sucesso (e também de fracasso) nas áreas de saúde, mobilidade urbana, saneamento e infraestrutura. Estudamos como diferentes países estruturam seus modelos para prestar melhores serviços públicos com recursos limitados. Os debates nos mostraram que os desafios enfrentados por países tão distintos, como Brasil, Índia, Quênia e Canadá, muitas vezes são incrivelmente parecidos — mas as respostas a eles variam conforme o contexto, a governança e a capacidade de planejamento. 

 O que deveria aprender 

A literatura envolvendo parcerias público- privadas já completou muitas temporadas. No caso do Brasil, o marco legal data de 2004. A prática internacional é muito anterior. Nos Estados Unidos, de Harvard, portanto, desde os anos 1990 se aplica a metodologia. O ex-prefeito Paulinho Serra poderia, portanto,  ter efetivado essas práticas já consagradas sem necessariamente ter passado três semanas em Harvard. Há pelo menos três décadas acompanho a velocidade de trem-bala de relações entre o mundo privado e o Estado em inúmeras variáveis. Meus professores são os melhores da praça mundial. Eles estão instalados nas melhores universidades. Tenho-os aos olhos numa rápida consulta aos meus acervos. Acompanho os principais articulistas (muitos professores universitários)  dos maiores veículos de comunicação da Europa, especialmente dos Estados Unidos, inclusive de Harvard. Essa é uma tarefa diária, recorrente. O deslumbramento de Paulinho Serra é natural para quem, por razões diversas jamais se dedicou à leitura de aprendiz persistente. O repasse do filé mignon do Semasa à Sabesp, numa operação sem qualquer transparência, provavelmente seria reprovado pelo novo Paulinho Serra que se anuncia. E possivelmente também resolveria de vez a privatização dos cemitérios, anunciada e adiada durante o segundo mandato. Outras iniciativas também permitiriam o florescer prático do futuro novo prefeito de Santo André.

 O que mais me marcou? 

O maior aprendizado talvez tenha sido entender que inovação em gestão pública não é apenas sobre tecnologia ou modelos financeiros sofisticados. É, antes de tudo, sobre pessoas. Vi gestores de diferentes nacionalidades pensando soluções que colocam o cidadão no centro das políticas públicas. Essa mentalidade me inspirou profundamente. Planejar para as pessoas, e não apenas para cumprir contratos, é o que diferencia uma política pública tecnocrática de uma política verdadeiramente transformadora. 

 O que mais se confirmou 

Está ai sem tirar nem pôr uma declaração confessional de Paulinho Serra sobre os anos à frente da Prefeitura de Santo André. Quantas oportunidades foram desperdiçadas exatamente porque o então prefeito preferiu política cosméticas que jamais sinalizaram a transformação do tecido social e econômico de Santo André? Paulinho Serra se penitencia por não ter observado o princípio básico da participação popular longe de festividades de entretenimento e de políticas socorristas que não mudam a trajetória de decadência economia e social de Santo André. Os marqueteiros que o serviram todo o tempo não tiveram a capacidade de compreender os programas levados por Celso Daniel. Santo André Cidade Futuro, que planejava Santo André para o ano 2020, jamais foi objeto de leitura qualificada dos formuladores, ou copiadores desastrados, do programa Santo André 500 Anos, supostamente para alcançar metas em 2053.

 E o Brasil? 

Mesmo longe, o pensamento estava aqui. A cada aula, a cada caso discutido, me perguntava: “Como aplicar isso nas nossas cidades?” Voltei com a convicção de que é possível fazer mais com menos, desde que haja planejamento, transparência e vontade política. E que a gestão pública brasileira pode — e deve — ser mais eficiente, humana e moderna. 

 E o Grande ABC? 

Sempre será possível Paulinho Serra sair do arrependimento de dois mandatos inócuos, embora festejadíssimos pela mídia cor-de-rosa. Basta que volte à Prefeitura de Santo André, o que seria consequência natural quando se tem o macrocosmo municipal como análise, e aplique o aprendizado rápido de Harvard. Assim estará menos distante dos conceitos que CapitalSocial destila há mais de três décadas.

 As lições que levo comigo 

Mais do que ferramentas técnicas, trago comigo valores. A importância do pertencimento: sentir-se parte do processo de transformação é essencial. Aprendi que fazer pontes é sempre mais produtivo do que erguer muros. Que a diversidade de ideias fortalece decisões. E que a gestão pública, quando bem feita, muda vidas. 

 As lições que ficam

Provavelmente Paulinho Serra dedica diariamente sessões muitos privativas de arrependimentos por ter deixado escapar pelos dedos de um pragmatismo de grupo a oportunidade de ter lançado no mínimo ideias frondosas às próximas gerações de empreendedores públicos, com amplo apoio da sociedade. As frases feitas típicas de “fazer pontes é sempre mais produtivo do que erguer muros” é um velho clichê que, mesmo sendo clichê, tem valor como conceito a eventual aplicação num futuro qualquer que venha a virar presente. Paulinho Serra tem toda a razão do mundo ao afirmar, na sequência, outra obra copiada do manual de bons gestores, ou seja, de que gestão pública, quando bem-feita, muda vidas. No caso de Santo André comandada por Paulinho Serra, a grande transformação se deu ao arrebatar as classes mais sofridas com o programa Moeda Verde. Trata-se de um projeto vitorioso, retirado também de práticas anteriores de Santo André, de programas públicos de reciclagem de lixo seletivo. A diferença é que antes se tratava de programa público, e com Paulinho Serra virou programa personalizado que levou a primeira-dama Carolina Serra a retumbante campeã de votos ao Legislativo Estadual. Um lance espetacular com apoio de 120 entidades assistencialistas, que lidam diretamente com parte da população mais sofrida de Santo André.

 Gratidão e propósito renovado 

Sou profundamente grato pela oportunidade de ter vivido essa experiência. Harvard ampliou meus horizontes, reafirmou meus propósitos e renovou minha energia. Voltei ao Brasil com o compromisso renovado de contribuir para um setor público mais eficaz, transparente e comprometido com as pessoas. Mais do que uma experiência acadêmica, foi uma vivência transformadora. Que venham os próximos desafios — com mais gestão, mais pontes e menos polarização.  

 Reconhecimento acalentador 

Tomara que Paulinho Serra jogue na lata do lixo as experiências fantasiosas que Paulinho Serra sacramentou na Prefeitura de Santo André em dois mandatos repletos de efeitos especiais. Quem recorrer ao acervo desta publicação e voltar a 2016, para não ter dúvidas sobre a anterioridade de recomendações, ou seja, sem profecias tardias, observará as recomendações que fiz ao então recém-eleito prefeito de Santo André. Está lá com clareza: ele precisaria enfrentar o desafio de reduzir o peso da decadência do Município, encarando o amontado dos dramas acumulados nas duas décadas anteriores. Paulinho Serra preferiu deixar-se abraçar por medíocres viciados em máquinas públicas. Fez, repito, oito anos sofríveis mas consagradores diante de uma sociedade acrítica, de autoestima baixa e entregue à desesperança, tornando-se alvo fácil de políticas públicas populistas.



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