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Administração Pública

DANIEL LIMA - 26/06/2025

Já imaginaram um hospital caindo aos pedaços de contribuintes inadimplentes? Eis a Santo André revelada hoje nas páginas do Diário do Grande ABC em forma de notícia protocolar. Vamos muito além disso nesta análise. Recuperaremos, inclusive, um passado recente que ajuda a explicar a situação da saúde financeira e orçamentária de Santo André -- e também da região. Tudo isso vem do passado e agrega o presente.

Passado recente e passado remoto só são inutilidades ou patrimônio intelectual desprezível para gente ignorante que se pretende sábia. Ou seja: o pior dos ignorantes não é aquele que não sabe a importância do passado. O pior dos ignorantes é aquele que tem certeza que o passado não serve para nada. Pior que isso: os negacionistas da própria vida como uma corrida contra o tempo se contradizem quando voltam ao passado conveniente.

A interpretação metafórica do caudal de devedores em Santo André  é minha mesmo, mas pode ser retirada do terreno subjetivo para invadir o campo prático e explicativo. Contribuintes de Santo André devem aos cofres públicos municipais R$ 4,51 bilhões. É mais que um orçamento anual. A Prefeitura do prefeito Gilvan Júnior ficará satisfeita com um pouco mais de 10% desse total. Prevê-se o desencaixe de R$ 51,936 milhões.

JARDIM E IDEIAS

O noticiário do Diário do Grande ABC não explica provavelmente porque não foi explicado pela Administração de Santo André o que deveria ser explicado. Afinal, como floresceu o jardim de ideias dessa previsão de receita extraordinária?

Não se chega a determinado valor de forma aleatória, lotérica. Um hospital inteiro de inadimplentes deve contar com especificidades que distinguem mortos de feridos, tanto quanto patologias reversíveis ou não reversíveis.

Não é exclusividade de Santo André essa nova etapa de acerto de contas com contribuintes, mesmo que a metáfora não necessariamente seja comum a todos os vizinhos. Cada Município conta com peculiaridades de devedores, por mais padronizada que seja a ficha hospitalar dos enfermos financeiros.

FATOS GERADORES

O que existe em comum para valer e sem discussão entre os sete pedaços de uma regionalidade mambembe em todos os sentidos é que os contribuintes há muito estão sendo penalizados por duplo fenômeno.

O  primeiro fenômeno é o empobrecimento ditado irreversivelmente pela desindustrialização. O segundo é a consequente  fome pantagruélica das administrações municipais em tapar buracos com o aumento da carga tributária.

A corrida entre o PIB Tradicional e o PIB de Consumo, tendo como referência o crescimento real a manutenção da máquina pública,  é algo que lembra uma Ferrari e um Fusca. Os contribuintes perdem sempre.

Santo André e o Grande ABC como um  todo tornaram-se caríssimos para viver e empreender, quando comparados a dezenas de endereços do Interior mais próximo ou não. Entra nessa conta de competitividade o Interior mais próximo ou não que tenha avançado como demanda de atratividade demográfica e econômica. 

VÍCIO CORROSIVO

Há provas caudalosas de que o custo-benefício de morar nas cidades médias do Estado, casos de Sorocaba, Jundiaí, Indaiatuba e tantas outras, é muito mais vantajoso. Principalmente para a saúde física e mental agora descoberta como uma das tragédias da região.

Especialistas em finanças públicas condenam programas de reciclagem de dívidas dos contribuintes, como o modelo mais uma vez adotado por Santo André. Não se trata de novidade alguma essa iniciativa, exceto a entrada em campo da imagem hospitalar que me veio à cabeça.

É uma tradição recorrer aos exércitos de devedores, pessoas físicas e jurídicas, para abastecer os cofres púbicos. A reincidência da medida, em forma de aplicação semelhante a cada nova temporada, retroalimentaria o viés de postergação em forma de incentivo ao não-pagamento agora do que pode ser pago com descontos financeiros depois.

IGNORÂNCIA INCONTIDA

Essa é de fato uma das facetas geradas pela medida. Mas na maioria dos casos a situação é de inadimplência provocada pelo descasamento entre a queda de rendimentos dos contribuintes e a demanda por arrecadação para dar conta do recado das obrigações constitucionais.

Abordagens em forma de análises da situação dos municípios da região são tradição desta revista digital. Na sequência, um texto que publiquei há praticamente dois anos fornece mais dados e informações que robustecem esta análise.

Nada é por acaso quando se observa o Grande ABC do presente pelas lentes do passado recente ou passado remoto. Apenas imbecis juramentados, que veem fantasmas onde só existem racionalidade e independência, são incapazes de enxergar. A vantagem que salta das fezes interpretativas de gente sem qualificação é que o esterco de conclusões precipitadas, quando não previamente preparadas, fornece a energia do desmascaramento que a grande maioria dos consumidores de informação agradece. 

 

PIB Industrial x PIB Público:

Dilema Tostines é uma fraude

 DANIEL LIMA - 17/10/2023 

Afinal de contas, o PIB Público cresce mais que o PIB Industrial na região por que é mais eficiente ou o PIB Público do ABC é mais eficiente apenas por que o PIB Industrial é menos eficiente?  

Esse é um falso “efeito Tostines”. Justamente por ser falso não permite que seja utilizado por defensores do Estado, em forma de Município, como explicação ao que se passa na região neste século.  

O PIB Público da região é de fato avassalador e mais competente do ponto de vista de volume porque o PIB Industrial da região já deu o que tinha de dar. Nesse intervalo de competências e circunstâncias, o PIB Público ainda tem muito a devorar de riquezas da sociedade em forma de carga tributária própria, modalidade que não respeita o empobrecimento da população cada vez mais deserdada pela desindustrialização de quatro décadas. 

Ser eficiente e mesmo competente na arrecadação não são necessariamente credenciais de PIB Municipal reformista e agregador de valores sociais.  

CUIDADO COM CONCLUSÃO  

Portanto, quem utilizar o Dilema Tostines ao qual me refiro na manchetíssima de hoje como explicação para a situação do PIB Geral da região (que abrange todas as atividades econômicas) nas duas últimas décadas está blefando.  

Não existe dúvida alguma sobre a origem e a repercussão da defasagem entre PIB Industrial e PIB Público na região. O que também existe de fato e para valer é que as autoridades municipais estão permanentemente em busca de aumento da arrecadação própria para tentarem sair do sufoco de orçamentos minguantes, erodidos pelo setor industrial, o mais importante na planilha de receitas da região. 

É difícil imaginar movimento em contrário ou passivo dos administradores públicos municipais diante do cenário econômico e social que se apresenta desde muito tempo na região.  

HERANÇA MALDITA 

A herança dos atuais prefeitos e também dos antecessores mais imediatos é mesmo um presente de grego. Afinal, a economia regional definha a cada temporada quando contrastada com o gigantesco ônus social de uma região que, mesmo com taxas demográficas mais equilibradas neste século, ainda cresce demais principalmente nas periferias. Somente nos 20 últimos anos a região acrescentou uma São Bernardo de demanda populacional e reivindicações sociais.   

Creio que não preciso explicar o que é Dilema Tostines, ou Paradoxo Tostines, ou Efeito Tostines, mas, por via das dúvidas, vou ser breve. Trata-se de um famoso comercial da década de 1980, em que um discípulo pergunta ao mestre se a marca de bolachas vendia mais porque era fresquinha ou era fresquinha justamente porque vendia mais? 

No caso da Economia da região, especificamente na questão envolvendo PIB Industrial e PIB Público, temática de que tratei em duas edições recentes (e no passado mais distante também) a situação é muito complicada.  

SEM CONTROLE  

Tao complicada que pode ser resumida na seguinte frase: o PIB Geral do ABC (que envolve todas as atividades econômicas) entrou em parafuso porque o PIB Industrial se esgotou, enquanto o PIB Público fugiu do controle de contenção.  

Quando essa nova década terminar, podem conferir o tamanho do rombo suplementar. O PIB Industrial não tem sustentação numa região cada vez mais dominada pelo PIB de Serviços sem valor agregado. E também diante de um PIB Público cada vez mais acionado pela população.  

A região torna-se cada vez mais cara aos investidores, mais devoradora das finanças da população e cada vez menos controlável pelo Poder Público Municipal. É um ritual demoníaco.  

MAIS QUE REGIÃO  

Quem me acompanha sabe de cor e salteado que sempre extrapolo dados econômicos e sociais da região tendo em vista que comparar a região com a própria região é uma bobagem em muitas dimensões. Nem sempre a verdade aparece.  

Por isso que, após mostrar em duas edições o comportamento do PIB Industrial e do PIB Público regional, segui em frente e organizei também as duas métricas econômicas tendo como base os 15 municípios de maior porte do Estado (excluindo-se a Capital) e que integram o G-22, o Clube dos Maiores Municípios Paulistas, ou seja, quando associado aos sete municípios da região.   

Esse é um grupamento que criei faz muito tempo exatamente para estruturar análises que fujam do provincianismo regional. Que tenham, portanto, maior abrangência e profundidade.  

BOA COMPARAÇÃO  

O G-22 criado por mim e sobre o qual lanço permanentes avaliações, é de fato G-20. Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra estão no grupamento como caronas, por pertencerem à região. Ou seja: não têm individualmente porte para tanto. Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra contam com apenas 2,5% do PIB Geral da região.  

Mas vamos voltar ao que interessa. E o que interessa é mostrar a fraude do Dilema Tostines que impactaria a região.  

Mostramos nas duas edições já referidas que o PIB Industrial da região perdeu além da conta participação no PIB Público neste século. Considerando-se valores nominais, ou seja, sem decomposição inflacionária, o PIB Industrial da região cresceu 141,72% no período de 20 anos (a inflação desconsiderada aqui registrou 250,04%), enquanto o pouco produtivo e cada vez menos transformador PIB Público avançou 364,15%.  

DIFERENÇA EXCESSIVA  

É muita diferença entre um PIB considerado até prova em contrário a fonte de crescimento de uma sociedade e um PIB contestado como ingrediente de Desenvolvimento Econômico, porque é em larga escala extrativista da sociedade ou, com muita boa vontade, um PIB em busca de alguma harmonia social.  

Em termos de pontos percentuais, a diferença entre o avanço do PIB Público ante o PIB Industrial na região é de 222,43 – resultado do crescimento de 364,15 do PIB Público e de 141,72% do PIB Industrial. A participação relativa do PIB Público ante o PIB Industrial saiu de 21,54% registrada em 1999 e chegou a 41,37% em 2020. Ou seja: quase metade do PIB Industrial já está ocupado pelo PIB Público.  

Feita essa recuperação de dados já publicados, agora chegamos aos resultados do PIB Industrial e do PIB Público dos demais 15 municípios do G-22.  Preparem-se para chorar.  

PERDENDO TERRENO  

Como estamos cansados de escrever há 34 anos (desde a edição inaugural de CapitalSocial, em 1990, então em forma de revista de papel LivreMercado), perdemos terreno a cada nova temporada. A desindustrialização de razões múltiplas é a explicação mais simplificada – mesmo não sendo simplificada por conta das razões múltiplas ressaltadas.  

O PIB Industrial dos 15 municípios extraterritoriais da região cresceu em termos nominais (sem considerar a inflação, repito) neste século praticamente o dobro do apontado no ABC Paulista – 288,20% ante 141,72%. Eram R$ 27.688,46 bilhões em 1999 e passou para R$ 107.485,69 bilhões em 2020. Já o PIB Público dos mesmos 15 municípios (o G-15 dentro do G-22) cresceu nominalmente 411,85%, ante os 364,15% de nossa região. Eram R$ 7.401.212 bilhões e passou para R$ 37.883,39 bilhões.  

Sugiro ao leitor mais apressado que se acalme e, antes de apontar o dedo para o maior crescimento do PIB Público nos 15 municípios ante os sete municípios da região, que preste atenção à explicação. Comparar os números do PIB Público dos dois blocos é uma furada. 

OUTRO LADO MELHOR  

Para começar (e isso é muito importante), a diferença de crescimento nominal em pontos percentuais entre o PIB Industrial e o PIB Público do grupo dos 15 municípios (123,65) está muito abaixo do que o ABC Paulista registrou no mesmo período (os 222.43 pontos). Quando maior a diferença, maior o desequilíbrio orgânico do comportamento do PIB Geral, que é o PIB de todos os PIBs setoriais.  

De fato, a distância é quase o dobro. Esse contraste é a base da diferença entre a combinação de PIB Industrial e PIB Público de forma mais harmoniosa, por assim dizer. Mais: como o PIB Industrial da região cresceu abaixo da inflação do período, enquanto no mesmo critério o PIB Industrial dos 15 municípios ultrapassou com folga a barreira inflacionária, está mais que evidente que existe uma combinação positiva de PIB Industrial e de PIB Público naqueles territórios; contrariamente, portanto, ao que vivemos na região. 

Não se pode esquecer que entre as características de PIB Público estão investimentos em áreas como Educação, Saúde, Transporte, zeladoria. Isso significa que quanto maiores os recursos financeiros proporcionados pela dinâmica industrial, mais PIB Público do bem é transformado em ganhos sociais. O inverso é igualmente verdadeiro. E o inverso é o que temos no cardápio das duas últimas décadas na região.   



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