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Economia

DANIEL LIMA - 18/06/2025

Santo André e Mauá estão no mesmo barco furado da Doença Holandesa Petroquímica-Química. No caso do barco furado de Mauá há possibilidades de conserto. No caso do barco furado de Santo André há muito a vaca foi para o brejo da irrecuperabilidade.

Doença Holandesa é metáfora que utilizo como puxadinho regional de um conceito internacional que significa depender demais de determinada atividade econômica. Santo André e Mauá estão afundando em sincronia, embora contem com porções diferentes na tipologia da enfermidade. Daí, a salvação potencial de Mauá.

Santo André e Mauá afundam porque não se organizaram ao longo dos anos para enfrentar a borrasca da competitividade nacional e internacional. Se fossem municípios organizados individualmente ou em conjunto, numa espécie de G-2 do G-7 Regional, não escapariam incólumes das durezas dos prélios, mas poderiam ter reduzido fortemente o ritmo da chuva ácida de quebra de riqueza produtiva e também do esvaziamento da massa de trabalhadores. Tudo  isso com reflexo na distribuição de renda e na mobilidade social.

MAUÁ TEM SAÍDA

Não vou aprofundar hoje considerações sobre a Doença Holandesa dos dois municípios. Os dados que disponho de imediato, sem precisar mergulhar nos arquivos, são suficientes.

Mauá e Santo André sofrem do mesmo mal, mas Mauá tem melhores saídas se botar a casa reestruturante em ordem. O Polo Industrial de Sertãozinho, como escrevi ontem, é a porta da esperança ou da desilusão completa.

Santo André não tem saída nesse ramo. A logística interna e dos infernos que serve para entregas de produtos de última milha é o fim da picada em qualquer tentativa de produção industrial dentro dos critérios concorrenciais que separam empresas com futuro e empresas marcadas para morrer, salvo exceções de sempre.

O Viveiro Industrial que está no Hino de Santo André virou letra morta há muito tempo. Quem cai na lábia de prevaricadores sociais que festam centros de distribuição não sabe o que está contratando para o futuro.

MUITA FANTASIA

Quem vende centros de distribuição como salvação da lavoura não entende bulhufas de economia quando se tem como referência a orfandade industrial e um terciário de baixo valor agregado. Caso de Santo André e dos demais municípios da região. Todos perderam o rumo e o prumo ao se iludirem com suposta perpetuidade da riqueza industrial construída no passado de baixa competitividade nacional e internacional.

No Valor de Transformação Industrial, ou seja, no PIB Industrial, a dependência de Santo André da Doença Holandesa registra 74,4%. É quase um monopólio escravizante, por assim dizer. São 51,2% do setor de Produtos Químicos e 23,1% do setor de Borracha e Material Plástico.

Em Mauá, os números são parecidos. De tudo que sai das fábricas, 75,4% são dos setores de Derivados de Petróleo e Produtos Químicos. Do primeiro são 41,8%. Do segundo, 33,6%. Se forem acrescentados os 5,5% de Borracha e Material Plástico, também em larga escala da Doença Holandesa, chegamos a 80,9%.

O resumo da ópera é que enquanto Mauá fica com a maior parte da produção petroquímica, Santo André se lambuza no setor derivado dos petroquímicos, os produtos químicos. O segundo gera relativamente mais emprego que o primeiro. O primeiro gera relativamente mais Valor Adicionado que o segundo. Há mais capilaridade econômica em Santo André. Há mais ganhos tributários em Mauá.

CATÁSTROFE SETORIAL

A Doença Holandesa Petroquímica e Química se configura claramente nos números apresentados. Há predominância quase absoluta ante os demais setores. Os demais setores que se esfarelaram ao longo dos anos enquanto a fanfarra dos triunfalistas  de plantão negava a realidade dos fatos.

Tentaram me trucidar quando em março de 1990 lancei a revista LivreMercado tratando de imediato da evasão industrial. Foi uma das batalhas mais sangrentas. Mas outras vieram. Não é fácil desmascarar mentirosos replicantes.

Tenho números pormenorizados do emprego industrial nos dois municípios após 34 anos contínuos. São dados publicados por estatísticos da Universidade Municipal de São Caetano, USCS. Os acadêmicos não os contextualizaram em forma de competição entre municípios. Ou qualquer coisa que colocasse os números num compartimento de transversalidade analítica. Pior que isso: foram ferramentas à negação da desindustrialização. Acredite quem quiser. Mas são dados essenciais.

No caso de Santo André e de Mauá, o que temos, é a marcha batida de um duplo desastre e de impacto semelhante ao que ocorreu nos demais municípios da região. O emprego industrial virou um estrago só.

145.414 DESFALQUES

Querem uma prova?  Entre 1985 e 2019, período dos dados detalhados pela USCS por setor de atividade industrial, o Grande ABC glorioso perdeu 145.414 empregos industriais formais. Eram 299.036 e sobraram 153.622. A perda equivale a 263 fábricas da Toyota em São Bernardo – que se escafedeu rumo à região de Sorocaba.

Vamos fixar estacas em Santo André e Mauá da Doença Holandesa. Santo André e Mauá contavam com 67.724 trabalhadores industriais com carteira assinada em 1985. Caíram para 37.808 em dezembro de 2019. A perda relativa de Santo  André ante Mauá é flagrante.

Em 1985, ao contar com 53.875 trabalhadores formais, Santo André registrava participação relativa de 79,55% frente a Mauá, com 13.849 trabalhadores no setor industrial. Trinta e quatro anos depois, Santo André passou a contar com estoque de 21.004 trabalhadores contratados, enquanto Mauá apontava 16.804. O que era vantagem de participação de 79,55% de Santo André frente a Mauá no estoque geral e empregos industriais entre os dois municípios em 1985, caiu para 55,55%.  

O que ocorreu nesse período, afinal? Os dois municípios não suportaram a competitividade nacional. Sofreram fortes evasões setoriais. Foram cada vez mais jogados às traças da Doença Holandesa. Reparem no que se segue para mostrar como Santo André e Mauá exercitaram trajetória de fracasso duplo e de abraço de afogados industriais. Selecionei três dos principais setores produtivos de cada Município.

MAIS DESFALQUES

No setor Metalúrgico, Mauá contava com 1.965 trabalhadores em 1985. Bem menos que os 10.592 de Santo André. Já em 2019, Mauá registrava 4.632 e Santo André 4.101. A participação relativa de Mauá passou de 18,55% frente a Santo André em 1985 para superioridade de 8,85 na fita de chegada.

Mesmo assim, no auge industrial da região nos últimos 30 anos, em 2010, com Lula da Silva na presidência, Mauá chegou a registrar 8.009 carteiras assinadas no setor. E Santo André 6.454. Os anos do segundo mandato de Lula da Silva jamais voltarão. A gastança sem limites terminou no impeachment de Dilma Rousseff.

No setor de Material Elétrico, o desastre envolvendo Mauá e Santo André não tem contestação. Em 1985, Mauá contava com 2.977 trabalhadores registrados, enquanto Santo André contabilizava 3.695. Na ponta de 2019, Mauá só registrava 59 carteiras assinadas no setor, enquanto Santo André não passava de 437. Uma evasão jamais sequer analisada tanto pelos municípios envolvidos como pelo sempre inútil Clube dos Prefeitos.

No setor de Material de Transporte, ou seja, de montadoras e autopeças, Mauá contabilizava 2.484 trabalhadores em 1985 e se manteve praticamente intocável em 2019, com 2.822 pontos de trabalho. Em Santo André, preparem-se porque os números são dantescos: eram 13.669 e passaram a apenas 1.536 trabalhadores.

DOSE DUPLA

Quanto o leitor consultar esta publicação verá que desde muito tempo aponto essa catástrofe duplamente identificada: pelo sindicalismo que tratou as pequenas e médias empresas do setor como multinacionais e do governo Fernando Henrique Cardoso que incrementou ainda mais a guerra fiscal por conta de discriminação tarifária.

Para completar essa breve incursão, vamos tratar do PIB Industrial dos dois municípios neste século. No ano 2000, que abre o século, Santo André contava com nítida vantagem ante Mauá em transformação industrial. O PIB contabilizado pela Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo era de R$ 2.968.502 bilhões em valores nominais,  sem considerar a inflação. Mauá registrava R$ 1.629.138 bilhão. Ou seja: o PIB Industrial de Mauá significa 54,89% de participação em relação a Santo André. Já na temporada de 2021, a mais atualizada até agora pelo IBGE, o PIB Industrial de Santo André chega em valores nominais a R$ 7.782.625 bilhões, enquanto Mauá registrou R$ 7.7556.772 bilhões. Mauá, como se observa, passou à frente de Santo André. Mas estão juntinhos quando se retira a margem mínima de diferença.

Não vou comparar os dois municípios da Doença Holandesa Petroquímica-Química com o desempenho no setor industrial de vários endereços do Interior do Estado. É desnecessário à compreensão. Se o fizesse, seria uma vergonha imensurável.



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