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Administração Pública

DANIEL LIMA - 09/06/2025

O mais bem sucedido programa social (e eleitoral) da Administração de Paulinho Serra, prefeito de Santo André durante oito anos, foi inspirado e adaptado de uma cidadezinha de dois mil habitantes do Interior do Estado. O Moeda Verde, que fez da primeira-dama Carolina Serra deputada estadual com transbordante votação fortemente concentrada em Santo André, foi concebido em abril de 2017, formalmente por decreto, na cidade paulista de Santa Cruz da Esperança.

Santa Cruz da Esperança é uma cidadezinha de 2,2 mil habitantes localizada na Região Metropolitana de Ribeirão Preto. Quem sair de carro do Paço Municipal de Santo André e se dirigir ao Paço Municipal de Santa Cruz da Esperança percorrerá 340 quilômetros em praticamente cinco horas de viagem.  

A constatação de que a cidadezinha paulista serviu de inspiração a Santo André na implantação do Moeda Verde   é obra do acaso. No caso, deste jornalista, que dedica algum tempo durante todo o dia a pesquisar assuntos diversos na Internet. E a descoberta se deu ontem no intervalo do jogo entre Espanha e Portugal, na decisão da Copa das Nações da Europa. Nada que não fosse um sortilégio.

CASO REINCIDENTE

A decisão de reconhecer o direito autoral, por assim dizer, à pequena localidade no Interior paulista não tem outro objetivo senão seguir uma trilha de ética. Tanto quanto o fizemos anteriormente, recentemente, quando revelamos que a marca, o processo e a operacionalidade do projeto Poupatempo da Saúde, também adotado pela Administração de Paulinho Serra como política pública de inspiração própria, é obra do então prefeito Aidan Ravin.

Tudo poderia ser diferente se a Administração de Paulinho Serra não fosse reiteradamente pouco transparente com os projetos colocados em prática, mesmo que em forma de cópias mal-ajambradas, como Santo André Cidade Futuro, de Celso Daniel, que virou Santo André 500 Anos.

Entretanto, diferentemente do Cidade Futuro, o Moeda Verde se converteu em espetáculo de gestão pública no Viveiro Assistencial em que se transformou Santo André,  antigo Viveiro Industrial abatido ao longo de décadas de desindustrialização.

FARTA DOCUMENTAÇÃO

O Moeda Verde só desperta curiosidade ainda mais, exatamente por falta de transparência,  sob outro aspecto – as entranhas estranhas até prova em contrário da operação – que não será objeto desta análise.

A originalidade de Santa Cruz da Esperança no lançamento do Moeda Verde está fartamente documentada. Provavelmente, pela cronologia comprovada na Internet, serviu mesmo de inspiração à gestão de Paulinho Serra, que implantou a iniciativa em novembro de 2017. Não haveria coincidência no uso de uma marca (Moeda Verde) tampouco na adaptação do projeto à realidade social (e político-eleitoral) do universo a ser explorado.

Para que não haja qualquer dúvida sobre a legitimidade de Santa Cruz da Esperança na criação do Moeda Verde, o site da Confederação Nacional dos Municípios, de junho de 2018, destaca o programa sob o título “Iniciativa de Município voltada à coleta de lixo gera renda, conscientiza população e eliminação casos de dengue”. Segue a nota: 

A Confederação Nacional de Municípios (CNM) tem publicado ao longo desta semana uma série de iniciativas inovadoras voltadas à sustentabilidade e à conscientização sobre a redução do lixo produzido nas cidades. A temática faz parte da campanha Municípios Lixo Zero – Um desafio de todos. A cidade paulista de Santa Cruz da Esperança é uma das que tem contribuído com esse objetivo. A prefeitura desenvolveu o Projeto Moeda Verde, que orientou a população sobre a forma mais adequada de destinação do lixo, gerou renda e reduziu o número de casos de doenças transmitidas pelo Aedes aegypti.

MAIS CNM

O projeto do Município de Santa Cruz da Esperança foi um dos finalistas do Prêmio Municiência, promovido pela CNM. A iniciativa consiste em incentivar e motivar a população para as ações de coleta seletiva, reduzir a quantidade de resíduos encaminhados para o aterro sanitário, diminuir os possíveis criadouros de Aedes Aegypti em domicílios e terrenos baldios, bem como desenvolver ações de impacto socioambiental. Além disso, a ação visa fortalecer a economia local. “É um projeto multidisciplinar que acaba atendendo de uma forma bem ampla todos os setores do Município.

MAIS CNM

A iniciativa é extremamente autossustentável e não há prejuízo para a prefeitura e nem para os cofres públicos”, disse o prefeito da cidade, Dimar de Brito. O gestor deu outros detalhes de como a iniciativa funciona na prática. “O cidadão junta na sua casa o material reciclável (papel, latinha). Nós pesamos esse material e pagamos com uma moeda que é de circulação local. De posse dessa moeda, as pessoas conseguem comprar produtos em estabelecimentos comerciais como, por exemplo, farmácia e padaria. O comércio junta todas essas moedas verdes das pessoas e emite uma Nota Fiscal da venda desses produtos provando para a prefeitura aquele valor total de moedas verdes que o comerciante juntou com as vendas ao longo do mês”, explicou.

MAIS CNM

O prefeito destacou que os cidadãos abraçaram o projeto na cidade. Antes da iniciativa, a população não tinha consciência da importância da coleta seletiva e não existiam ações de impacto socioambiental. A prefeitura também tinha custos com a retirada de grande quantidade de entulhos e resíduos acumulados nas residências e terrenos baldios e o Município sofria com a desorganização da cadeia da reciclagem. Para o gestor, as mudanças foram significativas após a implementação do Projeto Moeda Verde, inclusive com a eliminação, nos últimos dois anos, de casos de dengue na cidade. “Hoje temos uma cidade extremamente limpa. Acabamos com os criadouros de dengue e outras doenças transmitidas pelo mosquito. O aterro sanitário é nosso e está licenciado. Deixamos de receber cerca de 40% do volume do material que antes era depositado, ampliando a vida útil do aterro por vários anos. Trouxemos também um avanço para o comerciante em razão da injeção de recursos no mercado e o cidadão também conseguiu uma renda extra. Todos ganharam”, destacou o prefeito.  

G-1

Antes dessa publicação da Confederação Nacional dos Municípios, o site G-1 publicou notícia sobre a inovação na cidadezinha paulista. Eis as informações, de 5 de agosto de 2017,  abaixo do título “Moeda verde incentiva coleta de lixo reciclável e aquece economia de Santa Cruz da Esperança:

Para os dois mil habitantes de Santa Cruz da Esperança (SP), papelão e garrafas pet vazias não mais representam somente reciclagem, mas também uma forma rápida de geração de renda. Um projeto iniciado há três meses tem transformado todo o material recolhido por moradores em uma “Moeda verde” que permite a compra de mercadorias no comércio local.

O projeto foi idealizado por uma professora de ciências, em parceria com a Prefeitura, e recolhia, no início, 250 kg de materiais para reciclagem por mês. Hoje, segundo a Secretaria Municipal de Saúde, mais de uma tonelada é retirada das ruas e das casas da população. “É um número muito expressivo, porque essa quantidade, além de estar impactando na diminuição de resíduos no aterro sanitário, está diminuindo os possíveis criadouros de Aedes Aegypti nos domicílios. Contribui tanto para o meio ambiente quanto para a questão dos criadouros de dengue”, disse a secretária da Saúde, Geovana Biaggi Moraes.

Tudo que é recolhido é vendido para recicladoras da região e o dinheiro arrecadado retorna para o comércio, para o pagamento do que foi comprado pela população com a "moeda verde". Antes, esse material ia para o aterro sanitário da cidade. 

MAIS G-1

Tudo começou há três meses, quando a professora de ciências Ana Cláudia Ferria pediu para os alunos da escola onde trabalha juntarem materiais recicláveis e levarem até uma praça. No dia agendado, foram recolhidas muitas garrafas pets, latinhas de alumínio e papelão. Após a pesagem das sacolas, quem levou o lixo ganhou uma nota de plástico, muito parecida com a antiga nota de R$ 1, usada como “dinheiro de verdade” no comércio local. Cada dois quilos de papelão, por exemplo, valem duas moedas, o mesmo obtido com um quilo de latas de alumínio.

A partir desse dia, o projeto “Moeda verde” virou febre em Santa Cruz da Esperança. Os alunos passaram a incentivar uns aos outros, inclusive em casa. “Eu, como professora de ciências, amei esse projeto, porque a gente pode trabalhar não só na sala de aula na teoria, mas também na prática todo esse processo de reciclagem que a gente tem que cuidar, para termos um mundo cada vez melhor”, disse.

MAIS G-1

A estudante Talita Eduarda Santos, de 11 anos, está no projeto desde o início e acredita que a “moeda verde” ajudou nas finanças de muitas famílias, além de deixar as ruas mais limpas e fazer com que a população fique mais atenta ao acúmulo de lixo nas ruas e terrenos. “Esse projeto melhorou muito, porque agora você pode passar na nossa cidade que não vai ter mais sujeira. As pessoas estão vendo, estão juntando e indo trocar. Várias mães que não podem comprar bolacha para o filho agora já compraram. O filho mesmo pega, junta as garrafas e vai lá comprar”, afirmou a jovem, que disse convidar toda a família para participar do projeto também.

“Fui incentivando para todo mundo ajudar, para comprar alguma coisa que eu quero, ou para ajudar meus pais. Nossa família está incentivada com esse projeto”, concluiu.

MAIS G-1

As trocas são feitas às segundas e quintas no centro de recolhimento, que fica em frente ao prédio da prefeitura, na Rua Angelina Reguini, número 459, na parte da tarde. Todo o material é pesado na hora e o pagamento à população é feito no local. “Pra mim é [satisfatório], porque é uma coisa que deixa a cidade limpa e ajuda a incentivar as crianças da cidade a ter consciência da limpeza. Reduz bastante o lixo para o depósito. Pra gente é uma maravilha e a cidade se torna mais limpa”, explicou Maria Luzia Jardim, integrante do projeto.

O estudante Natan Evangelista Gomes, de nove anos, já foi trocar diversas caixas de papelão que encontrou pelo caminho. Toda semana o garoto junta os materiais e leva ao centro. Com o dinheiro, já sabe o que fazer. “Compro doce, comida”, contou. Para adquirir as mesmas mercadorias que Natan, o estudante José Carlos Diniz Neto, de 11 anos, também acumula recicláveis durante a semana e os troca pela “moeda verde”. “[Troco] para ajudar a cidade a ficar limpa, a limpar o planeta”, explicou.

MAIS G-1

Mãe de Diniz Neto, a auxiliar de serviços gerais Taluana Correia disse que já comprou diversas mercadorias com a “Moeda verde” e que o projeto ajuda nas despesas do mês, além de deixar a casa mais limpa. “Todo dia de manhã, para tomar o café, pega as moedinhas e compra um pão, leite. Ajuda bastante e fica tudo limpo no quintal, tudo perfeito”, afirmou.

A padaria de Carlos Eduardo da Silva é um dos estabelecimentos cadastrados no projeto. Ele explica que quase todas as mercadorias podem ser compradas com o sistema, exceto bebidas alcóolicas e cigarros. Para ele, após a “Moeda verde”, as vendas no comércio ficaram aquecidas. “A venda para nós é boa. Dá um incentivo maior na renda do mês. Por exemplo, a população gasta R$ 10, R$ 15 da moeda. São R$ 10, R$ 15 a mais por dia pra gente e ainda deixa a cidade limpa”, disse.

AGORA SANTO ANDRÉ

Na sequência, notícia da assessoria de imprensa do Semasa, autarquia da Prefeitura de Santo André, publicada em dezembro do ano passado sob o título “ Moeda Verde chega a 30 comunidades de Santo André e beneficia 100 mil pessoas”:

O programa Moeda Verde teve um marco nesta terça-feira (10) ao atingir a meta estabelecida de beneficiar 30 comunidades periféricas de Santo André com a troca de resíduos recicláveis por frutas, legumes e hortaliças. Com isso, a iniciativa alcançou cerca de 60% dos núcleos onde se concentram domicílios com renda de até meio salário mínimo (em torno de R$ 700 por mês), ou seja, que estão abaixo da linha da pobreza, de acordo com o Banco Mundial. A conquista ocorreu após o Núcleo de Inovação Social, por meio do Banco de Alimentos, e o Semasa (Serviço Municipal de Saneamento Ambiental de Santo André) expandirem a iniciativa para o Núcleo Nova Progresso, localizado no Parque Gerassi. 

MAIS SANTO ANDRÉ

O prefeito Paulo Serra comemorou que tenha sido alcançado o objetivo estabelecido no seu Plano de Metas. “No início da gestão, quando desenvolvemos o Moeda Verde, não imaginávamos que o programa se tornaria a maior política pública socioambiental de Santo André. É emocionante ver o quanto ele melhora a vida da nossa gente levando comida saudável para pessoas que não teriam como se alimentar dignamente, incentivando a reciclagem e deixando os bairros mais limpos”, disse. A primeira-dama de Santo André e deputada estadual, Ana Carolina Barreto Serra, esteve na estreia do programa no Núcleo Nova Progresso. Ela relembrou toda a trajetória de criação da iniciativa, bem como a sua evolução. “Aproveitem muito o Moeda Verde, unam-se para trazer o material reciclável que vai se transformar, muitas vezes, na feira daquela semana para muitas famílias. Essa é nossa preocupação com saúde, alimentação e cuidado com o meio ambiente”, explica.

MAIS SANTO ANDRÉ

A auxiliar de limpeza Malvina Maria dos Santos, 47, já conhecia a ação desde a época que trabalhava em uma das cooperativas de Santo André. Ela sabe a importância e o valor social que a reciclagem tem. “Em vez de a gente jogar fora ou ir para o aterro, transformamos os materiais em alimento”, afirma. Ao longo desses sete anos, o programa Moeda Verde se consolidou por ser uma política pública transversal, conforme explica o superintendente do Semasa, Ajan Marques de Oliveira. “Contribui para reduzir a insegurança alimentar, ampliar a reciclagem, ser uma solução para realizar a coleta seletiva em comunidades de difícil acesso, além de diminuir a contaminação de resíduos que chegam às cooperativas de reciclagem pela mistura indevida de úmidos e secos e ampliar o tempo de operação do Aterro Sanitário Municipal”.

MAIS SANTO ANDRÉ

Outro fator importante é que a iniciativa reduz a emissão de gases de efeito estufa, como metano e dióxido de carbono, que são gerados com a decomposição da matéria orgânica dos resíduos. Segundo o Inventário de Gases de Efeito Estufa do Município de Santo André (2022), o setor de resíduos configura em terceiro lugar entre as atividades que mais emitem esses poluentes, com 248.559 toneladas, atrás da indústria (686.294 toneladas) e do transporte (559.545 toneladas).

MAIS SANTO ANDRÉ

Desde 22 de novembro de 2017, o Moeda Verde já recolheu cerca de 1,8 mil toneladas de resíduos, distribuindo aproximadamente 350 toneladas de legumes, frutas e verduras. “Nos bairros Parque Miami, Jardim Cipreste, Jardim Santo André, Jardim Cristiane, Jardim Irene e Sítio dos Vianas é onde há maior concentração de trocas do programa, e é justamente nesses locais onde está a maior parte da população em situação de vulnerabilidade socioeconômica”, explica a presidente do Núcleo de Inovação Social, Ana Cláudia de Fabris. Além desses bairros, o programa ocorre na Vila Palmares, Vila Sacadura Cabral, Parque Capuava, Jardim Alzira Franco, Centreville, Jardim do Estádio, Jardim Utinga, Vila Sá, Jardim Santa Cristina, Novo Parque Guaraciaba,  Cidade São Jorge, Vila Guiomar, Sítio Cassaquera, Jardim Las Vegas, Vila João Ramalho, Jardim Ipanema, Novo Homero Thon e Vila Linda.

MAIS SANTO ANDRÉ

Graças ao engajamento da população para descartar corretamente os resíduos e participar da revitalização e conservação de locais degradados, o Semasa conseguiu eliminar cinco pontos de descarte irregular de resíduos. Com isso, houve redução de 80% no uso de recursos públicos necessários para a execução de serviços de limpeza, gerando uma economia anual de quase R$ 1 milhão.     



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