Clique aqui para imprimir




Economia

DANIEL LIMA - 04/06/2025

Quando metade deste século chegar, o Grande ABC vai estar muito pior do que já está, a obedecer o ritmo mambembe das duas primeiras décadas. A única dúvida é qual seria a situação de São Caetano. Com dupla Doença Holandesa, Automotiva e Petroquímica, que, paradoxalmente, ovos de ouro de galinha premiada, São Caetano não vai estar nas condições de qualidade de vida de hoje, mas também, acredito, seguirá muito à frente da média geral da Região Metropolitana de São Paulo.

Não me chamem de derrotista, de catastrofista, de nada que possa me levar à cova dos leões porque já bastam meu nome de batismo e os enfrentamentos diários com alguns analfabetos econômicos e sociais A previsão está respaldada num histórico de decadência regional.

E querem saber de uma coisa? Se fosse o que o leitor mais ácido entende que eu seja, catastrofista, derrotista, essas marcas desclassificatórias que só convencem  incautos, se fosse o que o leitor mais ácido imagina que seja, teria na virada do século, em 2000, projetado um Grande ABC muito mais fragilizado em todos os vetores do que cansei de expressar.

PIOR QUE O ESPERADO

Achava então, naquele sexto ano do governo Fernando Henrique Cardoso e grande parte de 100 mil demissões de trabalhadores com carteira assinada na região, que já atingíramos o fundo do poço. Mal imaginava que o buraco era mais profundo. E segue se aprofundando. Somos mergulhadores do fracasso.

Mas, tratemos de São Caetano. Ainda outro dia o prefeito Tite Campanella disse ao jornalista Evaldo Novelini, diretor de Redação do Diário do Grande ABC, provocado que foi, que tanto o setor automotivo, representado pela fábrica da General Motors, quanto o setor petroquímico, representado pelo centro de distribuição da Petrobras, levarão cinco décadas para serem impactados pela descarbonização. Ou seja: a onda de energia limpa que toma conta de determinados nichos mundiais vai demorar muito para chegar para valer.

Como gosto de matar a cobra de informações e mostrar o pau de detalhamentos, reproduzo aquela reportagem sob o título “Economia vai depender do carbono por mais 50 anos”. Em seguida, volto a especular sobre o futuro de São Caetano. 

DIARIO DO GRANDE ABC 

O processo de descarbonização da economia global não preocupa o prefeito Tite Campanella (PL), de São Caetano, cujos cofres são abastecidos, em grande parte, por tributos oriundos de duas empresas que integram a cadeia de combustíveis fósseis. General Motors e Transpetro pagam anualmente de R$ 160 milhões a R$ 200 milhões ao erário municipal apenas em ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços).

“Acho que ainda vamos depender durante muitos anos da economia de carbono e dos combustíveis fósseis. Não vejo como nos livrar dessas duas matrizes, pelo menos, nos próximos 50 anos”, responde Tite ao ser questionado sobre se a cidade está preparada para a transição energética que o mundo ensaia e pode comprometer a arrecadação de São Caetano.

DIÁRIO DO GRANDE ABC

O Brasil busca zerar as emissões de GEE (Gases de Efeito Estufa) até 2050, substituindo os combustíveis fósseis por alternativas mais limpas, como a energia elétrica, mas Tite desconfia da viabilidade da meta estipulada pela União.

“Enfrentamos sérios gargalos de fornecimento de energia. Costumo brincar que se no meu prédio todo mundo tivesse veículo elétrico e ligasse ele na tomada para carregar ao mesmo tempo, não teríamos abastecimento de energia para isso”, ilustra o prefeito, lembrando que o Brasil optou pela economia de carbono ao abandonar, por exemplo, o programa de energia nuclear.

“Não vejo, em curto prazo, como vamos conseguir nos livrar do óleo, do petróleo, da gasolina. A cidade tem essa dependência, apesar de estarmos fazendo alguns movimentos em busca de alternativas. Mas ainda não está muito claro de que maneira São Caetano vai se inserir nesse processo e nesse contexto”, diz Tite.

Além da contar com a sede administrativa e o Centro Tecnológico da GM, na Avenida Goiás, onde faz Tracker, Spin e Montana, São Caetano tem o entreposto da Transpetro, no bairro Prosperidade, responsável por receber, armazenar e transferir combustível entre refinarias e distribuidoras. 

DE VOLTA À ANÁLISE 

Acho que o prefeito de São Caetano deveria levar mais a sério publicamente qualquer manifestação sobre o futuro econômico de um Município preso a duas armadilhas ambientais que não tende, pelo contrário, a perder tração como parte nuclear do dicionário de responsabilidade social da humanidade. O questionamento do jornalista do Diário do Grande ABC foi perfeito. 

O futuro de São Caetano há muito tempo frequenta o acervo desta revista digital, não bastasse a herança física da revista de papel LivreMercado, criada em 1990. O futuro de São Caetano está sendo protelado porque não se estabelece prioridade à dose dupla de Doença Holandesa. São Caetano tem em dobro o que atormenta o futuro de São Bernardo e de Santo André. A Doença Holandesa Automotiva e a Doença Holandesa Petroquímica. Os dados estatísticos são implacáveis. Santo André está-se beneficiando há longo tempo, enquanto São Bernardo vive de oscilações  de alta e baixa do mercado automotivo, mas sempre com saldo negativo quando se verificam os dados gerais a médio e a longo prazo. 

Enquanto temas emergenciais batem à porta de políticas que combinem desenvolvimento econômico e sustentabilidade ambiental, exatamente o que consta do cardápio indigesto de São Caetano, o prefeito Tite Campanella, filho desse oásis de qualidade de vida na Região Metropolitana de São Paulo, dá sinais de que vai deixar o barco navegar em direção errática, sem qualquer direcionamento minimamente preventivo. 

Está cada vez mais nítido  -- e essa nitidez serve muito bem ao observatório cético -- que São Caetano sofre com desindustrialização alarmante, em dose semelhante ao que temos em média no Grande ABC. 

PIB INDUSTRIAL 

O PIB Industrial de São Caetano perde força constantemente. Só no período entre 2000 e 2021, já contabilizados pelo IBGE, a participação da indústria no PIB Geral caiu de 41,66% para 25,15%. Quando novos dados forem apurados, a queda se manifestará claramente porque se trata de processo regional com algumas nuances específicas municipais que não interferem no produto negativo final. Essa queda de participação relativa se dá de duas formas: relativa e absoluta. Ou seja: o setor industrial perde de goleada para os demais setores (principalmente de serviços) e também para si mesmo, correndo muito abaixo do ajuste inflacionário. 

Se eventualmente alguém sugerir que PIB Industrial não é tudo, o que de fato pode ser relativizado se outros indicadores não seguirem a toada de perdas, que tal recorrer ao mercado de trabalho do setor produtivo? Entre 1985 e 2019, segundo minucioso estudo da Universidade Municipal de São Caetano (USCS), São  Caetano perdeu efetivo de 18.152 trabalhadores industriais. 

Quanto representou isso ao Município? Nada menos que 60,16% do efetivo de 30.173 carteiras assinadas. Sobram, portanto, 12.021 trabalhadores. Dados dos anos subsequentes ainda não foram apurados, mas, podem apostar:  houve novas quebras do estoque produtivo. Considerando-se os setores automotivo, metalúrgico e de máquinas e equipamentos, que trafegam no mesmo grupo de atividades, o PIB Industrial de São Caetano contabiliza 66% de dependência produtiva. Isso é Doença Holandesa Automotiva nas veias.   

COMPLEXO DE LONGEVIDADE

Já há muito tempo escrevi que São Caetano tem um filão econômico que deveria mobilizar  ferramental de especialistas para sair da teoria à prática. O setor de saúde não é apenas o futuro interno de São Caetano, um dos endereços de maiores médias de longevidade da população, mas também da metrópole. 

É verdade que existem alguns empecilhos logísticos, mas quando há determinação, planejamento e tudo o mais é possível levar adiante uma proposta no caso revolucionária. 

Mas, enquanto a banda da desindustrialização toca e a orquestra da alternativa nem existe, São Caetano se entrega a picuinhas políticas e partidárias. Agora mesmo os vereadores estão dispostos a incomodar o ex-prefeito José Auricchio Junior, numa velha e surrada operação de desgaste por motivos nem sempre nobres. A vassalagem ao marketing político é cada vez mais insidiosa no País. 

Só não cometo a loucura de afirmar que São Caetano será na metade deste século um retrato econômico e social semelhante à média do Grande ABC – ou seja, um terror – porque São Caetano tem muita reserva de potencial econômico da população para gastar.

CONDOMÍNIO DE LUXO 

Certo mesmo é que, independentemente do grau de desgarramento de riquezas da economia de combustíveis fósseis, São Caetano seguirá a perder o viço desenvolvimentista e terá de prestar contas com o futuro que sempre chega. 

Provavelmente, e isso é apenas um chute com base num diagnóstico ainda precoce, São Caetano se converterá mesmo em algo ainda mais apurado de condomínio residencial de luxo. Vai custar sempre mais caro morar em São Caetano, porque São  Caetano precisa de uma máquina pública azeitadíssima em recursos financeiros para sustentar o grau de prestação de serviços em múltiplos indicadores. 

São Caetano ainda é o maior enigma do Grande ABC por conta também do território escasso de 15 quilômetros quadrados, de crescimento demográfico muito abaixo da média regional e também porque num lance de competência e de sorte poderá encontrar uma válvula de escape à redução inevitável do orçamento municipal pressionado pela Doença Holandesa em dose dupla.



IMPRIMIR