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Administração Pública

DANIEL LIMA - 23/05/2025

Vendido durante muito tempo como metrô, negociado como monotrilho e salvo de aposentaria por invalidez econômica como BRT, o sistema de transporte que vai ligar parte do Grande ABC à Capital apresenta trajetória de subjacente escândalo sufocado pelo acerto final de valores indenizatórios.  

A notícia que dá conta de um acerto milionário do governo do Estado com o consórcio de empresas apeado do comando da obra é possivelmente a melhor e mais digerível parte do bolo de interrogações. O dano aos cofres públicos poderia ser muito maior se o então governador Joao Doria não colocasse um ponto final no que poderia ser chamado de obscuridade. O então monotrilho foi orçado, em 2014, em mais de R$ 4 bilhões. Bote inflação nisso e vejam aonde se chega.

A mídia deu nas últimas horas que o governo do Estado vai pagar indenização de pelo menos R$ 344 milhões para encerrar definitivamente o projeto do monotrilho que ligaria a Capital à região. A construção da Linha 18-Bronze, que previa transportar 340 mil passageiros por dia, foi lançada há 11 anos, teve licitação e consórcio contratado, mas não saiu do papel. O acordo que pôs fim ao litígio entre o consórcio e o governo foi publicado no Diário Oficial do Estado no último dia 15.

VALORES AJUSTADOS

Esse trecho final e alguns mais adiante foram reproduzidos por jornais e sites de notícias tendo como fonte de informações o governo do Estado. A publicação oficial diz também que o valor foi fixado em R$ 273,5 milhões em abril de 2023, data-base fixada para o cálculo, com previsão de correção monetária até o efetivo pagamento. O montante de R$ 335,4 milhões é o de referência para fevereiro de 2025. Atualizado para o mês de abril, o valor sobe para cerca de R$ 344 milhões.

Ainda segundo o noticiário da assessoria de imprensa do governo paulista, esse valor representa redução de 47% em relação ao laudo pericial. A indenização será paga à Concessionária Monotrilho Linha 18-Bronze S.A (Vem ABC), composta pelas empresas Primav Infraestrutura, Cowan, Encalso, IGLI do Brasil e Benito Roggio Transporte.

A parceria público-privada para a construção do monotrilho Linha 18-Bronze foi lançada em 2014, durante o governo de Geraldo Alckmin, na época no PSDB. A empresa vencedora construiria a linha ao custo de R$ 4,2 bilhões, e iria explorá-la comercialmente por 25 anos. Com 15,7 quilômetros de extensão e 13 estações, o monotrilho sairia de São Paulo e passaria por São Caetano, São Bernardo e Santo André.

LONGA HISTÓRIA

O noticiário também dá conta de que, em 2020, na gestão de João Doria, o governo do Estado anunciou a decisão de desistir do monotrilho e executar o projeto de um BRT – um sistema de ônibus de trânsito rápido. Doria justificou a mudança afirmando que a opção foi por um tipo de transporte de construção e operação mais baratas. O BRT-ABC, com o mesmo trajeto previsto para o monotrilho, sofreu atraso nas obras e deve ser entregue apenas em junho de 2026 – noticiou a mídia.

Com a mudança de planos do governo, o consórcio que venceu a licitação para a Linha 18-Bronze do monotrilho entrou na Justiça, em 2023, com um pedido de indenização de R$ 2,4 bilhões pela rescisão unilateral do contrato. Além da quebra contratual, o consórcio alegou perdas de valores investidos no projeto, nas documentações e no aditamento dos estudos.

Ainda prosseguindo na nota, o governo do Estado, por meio da Secretaria de Parcerias em Investimentos (SPI) optou por uma solução consensual para encerrar a disputa arbitral movida pelas concessionárias. “A medida evita condenações mais elevadas, elimina custos com judicializações, reduz um passivo complexo e traz previsibilidade fiscal”, dia.

Colocado tudo isso em forma de terceirização do que chamaria do Caso do Monotrilho, e para não ser repetitivo em relação ao que escrevi ao longo dos anos, com mais de 100 registros de textos diretos e indiretos, vou reproduzir, com algumas supressões que não alteram o sentido das coisas, o texto que preparei para a edição de 21 de maio de 2021 sob o título “João Doria derrota defensores de falso metrô e garante BRT”. Leiam com atenção se quiserem entender o que poderia ser rotulado de um prejuízo menor (a indenização acertada) ao orçamento estadual. 

PRIMEIRO TRECHO 

O governador João Doria passou por cima de caciques políticos e assemelhados instalados principalmente em Santo André ao substituir o monotrilho de maracutaias submersas e adotar como objetivo pragmático o sistema BRT de transporte, que ligará parte do Grande ABC a ramais do metrô da Capital. A vitória de Doria, como se verá adiante, é uma vitória dos consumidores e uma nova derrota à baixíssima competividade do Grande ABC.  O mais interessante de tudo nessa nova rodada política é que os fundamentalistas em defesa do monotrilho (vendido ordinariamente, sistematicamente e despudoradamente como metrô, para enganar o distinto público) agora se perfilam em apoio ao governador do Estado.   

SEGUNDO TRECHO

Como a sociedade consumidora de informações não se liga para valer nas entrelinhas, quando não nas manchetes de jornais, tudo o que está aí em forma de futuro em termos de mobilidade urbana parece combustão espontânea, mas não é.  Trata-se de enxadrismo político, econômico e assemelhados. Doria quebrou as pernas da farra do boi de desapropriações milionárias demandadas pelas obras do monotrilho que virou metrô na subjetividade própria de quem pretende vender gato por lebre.    

TERCEIRO TRECHO  

Não tenho lá muita simpatia pelo governador do Estado, porque, entre outras razões, o considero excessivamente marqueteiro. Fosse menos programado para supostamente satisfazer a plateia, João Doria teria tudo para brilhar nas próximas eleições. Como os profissionais que costuram o modelo de político com as agulhas de certa arrogância, num ar de superioridade ostensivamente artificial, a imagem de João Doria se deteriorou em dissonância com mais acertos que erros na gestão do Estado mais poderoso do País, sobremodo na pandemia do Coronavírus.  O que se viu ontem em Santo André quando da visita do vice-governador, neotucano e futuro candidato ao governo do Estado, Rodrigo Garcia, foi um beija-mão típico da política, mas com resultados palpáveis. Vem aí para valer o BRT para elevar acelerar a fuga de consumidores da região em direção à Capital.  

QUARTO TRECHO

Quem acha que exagero ao caracterizar a obra como o que acabei de escrever (fuga de consumidores da região em direção à Capital), deveria ler atentamente o que já escrevi no passado, com base em conhecimento próprio e em estudos da Universidade Metodista. Mas não pretendo voltar àquela temática agora. Vou fazer essa retrospectiva não semana que vem. Hoje só quero tratar mesmo da imposição mais que saudável do BRT em substituição ao monotrilho vendido como metrô. Muita casa caiu no meio do caminho das mudanças decididas pelo governador do Estado. Principalmente casas de privilégios imobiliários, de gente que frequenta corredores palacianos e municipais para gozar de privilégios e outras coisas mais. Sempre a dano do erário público. São personagens que a Máfia do ISS da Capital identifica.   

QUINTO TRECHO

Deu-se muito mal, portanto, quem comprou (e se comprou muito) áreas imobiliárias à base de informações privilegiadas tanto para lançar torres de apartamentos quanto para usufruir de desapropriações milionárias. Houve redução drástica dos valores a ser despendidos. E mesmo assim quem os pagará será a concessionária do projeto, do Grupo Metra, da empresária Bia Braga.  O sistema BRT vai ser um reforço importante (mais uma aliás) de transporte de massa para quem enfrenta um Grande ABC de baixíssima mobilidade social, como mostrei ontem, mais uma vez, com dados sobre o empobrecimento regional neste século.  E daí deriva o outro lado da moeda de complicações: quanto mais os consumidores ganharem força de compra ao desfrutarem de uma Capital muito mais atrativa e compensatória, com os nichos de mercado varejista muito conhecidos e explorados, mais o Grande ABC perderá economicamente.   

SEXTO TRECHO

Tradução: não temos capacidade de enfrentar as ofertas disponíveis na Capital na disputa pelo desembolso consumista. Sofreremos evasões de divisas, por assim dizer. Da mesma forma que, para superar a escassez de emprego de qualidade na região, a fuga de cérebros é constante na região.  Mais de um terço da População Economicamente Ativa do Grande ABC trabalha na Capital. Não é pouca coisa. Muitos desses desertores vão encontrar à disposição mais uma opção à mobilidade urbana.  Quem manipula a bobagem de que teremos o reverso da medalha de competitividade comercial e econômica vende ilusões. São borralheiras metidas a cinderelas.  

SÉTIMO TRECHO

É possível que algum paspalho de redes sociais e mesmo profissionais de imprensa menos escrachados saiam por aí a dizer que este jornalista é contrário ao BRT ou a qualquer sistema de transporte que encurte a distância temporal e física em relação à Capital. Essa estultice não tem tamanho. Só pode ser caracterizada como fake news. O que mais uma vez ressalto é que o resultado de nova alternativa de transporte será prejudicial à regionalidade como um todo. Os comerciantes locais vão sentir o peso da debandada facilitada pelo adicional de transporte coletivo disponível. Somos uma periferia consolidada da Capital, um distrito por assim dizer. Empobrecido e alienado politicamente. Na penumbra da Grande Mídia. E tudo o mais que todos sabem.   

OUTRA ANÁLISE

Na edição de março de 2019, portanto dois anos antes do que o leitor leu logo acima,  fiz observações sobre a intervenção do governo do Estado na geografia e na geoeconomia do Grande ABC, sempre tendo em vista o trio parada dura de metrô, monotrilho e BRT. Veja algumas parágrafos sob o título “Metrô na região é conto do vigário; entenda essa fraude”: 

PRIMEIRO TRECHO 

Muita gente ainda cai no conto do vigário de que teremos metrô e não monotrilho ou algo ainda pior no Grande ABC. Até o bispo da Diocese de Santo André, Pedro Carlos Cipollini, entrou nessa, segundo declarações publicadas no Diário do Grande ABC de hoje. A campanha do jornal em favor da obra, que insiste em chamar de metrô, tem seus méritos, mas subestima o passado de informações valiosas. Metrô é uma Ferrari que não tem nada a ver com o calhambeque chamado monotrilho. E o que querem nos enfiar goela abaixo é monotrilho, ou, então, o mais pobre corredor de ônibus, o BRT. 

SEGUNDO TRECHO

Qualquer opção fora o metrô verdadeiro, que não virá, vai gerar mais complicações econômicas locais do que vantagens. E vai acentuar a personalidade Gataborralheiresca da região. É ofensivo o grau de oportunismo de gente entrevistada pelo Diário do Grande ABC sobre o monotrilho nunca citado, porque é metrô semanticamente esculhambador da verdade dos fatos. Dirigentes das associações comerciais da região, o Clube dos Comerciantes, falam em mobilização “pró-metrô”, ao invés de eventual suposta correção de rota do governador do Estado, João Doria, que optaria pelo BRT. Os leitores vão entender por que afirmo categoricamente que os dirigentes daquelas entidades são patéticos ao tratarem do assunto. 

TERCEIRO TRECHO

Entre as 66 matérias desta revista digital que abordam objetivamente ou complementarmente o monotrilho na região, desde 2013, selecionei os principais trechos de cinco para levar aos leitores informações relevantes sobre vários aspectos da obra, principalmente econômicos. Consta desse material algo que dirigentes das associações comerciais desconhecem por que não se importam com os supostos filiados ou porque têm memória curta ou porque querem os holofotes da mídia a qualquer preço ou porque são mesmo assim, por natureza. Trata-se de estudo da Universidade Metodista de São Bernardo, cujos resultados publiquei em forma de análise em 2014. Ou seja: há cinco anos. 

QUARTO TRECHO 

E o que diz o relatório? Que o monotrilho será um chute nos fundilhos da competitividade comercial da região. O Complexo de Gata Borralheira vai se manifestar duramente com monotrilho ou BRT. Em quase cinco anos, ou seja, desde que os estudos da Metodista foram publicados na mídia, seria possível destrinchar um plano estratégico para transformar o modal em algo que contribuísse para valer com o futuro da região. Mas vamos repetir com o monotrilho ou o BRT o que inauguramos em matéria de logística do atraso, no caso o trecho sul do Rodoanel, inimigo íntimo da economia regional e parceiro milionário da Grande Osasco, como temos cansado de provas com dados oficiais.



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