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Sociedade

DANIEL LIMA - 22/05/2025

Quem já morreu, quem se escafedeu, quem cedeu ou quem não está nem aí, mas que tenha participado da Geração Institucional Frustrada,  não entenderá jamais como chegamos à Geração Institucional Submissa no Grande ABC. Por conta disso vou fazer dois recortes interdependentes que pretendem mostrar que saímos do mato para fazer sujeira no asfalto. Com o agravante de que não se dispõe de papel higiênico. Pior ainda: usam-se máscaras para tentar disfarçar a porcaria que restou.

Acho que todo morador firmemente preocupado com o Grande ABC nestes tempos precisaria ler o que se segue. Afinal, a Geração Institucional Submissa que está aí (é disso que se trata) não é digna de confiança alguma. A Geração Institucional Frustrada tem o direito de ser preservada, embora já tenha sido praticamente dizimada pela biologia ou por fatores outros, principalmente motivacionais. A morte sempre chega. E chega também o desânimo quando as pedras parecem irremovíveis.

FÓRUM DA CIDADANIA

A Geração Institucional Frustrada, composta por lideranças de entidades empresariais, organizações sociais e representantes do Poder Público Municipal, participou ativamente de um Grande ABC relativamente vibrante entre 1990 e 2005.

Nesse período, devagar, mas em constante movimento, esses representantes participaram de movimentos que sugeriam um Grande ABC em processo de estruturação para enfrentar um futuro que não se apresentava com tantas cores sombrias como se sucedeu.

O ponto máximo e emblemático da Geração Institucional Frustrada foi a criação do Fórum da Cidadania. Reunia dezenas de entidades desse tripé (capital-trabalho-sociedade) que é o resumo da ópera de capital social. Aliás, inspiração à marca desta publicação, a Geração Institucional Frustrada chegou ao estágio de desalento após algumas temporadas de viscosidade anabolizada pelo entusiasmo temperado de inquietação por alguma solução.

BALAIO PROVOCATIVO

O balaio de gato temáticos em que se transformou o provocativo Fórum da Cidadania, que quis agarrar o Brasil quando o Grande ABC já seria suficiente, e em seguida o assassinato de Celso Daniel, em 2002, determinaram o refluxo de institucionalidades. O processo de crescimento e de arrefecimento foi lento e gradual. Como todas as tragédias e conquistas.

O primeiro recorte (entre 1990 e 2005) da Geração Institucional Frustrada não obteve, a bem da verdade, grandes mudanças práticas, embora tenham sido erguidos alicerces do Clube dos Prefeitos, da Agência de Desenvolvimento Econômico e também da Câmara Regional.

Essa santíssima trindade se fragmentou aos poucos. A Câmara Regional morreu de morte natural depois de Celso Daniel e do governador Mario Covas terem ido embora. O Clube dos Prefeitos e a Agência de Desenvolvimento Econômico são inúteis. Mais que inúteis, o que é ainda pior: são usados para sofismar a realidade regional ao acenarem perspectivas douradas e entregarem sucatas edulcoradas.

A Geração Institucional Submissa tem como marco inicial o ano de 2010, apanhando o fundo do poço da Geração Institucional Frustrada, e se estende até estes dias.

Se no primeiro recorte havia dezenas de formadores de opinião e tomadores de decisões que traduziam pelo menos em termos teóricos, de currículo, uma massa de riquezas e de fraquezas também a serem exploradas e escrutinadas, a situação do segundo grupo, da Geração Institucional Submissa, é de lascar. Falta luminosidade e transpiração.

NOSSO SÉCULO XXI

Como prometi que não ia esticar muito essa conversa de cunho por assim dizer sociológico, porque envolve a análise do comportamento da sociedade do Grande ABC num período de 30 anos, vou tomar o cuidado de evitar que o próximo trecho não seja um compromisso tácito de esticar a corda a outros trechos.

Estou escrevendo de olho na marcação de caracteres que o computador me esfrega na cara. Não quero passar de mil palavras, que são mais de nove mil caracteres.

Para dar um exemplo de que a Geração Institucional Frustrada tinha muito mais garrafas cheias para exibir do que a Geração Institucional Submissa dos últimos anos, citaria a facilidade com que, juntamente com a jornalista Malu Marcoccia, à frente da Editora Livre Mercado, montamos o grupo de convidados da primeira versão da coleção “Nosso Século XXI”.

TESOURO EM LIVRO

As análises daqueles 26 especialistas em áreas distintas são tesouro às gerações futuras. Além da versão impressa, em formato de livro, disponibilizamos todo o material nesta revista digital. O Clube Atlético Aramaçan recebeu três mil convidados numa noite de gala. Foi a última apresentação pública do prefeito Celso Daniel antes daquele janeiro fatídico. Era dezembro de 2001.

Em setembro de 2008, voltamos a explorar a inteligência e o conhecimento especializado de alguns convidados da edição inicial e incorporamos novos participantes. Foram 36 os articulistas da segunda versão de “Nosso Século XXI”.

Onde pretendo chegar com essa comparação? Simplesmente à realidade posta de que, estivesse hoje decidido a produzir uma terceira versão daquelas que foram as maiores coleções coletivas da literatura regional, por assim dizer, certamente cairia do cavalo da decepção.

Rastreio permanentemente as redes sociais como caçador de talentos de conhecimentos. A aridez é alarmante. Perdemos a capacidade de produzir capital humano. Falta na praça domínio de expertises que enriqueçam o debate público regional. A ignorância transforma alguns abutres sociais, paus mandados de gestores públicos inescrupulosos, em exemplares   de postagens confessionais suicidas. A ignorância é tão agressiva que inibe, provavelmente, o despertar de possíveis protagonistas que retirem o mundo regional da mediocridade presente.

O que entre outras razões explique a distinção entre  um grupo de outro  -- ou seja, a Geração Institucional Frustrada da Geração Institucional Submissa -- é a implosão econômica, social e empreendedora da região. A esperança e a autonomia daqueles agentes do passado escasseiam. A geração sucessora é acomodatícia, quando não medrosa, quando não intestinamente ligada aos poderosos de plantão.

Vivemos não só aridezde talentos específicos em diferentes áreas como também o refluxo de personalidade no sentido de individualização de comportamentos.

PARADOXO AMBIENTAL

Já estou chegando a mil palavras e sinto que não posso parar. Como já escrevi sobre essa ruptura geracional algumas vezes, mas desta feita o faço levando-se em conta apenas dois períodos, reafirmo uma verdade indescartável: por trás de tudo isso como ferramenta de intromissão negligenciada de capital social está, além de fatores econômicos, a dispersão provocada pelas redes sociais.

As relações cooperativas se desintegram na medida em que a pauta converge às nuances nacionais. Vivemos um paradoxo regional de irreversibilidade no horizonte de solução: a sociedade servil e desorganizada se acentua como fratura de cidadania na região, mas é engajadíssima em polarizar o ambiente nacional.

Temos cidadão de uma classe especial: de um lado, participação quase zero, exceto de grupos sob controle das prefeituras; de outro, um aguerrimento latino.

REDES SOCIAIS

Isso quer dizer que estamos fritos e lascados. Para felicidade geral e irrestrita da classe de políticos insensíveis ao futuro cada vez mais problemático. Aliás, políticos que fazem uso das redes sociais para alavancarem projetos, promessas, meias-verdades e mentiras inteiras.

O jornalismo regional sofreu impacto ainda mais avassalador que a transposição  da Geração Institucional Frustrada para a Geração Institucional Submissa. Poucos veículos estão fora do radar controlador das prefeituras. Bem diferente do passado em que havia contraditório rico, prospectivo, independentemente de confirmar-se resolutivo.

O que temos, portanto, é um ambiente de elasticidade permanente de preguiça anestesiadora. Estamos num estágio niilista que parece não ter fim. Olhar para as fotos que tenho em meu acervo particular, ou reproduzidas nas páginas da revista de papel LivreMercado, expondo a galeria de mais de duas centenas de conselheiros editorais da publicação, dá uma tristeza imensa. Ou a mesma experiência, agora com o efêmero Conselho Editorial do Diário do Grande ABC, que criei em 2004 reunindo 101 participantes, é igualmente decepcionante.

O que me pergunto como forma de desafio pessoal, mas que no fundo não passa mesmo de masoquismo, é o que faria hoje se me atribuísse a decisão de relacionar um grupo de agentes privados, públicos e sociais para integrar alguma coisa coletiva com a expectativa de investir em busca de saídas para o Grande ABC.  

DE OLHO EM 2040

Os próximos 15 anos do Grande ABC, que completariam um ciclo de praticamente meio século, considerando-se as perspectivas mais prováveis diante do que temos de esquartejamento econômico e social,  serão ainda mais tenebrosos. Estou fazendo um esforço enorme – e agora são 1.287 palavras digitadas, ou 8.345 caracteres – para tentar definir uma identidade a essa projeção.

Depois da Geração Institucional Frustrada e da Geração Institucional Submissa, talvez o que tenhamos em 2040 ( quando este texto será atualizado e quase meio século teriam se completado)  seja mesmo o ápice de uma nova turma, da  Geração Institucional Aniquilada. O processo já começou, por sinal.

Como já começou, cara pálida? Ora, o que temos na praça são os poderosos de plantão construindo o que chamo de Territorialismo Político em substituição descarada ao Regionalismo Político.

Diante de uma Geração Institucional Submissa, quando não amedrontada, quando não dispersa, quando não covarde, não existe algo diferente do que a destruição completa. Sociedade Civil Organizada, que gente desinformada ou matreira, é uma quimera. Em contraponto à realidade de Sociedade Servil e Desorganizada teremos coisa muito pior. Que prefiro não revelar com todas as letras ou mesmo com algumas letras facilmente decifráveis. E lá se foram 1.499 palavras.



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