Fico me perguntando até quando a gestão pública no Grande ABC vai ser uma corrente de felicidade nos jornais e nas demais mídias, extensões dos próprios Paços Municipais. Já havia perdido a esperança de que houvesse alguma possibilidade de surgir sinalização de bom-senso que servisse de linha demarcatória exemplar a um cavalo de pau. Eis, entretanto, que leio um artigo do prefeito de Paranapiacaba, Fábio Picarelli, no Diário do Grande ABC de ontem. Um contraste mesmo que sutil e cuidadoso à lambeção em torno do prefeito de Santo André Gilvan Júnior, que, aliás, segue rotina de mais de oito anos do antecessor panglossiano Paulinho Serra.
Do que os administradores municipais ainda não se deram conta porque para se darem conta precisariam levar em conta que o Grande ABC não é um punhado de consumidores de informações que se dobram às suas vontades, é que essa fórmula marqueteira de festejar um presente mais que luminoso cansa? Eles, os prefeitos festeiros, vão dar de novo com a cara na porta do desmascaramento.
Aliás, pensando bem, já deram com a cara na porta do desmascaramento em forma de descrédito da maioria dos contribuintes, também eleitores. Não se pode esquecer que os atuais prefeitos, como se não bastassem os anteriores, contaram com apenas 35%, em média, dos votos disponíveis nas praças. E os representantes nos Legislativos locais não passaram de 25% do total.
FELICIDADE IRRESTRITA
A felicidade geral e irrestrita dos prefeitos da região que se observa nos meios de comunicação e nas redes sociais é a farsa da perfeição em detrimento da razão. Joga-se invariavelmente o jogo sujo da parcialidade conjugada com um marquetismo subestimador da inteligência alheia.
Só ocorre uma quebra dessa sinfonia de falsificadores quando os prefeitos municipais ultrapassam a linha do triunfalismo e por questões meramente políticas desancam o pau nos antecessores.
PASSADO DE CONVENIÊNCIA
Encontrar responsáveis pela descoberta de que os cofres públicos não estão assim tão recheados e que o endividamento os coloca sob os rigores dos pés no chão é um choque anafilático no triunfalismo a ser sustentado de qualquer maneira.
Por isso, todos eles, sem exceção, dobram-se à realidade, embora também, todos eles, sempre busquem a saída da transferência de responsabilidade aos antecessores. Só não o fazem, muito pelo contrário, quando registros de bancos de dados históricos desembocam em dados satisfatórios em disputas ranqueadas. Aí arvoram competência.
Como esses casos são raros na região decadente, seguem os prefeitos o figurino de terceirizar a desgraça constatada e camuflada até que seja possível.
Embora não tenha produzido artigo que fechasse todos os espaços a ressalvas, o prefeito de Paranapiacaba, oficialmente subprefeito, Fábio Picarelli, expôs em artigo no Diário do Grande ABC uma provável exceção à regra aqui registrada.
Mesmo se dando conta de que o texto em questão seria um espasmo de ética e moralidade no trato da coisa pública, quem sabe sirva de fio condutor a reflexões dos administradores municipais.
PROVA DA EXCEÇÃO
Vou reproduzir o artigo de Fábio Picarelli em seguida para que o leitor possa entender esse momento épico no Grande ABC de uma oficialidade alarmante no campo da comunicação social, no qual só viceja e se fortalece o discurso que remete as sete cidades à Pasárgada.
Houvesse no Grande ABC um movimento de gente preocupada com o tom discursivo do momento que vivemos, uma espécie de curadoria dos excessos propagandísticos dos gestores públicos, o artigo de Fábio Picarelli deveria dar o pontapé inicial a um projeto de choque de realidade que insiste em ser varrida para debaixo do tapete da impunidade. Mais que isso: é força-motora de torcidas organizadas mais que suspeitas.
Antes de reproduzir o texto, lembro que ainda recentemente, ao tratar de Paranapiacaba, numa reportagem publicada no mesmo Diário do Grande ABC, o prefeito de Santo André repetiu integralmente o modus-operandi eleitoreiro e fraudador do então prefeito Paulinho Serra.
Gilvan Júnior simplesmente ignorou a origem do projeto de dar visibilidade internacional à Vila de Paranapiacaba, decidida durante o segundo mandato do prefeito Celso Daniel, responsável pela aquisição daquele patrimônio cultural. Vamos então ao artigo de Fábio Picarelli:
Paranapiacaba
mira na Unesco
A parceria entre a Prefeitura de Santo André, por meio da Subprefeitura de Paranapiacaba e Parque Andreense, e a PUC (Pontifícia Universidade Católica) Campinas é mais do que conhecimento e experiência. Eu diria que é fundamental para um objetivo complexo e amplo: viabilizar o título de Patrimônio Mundial da Humanidade para Paranapiacaba junto a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). A caminhada é longa e envolve várias questões a serem cumpridas até chegar lá. Entre 2008 e 2014 o Município se empenhou em inscrever a Vila, mas a falta de participação de uma instituição acadêmica no processo pode ter frustrado a iniciativa. Talvez outros critérios também não tenham sido plenamente satisfatórios aos responsáveis pela seleção.
O fato é que os anos passaram e hoje a realidade é outra. Bem mais favorável.
Da parte que compete à administração municipal, a partir de 2018 recursos foram destravados e parcerias foram firmadas, o que possibilitou a recuperação de vários equipamentos em Paranapiacaba.
Nesses sete anos, só para citar alguns, a Vila teve de volta o primeiro campo de futebol com medidas oficiais, o Cine Lyra, o Museu Castelinho, a criação do auditório na casa incendiada e a Estação ferroviária, onde podemos acompanhar a chegada e partida do Trem Turístico da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) nos finais de semana e feriados. Outras reformas estão em andamento e mais obras estão em vias de negociação. Não podemos esquecer que a Vila passou a ser Subprefeitura na atual gestão do prefeito Gilvan Junior. Antes a gerência era dotada na Secretaria de Meio Ambiente.
Ainda temos um longo caminho a percorrer. E com a ajuda da PUC-Campinas a parte de pesquisas, extensão, desenvolvimento científico e tecnológico, formação e treinamento de recursos humanos ficarão a cargo da instituição, que já fez trabalho para aprovação de outros sítios no Brasil.
A professora titular e pesquisadora da escola de Arquitetura, Artes e Design da PUC-Campinas, Maria Cristina da Silva Schicchi, será a responsável pela coordenação do grupo. Durante a apresentação do termo de cooperação técnica, no último dia 8 no Fórum Paranapiacaba, ela fez a explanação do projeto baseada na experiência de outros locais que conquistaram o título.
A vigência do convênio é de 18 meses, a contar de 17 de dezembro de 2024 até 17 de junho de 2026. A missão: conjugar esforços para a candidatura. Imprescindível a participação da comunidade local e a compreensão de todos.
O primeiro passo foi dado. Segundo a professora Maria Cristina é preciso criar metodologias e construir ferramentas de compartilhamento de conhecimento e de cogestão do território. A configuração de um plano de gestão é uma das exigências da Unesco. O dossiê ajuda a controlar o processo.
Paranapiacaba possui atributos e valores bem claros para pleitear a candidatura. São fatores favoráveis o histórico ferroviário na cultura do café; a biodiversidade da Mata Atlântica; a preservação da arquitetura e urbanismo; e o patrimônio ambiental.
A Unesco possui 10 critérios, dos quais ao menos um deverá ser cumprido para ganhar o reconhecimento de Patrimônio da Humanidade.
As vantagens dessa conquista: visibilidade, ampliação do turismo e dos negócios, recursos de agências de cooperação e bancos internacionais, fiscalização extrema, menos ingerência da política local e maior conscientização e envolvimento da população. Estamos na luta para ser o primeiro Patrimônio da Humanidade do Estado de São Paulo.
NOSSAS PONDERAÇÕES
A reprodução desse artigo é essencial no sentido de que se atomize qualquer avaliação de eventual aderência automática e acrítica. Como disse anteriormente, não é algo que dispense reparos, mas não há dúvida de que se dá um passo adiante ao tratamento sereno e criterioso a uma ação pública da Administração de Santo André muito diferente de tantas outras.
E quais são essas diferenças, afinal? Todos sabem que a gestão de Paulinho Serra durante oito anos e de Gilvan Júnior nestes primeiros cinco meses é a continuidade de um festival de autoelogios combinados com superlativos e também recheada de imposição propagandista que levam os consumidores de informações a concluírem que se trata de uma extraordinária façanha. Algo como se Santo André houvesse sido descoberta em janeiro de 2017, quando Paulinho Serra assumiu o primeiro mandato – e de lá para cá vivemos nos céus .
POUPATEMPO DA SAÚDE
Faltaram algumas informações básicas no artigo de Fábio Picarelli, mas ao remeter o processo ambicioso de Paranapiacaba à gestão de 2008, de uma Prefeitura de Santo André sob o comando do PT, evitou-se entre outras barbaridades éticas a repetição do caso do Poupatempo da Saúde, de legitima criação, metodologia e operacionalidade do então prefeito Aidan Ravin.
Outros programas municipais de Paulinho Serra que se estendem a Gilvan Júnior têm semelhança com o caso do Poupatempo da Saúde. A impressão, para não dizer certeza, é de que um especialista em Partido dos Trabalhadores durante a gestão de Celso Daniel escarafunchou todo o legado do melhor prefeito dos últimos 50 anos de Santo André, adotando-se medidas maquiadoras como réplicas.
O caso do programa Moeda Verde, por exemplo, decorre do que fora deixado de herança por Celso Daniel e outros prefeitos da região durante os anos 1990, em forma de ação cooperativa de coleta seletiva de lixo, inclusive com a participação de cooperativas.
PERSONALIZAÇÃO
A personalização e o aperfeiçoamento do programa tendo a primeira-dama como beneficiária, deram nova roupagem. Ou seja: o que era programa institucional da Prefeitura, tornou-se projeto estratégico híbrido com o fortalecimento político individual. Carolina Serra não virou deputada estadual de graça. Mais de 120 entidades assistenciais participam da rede que a coloca como franca favorita a qualquer disputa proporcional.
Tomara que o prefeito de Paranapiacaba sirva de exemplo a ser explorado, finalmente, como sinônimo de responsabilidade social no trato de questões públicas. Não é uma perspectiva que enseje segurança reestruturante da metodologia de comunicação do Paço de Santo André. É mais fácil concluir que Fábio Picarelli corra risco de ser admoestado.
Os marqueteiros são avessos a qualquer contraponto histórico. A Santo André enganosamente maravilhosa dos últimos oito anos é a continuidade da Santo André fundada por João Ramalho. Para o bem e para o mal de tudo que dispõe.