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Sociedade

DANIEL LIMA - 20/01/2025

Ao se completarem nesta segunda-feira 23 anos desde a morte do prefeito Celso Daniel, é necessário reconhecer uma realidade que provavelmente a maioria da população de Santo André e também da região preferiria amenizar com algumas colheradas de açúcar de politicamente correto. Que realidade é essa? Celso Daniel já foi esquecido.

O maior prefeito regional e o prefeito municipal mais reformista de Santo André só são lembrados pelo batismo de equipamentos públicos, principalmente. Parque Celso Daniel, Estação Celso Daniel, e outros.  Além, claro, de uma selva de versões rocambolescas do assassinato que o tirou do protagonismo político regional.

O legado de Celso Daniel foi assassinado aos poucos. Pior que isso: deu lugar a vigarices que não só sufocam os conceitos de Celso Daniel como também os violam com alquimias, trapaças, inoperâncias e descalabros político-administrativos.   

CHAMA PERMANENTE

Somente CapitalSocial, publicação originária da revista de papel LivreMercado, segue firme no propósito de manter acessa a chama da regionalidade que, desde a primeira edição de 1990, antes mesmo da constituição do Clube dos Prefeitos liderado por Celso Daniel, colocou a temática dos cromossomos dos sete municípios como cláusula pétrea de jornalismo com responsabilidade social.

Para se ter uma ideia, há no acervo desta publicação nada menos que 1.388 textos têm  “regionalidade” como tema. E sobre “Clube dos Prefeitos”? Novecentos e cinquenta.

Por isso e muito mais (Celso Daniel aparece em quase dois mil textos de um total geral de quase nove mil) é imperiosidade editorial que nesta data Celso Daniel seja devidamente lembrado num contexto amplo, por mais resumido que seja, como é o caso.

É mais que premente que o legado de Celso Daniel seja esfregado nas fuças dos prevaricadores da regionalidade construtivista. Celso Daniel era prefeito de Santo André com os olhos, coração e mente na região. Somente perdeu um pouco da intensidade quando caiu na real de que parecia isolado do restante do bloco de prefeitos mais preocupados com afazeres domésticos. Além disso, a gestão municipal já despertava cobiça do Partido dos Trabalhadores em alçá-lo a novos patamares. Não à toa morreu pouco antes de assumir para valer a coordenação do programa de governo de Lula da Silva, em 2002.

Entre a Santo André e o Grande ABC do passado em que Celso Daniel se consagrava como o maior prefeito regional da história e o prefeito municipal mais reformista, e o presente de procrastinação e populismo é vexatória: estamos à deriva, acompanhando um show de horrores de oportunismos, engabelações, proselitismos e tudo de nocivo que a política tradicional é capaz de oferecer. E oferece às sobras, em embalagens marqueteiras ludibriadoras da boa-fé.

Vamos nos ocupar nesse confronto do passado de fatos e expectativas promissores e o presente desolador. Nada será abordado sobre o vetor criminal da ausência de Celso Daniel. Não existe no jornalismo brasileiro quem se tenha dedicado mais ao Caso Celso Daniel do que este jornalista. São 193 matérias (entrevistas, reportagens, análises) ao longo dos anos.

A série documental da Globoplay, da qual participei como entrevistado, é o único exemplar jornalístico eletrônico confiável em meio a dezenas de intervenções recheadíssimas de imprecisões, especulações e violação deliberada da verdade dos fatos.

TEATRO DAS TESOURAS

Resumidamente, para que não sobreviva dúvida, Celso Daniel foi vítima de um crime de ocasião, conforme todas as investigações policiais constataram. Ao misturarem crime e corrupção, os manipuladores dos fatos procuraram associar a realidade na gestão pública à fantasia criminal.  E tudo partiu do Palácio  dos Bandeirantes, ocupado por Geraldo Alckmin, então governador dos paulistas.

O mesmo Geraldo Alckmin agora vice-presidente da República sob o comando de Lula da Silva. Essa é a ponta de um novela de interesses costurados a partir da morte de Celso Daniel envolvendo petistas e tucanos no que se convencionou chamar de Teatro das Tesouras. Não trataremos disso hoje.

Deixemos isso de lado. Sugiro aos céticos que mergulhem no acervo desta publicação. Não é preciso ler tudo que se apresenta. Basta recorrer ao resumo da análise do documentário da Globoplay.

De volta ao mundo municipal e regional que Celso Daniel conhecia tão bem, eis o que de fato interessa: uma imersão no que Santo André (e o Grande ABC) contava com Celso Daniel e perdeu sem Celso Daniel. Confrontar as pontas dessa linha do tempo é exercício de cidadania.

Afinal, trata-se de oportunidade de ouro não só para trazer Celso Daniel a uma pauta obrigatória como também alertar sobre o momento de uma cidade e de uma região negligente e incapazes de compreender o que está por baixo dos panos de falsas regionalidades: 

 AMBIENTE INSTITUCIONAL

 AMBIENTE POLÍTICO

 AMBIENTE ECONÔMICO

 AMBIENTE MIDIÁTICO

 AMBIENTE CRIMINAL

 GOVERNABILIDADE AMPLA

 REGIONALIDADE IRRESTRITA

 REGIONALIDADE GRUPISTA

 EIXO TAMANDUATEHY

 GOVERNANÇA TÉCNICA

 ANALÓGICO VERSUS DIGITAL

 EVASÃO DE CIDADANIA 

Exposta essa vitrine, nada melhor que procurar destrincha-la. Não é preciso estender as avaliações para que se tenha a compreensão do quadro municipal e também regional do Grande ABC. Aqueles que há muito se afastaram dos limites geográficos da região ou aqueles que conhecem a região à distância, e mesmo aqueles que mesmo morando num dos sete municípios conta com um cotidiano enlouquecido pelo trabalho, terão a oportunidade, em seguida, de acompanhar um retrato fidelíssimo da situação pretérita e atual.

Os 12 pontos nucleares sobre os quais dividi e multipliquei essa abordagem se completam. Por isso, decidi ser relapso ou quem sabe pragmático ao não me preocupar com  hierarquia de valoração temática ou com algum sentido cronológico. Esses fragmentos explicativos são de fato uma baciada de fatos, argumentos, realidades e também subjetividades. Por isso mesmo o caldo de complementaridades torna tudo junto e misturado.

Que os leitores, portanto, tenham a coragem de apontar eventuais separações e ajuntamentos. Qualquer que seja a conclusão, é inevitável a sustentação de uma ancoragem indesejável: Santo André (e o Grande ABC) chegou a um estágio de despreparo, covardia, descaso e tudo o mais que não resistem à história: Celso Daniel não está mais aqui. E se o maior prefeito regional não está mais aqui, o melhor é apertarem os cintos. Estamos sem piloto de verdade nessa aeronave continuamente em pane somente negados por fogueteiros despudorados. Temos sim um piloto automático que obedece ordens descoladas do tempo. 

 AMBIENTE INSTITUCIONAL 

A segunda metade dos anos 1990 foi o período mais transformador do Grande ABC. Celso Daniel tomou posse como prefeito de Santo André em janeiro de 1997. O Fórum da Cidadania do Grande ABC, lançado em 1994, estava a pleno vapor. O Fórum da Cidadania reunia lideranças das mais diferentes entidades locais. Lançado e tutelado pelo Diário do Grande ABC, o lema da instituição prendia-se ao consenso como fonte de mudanças. Ou seja: a pauta não continha abrasividade. O Clube dos Prefeitos, criado por Celso Daniel em 1989,  vivia anos de anestesiamento, quando não de desativação prática. Os prefeitos eleitos em 1992 praticamente abandonaram a instituição. A eleição e a mobilização do Fórum da Cidadania com inúmeras pautas regionais levaram o prefeito a movimentações extraordinárias. Sob a liderança de Celso Daniel criaram-se o Clube dos Prefeitos e seu braço técnico chamado Agência de Desenvolvimento Regional. Em seguida, veio a Câmara Regional do Grande ABC, espécie de Fórum da Cidadania muito mais amplo  e com participação ativa de prefeitos, vereadores, deputados, governo do Estado e seu secretariado, entre outros ativos públicos e privados. Pela primeira vez se desenvolveu um Planejamento Estratégico Regional, sempre sob a liderança de Celso Daniel. A pauta geral era ambiciosa. Havia mais cores estatais do que privadas nas propostas, mas era um avanço. A morte do governador Mario Covas em 2001 e de Celso Daniel em seguida fizeram da Câmara Regional passaporte de afrouxamento seguido de desativação prática.

 AMBIENTE ECONÔMICO

O desmoronamento econômico de Santo André é um convite especial ao desmanche da democracia no sentido mais tradicional do regime. Quando os braços da Economia e da Sociedade fraquejam ao sabor da baixíssima mobilidade social, a tendência é de supremacia do Estado. No caso, em forma de Município. Santo André cai permanentemente no ranking do PIB dos Municípios Paulistas. Durante os primeiros cinco anos já apurados pelo IBGE,  Santo André da Administração  Paulinho Serra 39  posições. Santo André trafega em direção à 200ª colocação estadual. Uma afronta ao passado.  Não se trata de rebaixamento temporal, com perspectivas de recuperação consistente. A curva descendente vem do passado mais distante e se acentuou nesse século. No confronto entre o PIB per capita de Santo André e o PIB per capita da média brasileira, os dados são alarmantes. Em 2002 o PIB per capital brasileiro representava apenas 58,30% do PIB per capita de Santo André.. Em 2021 viu a participação subiu para 90,29%. Esse é um medidor implacável porque aponta o quanto Santo André (e o Grande ABC como um todo) sente as dores da desindustrialização, guarda-chuva de uma equação desclassificatória no campo da competitividade. No Ranking dos Municípios Brasileiros, os dados de 2023 colocam Santo André na posição 117 entre os 400 municípios brasileiros com mais de 80 mil habitantes. Celso Daniel já antevia esse desastre.  Numa entrevista a este jornalista pouco  antes de ser assassinato Celso Daniel depositava expectativa de que o setor de serviços poderia compensar em boa parte a retração industrial devastadora de produção de riquezas em forma de produtos e salários. O Projeto Eixo Tamanduatehy tinha esse propósito, entre outros.

Pior que estar em situação econômica dramática há muito tempo é o negacionismo recheado de triunfalismo. A Administração Paulinho Serra excedeu-se em mentiras e lorotas com um departamento de marketing glorificador de notícias falsas, docemente propagadas como verdades absolutas pelos meios de comunicação controlados pela centralidade da força política.

 AMBIENTE POLÍTICO

Celso Daniel assumiu a Prefeitura de Santo André quando o Plano Real, lançado em 1994, seguia sucesso de público e bilheteria. Fernando Henrique Cardoso era o presidente da República. O PT de Celso Daniel avançava e recuava ao sabor da macroeconomia. Lula da Silva já havia perdido três eleições presidenciais. Santo André estava dividida entre conservadores populistas como Newton Brandão e um petismo de Celso Daniel que começava a despertar simpatia e respeito da classe média exatamente por não ter as características tão sindicalistas quanto a dos petistas da vizinha São Bernardo. O filho de classe média de Bruno José Daniel, político conservador  que atuou tanto nas proximidades do Executivo quanto ocupou função no Legislativo, ousava juntar-se a esquerdistas menos radicais. Celso Daniel foi eleito prefeito pela primeira vez em 1989, mas se destacou mesmo a partir de 1997, quando mais experiente, ganhou a disputa contra o deputado federal Duílio Pisaneschi com facilidade. Santo André era uma cidade dividida pela concorrência. Celso Daniel começou a forjar uma nova conceituação que lembrava o socialismo democrático europeu. Políticas públicas direcionadas aos mais carentes não tonitruavam clivagens excludentes como nestes tempos de polarizações extra municípios. 

 AMBIENTE MIDIÁTICO

No período do segundo e do terceiro mandato incompleto de Celso Daniel prefeito  -- 1997 a 2001 -- dois veículos de comunicação que se completavam na região: o noticiarista Diário do Grande ABC e a reflexiva revista de papel LivreMercado. Celso Daniel enfrentava barreiras no Diário do Grande ABC dada a proximidade da direção de Redação do jornal com conservadores comandados pelo empresário e deputado Duílio Pisaneschi. Havia forte resistência a Celso Daniel. Chegou-se, sob a liderança do Diário do Grande ABC, do diretor Fausto Polesi,  a se recorrer, em 2000, à candidatura do deputado federal Celso Russomanno, então com muito prestígio, para concorrer à Prefeitura. Não havia adversário local que colocasse dúvida sobre a preferência do eleitorado por Celso Daniel, agora festejado pela classe média. Celso Daniel fez quatro anos de mandato de forte mudança em Santo André. Russomano apanhou feio. 

 AMBIENTE CRIMINAL 

Santo André e o Grande ABC como um todo viveram na segunda metade dos anos 1990 o período comprovadamente mais violento da história. Uma mistura de levas de desemprego industrial mais fortemente acentuada a partir de 1990, e de empobrecimento social, elevou às alturas as estatísticas de homicídio. Cada temporada do final de 1990 e mesmo iniciais do novo século, até o assassinato de Celso Daniel, registrou mais de 1,2 mil assassinatos em média na região. Disputas por pontos de drogas entre facções criminosas aterrorizavam a periferia, principalmente. O assassinato de um bandido de alta patente provocou o fechamento do comércio da Vila São Pedro e vizinhança, em São Bernardo. O toque de recolher foi acompanhado pela polícia.  A política de Direitos Humanos do governador Mario Covas era um convite à impunidade. Para se ter ideia do quanto o quadro criminal se alterou na região e no Estado de São Paulo como um todo, não passam de 300 registros nos últimos anos, mesmo com a população avançando mais de 400 mil novos moradores. Região embalada ao longo de décadas pelo Desenvolvimento Econômico continuo como meca de emprego formal, o Grande ABC transbordava em desalento. Diadema batia recorde sobre recorde com mais de 100 assassinatos por 100 mil habitantes.  Era campeã absoluta em criminalidade letal. Hoje não passa de 20 mortes violentas para cada grupo de 100 mil habitantes.   O sequestro e a morte de Celso Daniel mudaram a política criminal em São Paulo. O crime se organizou e também entrou em campo. A matança foi reduzida.  

 GOVERNABILIDADE AMPLA

Uma das maiores virtudes da gestão de seis anos de Celso Daniel (vamos esquecer o primeiro mandato, de um novato preso às ferragens do liberalismo e do socialismo) foi a política de relacionamento com os mais diferentes atores sociais e econômicos de Santo André e da região. A criação do tripé institucional que revolucionou a estrutura organizacional da sociedade regional, no caso o Clube dos Prefeitos, a Câmara Regional e a Agência de Desenvolvimento Econômico simbolizavam o salto de Celso Daniel para além do encarceramento político-partidário que o PT cultivava como peça única da tapeceira de interlocução social.  Celso Daniel aperfeiçoou uma arte pouco aplicada e difundida em Santo André e na região como um todo, ao lidar com sabedoria com os pobres e miseráveis e com a classe média. Não à toa a  vitória eleitoral massacrante de 2000 foi reiterada nas urnas dos bairros mais conservadores, mesmo que em proporções um pouco abaixo de localidades mais populares.   Nenhuma gestão pública, antes e depois de Celso Daniel, foi tão próxima da sociedade como um todo  -- muito além de uma linha populista da maioria. Existia uma aproximação produtiva, de inquietamento e de diálogos sintonizados com o planejamento estratégico de um Município duramente atingido pela desindustrialização.    

 GOVERNANÇA TÉCNICA

Entre secretarias ocupadas por políticos profissionais e secretarias ocupadas por técnicos conectados com o planejamento estratégico, Celso Daniel preferiu a segunda alternativa a partir do segundo mandato. Muitos dos profissionais que serviram a Santo André o fizeram até que Celso Daniel se manteve à frente da Administração. Sem Celso Daniel a equipe de profissionais foi se desintegrando, até que, já antes mesmo da eleição do sucessor, o também petista João Avamileno, prefeito nos três anos pós-morte de Celso Daniel, houve completa reformulação. Celso Daniel estabeleceu um divisor de qualidade como chefe do Executivo ao não alargar  espaço a interferências excessivamente políticas e partidárias que comprometessem os objetivos traçados. Numa quebra de paradigma petista, chamou para a recém-criada Secretaria de Desenvolvimento Econômico um ex-executivo de uma multinacional, a Rhodia. Nelson Tadeu Pereira passou a ocupar um cargo ambicionado por muitos porque estava diretamente ligado ao prefeito, único da história então recente e mesmo posterior de Santo André que enxergava a Economia como área de vital importância,  professor que era na Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo.      

 REGIONALIDADE IRRESTRITA

O mapa territorial de Santo André era o espaço politico preferencial de Celso Daniel, mas os olhos estavam postos além fronteiras municipais. O Grande ABC retaliado em sete municípios em meados daquele século jamais foi tocado para valer por um agente público disposto a despender tempo e recursos para demolir os muros de um separatismo que já se apresentava ruinoso ante o mundo globalizado. Celso Daniel percebera que a função de prefeito municipal não o impedia de acondicionar espaço ao prefeito regional que ninguém o fora até então. Ao liderar a criação do Consórcio de Prefeitos em 1989 (o Clube dos Prefeitos), Celso Daniel não instalou a Economia como preocupação  relevante. A desindustrialização vigente ainda não havia sido diagnosticada. Foi a revista LivreMercado pioneira no tema. Mas ao voltar ao comando de Santo André em 1997, numa situação de desencaixe total do Clube dos Prefeitos das premissas que ele, Celso Daniel, constituíra durante o primeiro mandato, de 1989 a 1992, decidiu imprimir novo ritmo. As circunstâncias o impulsionaram à arremetida. Afinal, o Fórum da Cidadania, uma construção coletiva de lideranças de várias áreas da região, apresentava-se como alternativa potencialmente forte ao comando político-estratégico do Grande ABC. Foi aí que o prefeito já com sonhos federais de um PT de Lula da Silva cada vez mais influente no ambiente nacional engrenou uma quinta marcha rumo a uma regionalidade inédita, mas que durou pouco além dos anos subsequentes à morte de seu criador.      

 REGIONALIDADE GRUPISTA

Santo André chegou ao estágio quase indestrutível de imperialismo político-partidário. O regionalismo irrestrito desfraldado por Celso Daniel nos anos 1990 e começo de 2000 virou regionalismo de grupo. A eleição de Paulinho Senho em 2016 tornou o sonho dos participantes ativos de uma administração voltada à exclusividade aos recortes desenhadas por mandachuvas. Os oito anos de Paulinho Serra deram luz ao prefeito Gilvan Júnior, jovem de 32 anos sem apetrechamento técnico para comandar uma cidade em permanente crise econômica e social. O grupismo de Paulinho Serra e agentes políticos, inclusive externos,  e empresariais que controlam as rédeas da Prefeitura de  Santo André consiste em eliminar ou enfraquecer qualquer adversário. Por força orgânica, O PT seria o único a resistir ao modelo que provocaria horror a Celso Daniel. Mas o PT de Santo André sofreu mais que o PT das demais cidades da região desde que escândalos nacionais ganharam as manchetes. O PT sofre de esquizofrenia dramática em Santo André e na região na quase totalidade de sete municípios: a lealdade ao voto a Lula da Silva, resiliente, não se amplifica nas disputas municipais. Santo André segue, embora com histórico próprio, a trajetória político-eleitoral de São Caetano, endereço no qual o mesmo grupo, com poucas mudanças, está no comando do Paço Municipal. No caso de Santo André, esse é o sonho dos mandachuvas. A eleição da mulher do prefeito Paulinho Serra à Assembleia Legislativa é emblemática, além de tantos outros exemplos. Carolina Serra fez de muitos candidatos a deputado estadual a parceria ideal para virar deputada  tendo a exclusão social de Santo André correia de votação num projeto de cunho popular chamado Moeda Verde e outros semelhantes. Lixo de plástico reciclável virou moeda de troca eleitoral a contemplar 120 entidades assistenciais. Dos quase 200 mil votos obtidos, Carolina Serra obteve 80% em Santo André. Os candidatos a deputado federal viraram cabos eleitorais. Foram utilizados como companheiros de chapa  como captadores de votos a Carolina Serra. Jamais o Paço de Santo André foi tão fortemente blindado. A perspectiva coloca São Bernardo, Mauá e Diadema sob o mesmo diagnóstico. Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra também iniciam projeção de controle da máquina pública sem sustos. Tudo isso junto e misturado para construir uma teia de candidatos a cargos parlamentares e executivos de acordo com a coreografia política dos mandachuvas.  

 EIXO TAMANDUATEHY 

O Projeto Eixo Tamanduatehy é a marca com a qual é possível diagnosticar sem equívoco o conceito de Celso Daniel sobre Desenvolvimento Econômico e reflexos à psicologia coletiva. Lançado durante o segundo mandato com assinaturas de grandes nomes da arquitetura e do urbanismo nacional e internacional, o Eixo Tamanduatehy deixou alguns exemplares de realizações materiais nas proximidades da Estação Ferroviária de Santo André. Nada que dê formas robustas ao que se projetou com pompa e circunstancias em dois endereços nobres. Primeiro, o Moinho São Jorge, em Santo André, de recordações magnetizantes, endereço da elite social naquele século e já há muito tempo tornado escombros industriais. Segundo, o Museu de Arte de São Paulo, na Avenida Paulista. A visão futurista de Celso Daniel colocava o Eixo Tamanduatehy como emblemática retomada de energia criativa de uma cidade com fortes traumas de viuvez industrial. Principalmente, de pequenas e médias empresas que foram varridas do mapa pela política discriminatória do presidente Fernando Henrique Cardoso. Antes disso, Santo André (e a região) enfrentou um sindicalismo de exigências que não distinguiam tamanhos das corporações. Mais tarde, presidente da República, Lula da Silva reconheceu o erro.   

 ANALÓGICO VERSUS DIGITAL 

É mais que evidente que o mundo digital destes tempos tecnológicos ainda embrionários da Inteligência Artificial Generativa fez da gestão pública palco iluminado de superficialidades, em detrimento da reflexão e do planejamento mais bem apurados. Celso Daniel dirigiu uma Santo André de meados dos anos 1990 até o primeiro ano deste século com foco no presencial, na coletivização de projetos levados a campo. Os prefeitos atuais são extensão de pirotecnias de marqueteiros cada vez mais valorizados no ambiente público e que já não se limitam às temporadas eleitorais. Todo dia eles estão nos aparelhinhos portáteis que revoluciona o mundo. São, esses marqueteiros, faróis de pragmatismo, quando não de embustes, dos prefeitos. Santo André de Paulinho Serra, oito anos prefeito, é o exemplar mais bem acabado na região do quanto a espetacularização  pode dar certo, mesmo que em detrimento da qualificação de projetos e ações endereçadas ao futuro. Entre Celso Daniel e Paulinho Serra há um fosso profundo em várias especialidades, mas no campo da tecnologia da comunicação é muito mais que isso: trata-se de tornar o presente um mecanismo de engabelação e falsificação da realidade prática.   O que era certo e sujeito ao escrutínio técnico no passado virou manipulações sofisticadas no presente. Mas há um contraveneno: a mesma tecnologia que cria farsas, também está na zona de contestação tecnicamente poderosa. A questão passa, entre outros corredores, pela integridade da mídia tradicional e das redes sociais. O que coloca todo o processo num quarto de despejo de reputação e credibilidade.   

 EVASÃO DE CIDADANIA

A cada dia que passa o poder das redes sociais torna a pauta municipal (e também a pauta regional)  menos relevante aos eleitores e população em geral. Basta dar uma espiada no consumo de informação da região para entender o que vai além da descentralização da audiência, mas a consequência pior dessa mudança: o arrefecimento crítico doméstico. Salvo  exceções facilmente identificadas, de grupos em larga escala dominados por interesses políticos dos respectivos paços municipais, com agentes distribuídos de forma a proteger as administrações públicas, prevalece a polarização de direita versus esquerda em nível federal. Dessa forma, a cidadania local empalidece e abre portas e janelas a um diversionismo deletério. Afinal, na exata medida em que os gestores públicos são cada vez mais midiáticos, os eleitores que também são consumidores de informações deslocam atenção a pautas de cunho nacional. Um exemplo dessa violação da cidadania local foram as pesquisas do Instituto Paraná. Faltando 15 dias para a definição das disputas na região, perto de 50% dos eleitores se declaravam ignorantes sobre em quem votar no ano passado. Uma situação que não derivava de uma ou outra escolha, mas prevalecentemente de desconhecimento da identidade e atributos dos concorrentes. Essa flacidez de pertencimento tende a agravar-se na medida em que a política nacional galvaniza ainda mais as atenções gerais nas dominantes redes sociais.



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