Não é tarefa para amadores e muito menos para covardes, tampouco para fofoqueiros, quando não para insensíveis, esculpir o perfil de um novo político na praça. É o que estou tentando ajustar a cada novo dia, sempre de olhos e ouvidos no noticiário. O prefeito eleito de São Bernardo, Marcelo Lima, que assume em primeiro de janeiro, vai-se revelando aos poucos.
Tanto é verdade que já há um desenho mais que definido do que pretende durante os próximos quatro anos. Marcelo Lima quer exorcizar o fantasma do prefeito Orlando Morando. Quer ser Marcelo Lima, não Marcelo Lima Morando.
O vizinho Gilvan Júnior, eleito prefeito de Santo André sob o controle do prefeito Paulinho Serra, um controle que se estenderá com um secretariado praticamente intacto, talvez seja a explicação do que poderia ser chamado de exagero de Marcelo Lima. Exagero e contradição. Explico mais embaixo.
A independência da gestão de Marcelo Lima é um direito de quem foi eleito, mas não se pode esquecer que Marcelo Morando Lima é quem foi às urnas no segundo turno. Assim como Gilvan Serra em Santo André na vitória em primeiro turno.
SÍNDROME DOS NOVATOS
Talvez Marcelo Lima viva síndrome de poder natural dos novatos em cargo tão importante. Possivelmente tema que a identidade Marcelo Mortando Lima seja correlacionada à identidade Gilvan Serra como sinônimo de servilismo. Nessas alturas do campeonato, cometeria o erro de desprezar a melhor alternativa. E a melhor alternativa, que já está claramente descartada, seria Marcelo Morando Lima.
Essa história de dizer que em time que ganha não se mexe é tão burra e ordinária quanto afirmar que em time que perde se muda tudo. O time que ganhou durante oito anos de gestão municipal foi o time de Orlando Morando, 21º colocado no respeitadíssimo Ranking de Competitividade dos Municípios Brasileiros, de 404 participantes com mais de 80 mil habitantes e 65 indicadores em três dimensões. O time que perdeu foi o de Paulinho Serra, 117º colocado na mesma competição. O primeiro foi mexido demais. O segundo não foi mexido.
Marcelo Morando Lima seria um governo de continuidade proclamado pelo próprio vencedor durante toda a campanha em busca de votos conservadores da Família Morando. Um governo Marcelo Morando Lima já está claramente rompido com a composição de um secretário integralmente com a cara do novo prefeito e sem nenhuma digital do prefeito em fim de mandato. A reformulação completa é um direito do novo prefeito. Resta saber se é mesmo o melhor para São Bernardo.
COALIZÃO E PERSONALIZAÇÃO
Cheguei, como se nota, ao estágio analítico de quem vê o prefeito eleito de São Bernardo como um homem público em construção como Executivo, com definições objetivas sujeitas a escrutínio. Após sondagens e agrados gerais de Marcelo Lima, observados atentamente, resolvi partir para a exposição do que poderia ser de fato a próxima Administração. E o que seria Marcelo Lima de fato já está se delineando mesmo. Não existe Marcelo Morando Lima. Resta saber se Marcelo Lima seria suficiente para manter e quem sabe melhorar o ritmo de jogo.
Provavelmente teremos por algum tempo ou todo tempo um político disposto a tudo para buscar conciliações que pareceriam estratégicas a uma governança mais eclética. Entretanto, também não hesitaria em cristalizar poderes do cargo que passará a exercer. Utilizaria para tanto a bazuca de um personalismo que asseguraria a condição de liderança do Município.
Para se colocar como liderança politica maior do Município seria requisito número um afastar o brilho de um prefeito ainda no exercício do cargo. Enquanto isso, costura uma aproximação com sonho de coalizão com grupos de candidatos derrotados, especialmente o PT de Luiz Fernando Teixeira e o eterno concorrente Alex Manente. William Dib, ex-prefeito e candidato a vice-prefeito na chapa do petista Luiz Fernando Teixeira, já está garantido.
SEM VASELINAGEM
A ideia inicial de que Marcelo Lima seria não mais que um adepto da vaselinagem política ruiu aparentemente numa entrevista que vou reproduzir em seguida. Marcelo Lima, deputado federal cassado por filigranas jurídico-politicas e duas vezes vereador, além de secretário de Obras, revelou-se menos “paz e amor” ao invadiu o terreno da exasperação crítica.
Saiu de cima do muro e saltou num quintal em que o cachorro bravo do contraditório é necessário. Marcelo Lima já não é o mesmo do antes, durante os primeiros dias pós-eleição. Não seria o primeiro nem o último candidato vitorioso a passar por transformação. Político em geral é um ser mutante ao sair do anonimato ou da zona de baixa importância. Sente necessidade de mostrar as garras.
É preciso que este jornalista seja um imbecil completo se as declarações que repasso abaixo não tiveram endereço chamado prefeito Orlando Morando. Na reportagem publicada pelo Reporter Diário, Marcelo Lima ataca o homem que o ajudou a ganhar a eleição de outubro, depois de, num primeiro turno, arriscar para valer ao colocar a própria sobrinha como competidora.
UM GRANDE RISCO
Marcelo Lima não seria bancado por prefeito algum como eventual sucessor depois da cassação de mandato de deputado federal. Orlando Morando não errou ao deixá-lo de lado. Errou ao arriscar com a candidatura da sobrinha. A transferência de votos foi limitada. Muito abaixo da aprovação popular aos dois mandatos transformadores que realizou.
Os méritos de Marcelo Lima ter ido para o segundo turno são de Marcelo Lima. Os méritos de Marcelo Lima ter vencido a disputa em segundo turno são de Marcelo Morando Lima.
Acompanhando as redes sociais locais como acompanho e que em regra são manipuladas pelos Executivos com suporte de militantes, principalmente em Santo André, está evidenciado que Marcelo Lima e Orlando Morando não estão frequentando o mesmo ambiente com entusiasmo mútuo. Se estiver errado, o errado é Marcelo Lima, por supostamente ter-se excedido nas declarações.
Talvez a origem dessa eventual desavença de pontos de vista e de maneira de enxergar a função de um prefeito em fim de mandato, caso registrado logo abaixo, tenha sido a aproximação entre Marcelo Lima e o presidente Lula da Silva, outro dia em Brasília. O flagrante do encontro mostra Marcelo Lima com os caciques petistas de São Bernardo, o ministro Luiz Marinho e o deputado estadual Luiz Fernando Teixeira.
APOIO DECISIVO
O apoio de Orlando Morando a Marcelo Lima no segundo turno das eleições de outubro se condicionava ao distanciamento do PT, partido historicamente adversário de Morando. Aliás, o único prefeito da região que jamais escondeu esse antagonismo. É verdade que William Dib também o fora sem grandes alarmes nos dois mandatos.
Afinal de contas, o que o prefeito eleito de São Bernardo disse e que foi captado por este imbecil com trezentos anos de profissão a ponto de se detectar uma relação no mínimo pouco amistosa? É disso que estou tratando.
Para tornar o entendimento mais fácil, acho que a melhor fórmula pedagógica é partir do princípio de que devo reproduzir abaixo o trecho completo da reportagem do Repórter Diário e, em seguida, interceder em forma de mediador. Está bem assim? Então vamos lá?
Marcelo Lima critica entrega
de obras agora e reconhece
trabalho de antecessores
George Garcia
Em coletiva nesta segunda-feira (16/12) para anunciar mais membros da sua equipe de governo, o prefeito eleito de São Bernardo, Marcelo Lima (Podemos) fez um desabafo, criticou obras sendo entregues ao fim do mandato e disse que não está preocupado com nome em placa de inauguração. Ele aproveitou também para reconhecer trabalhos dos três grupos políticos que governaram a cidade.
“Não é momento de entregar obra sem que esteja terminada, isso vai ser para mim em janeiro. Não tem por que entregar uma obra se ela não está pronta, não entregar por entregar, isso tudo eu quero tornar público no dia 1°. Espero tornar público um balanço de superávit, que não tenha obra paralisada, fora do contrato, que obras não precisem de outra intervenção. A população sabe, pois quando você entrega uma obra que não acabou, eu vou ter que intervir de novo”, disse sem falar quais obras seriam.
Marcelo Lima fez menção aos últimos prefeitos que governaram São Bernardo e reconheceu o legado de cada um. “Governar é a arte de entender que nós estamos de passagem. O William Dib, fez sua gestão e foi reeleito, o prefeito Luiz Marinho fez sua gestão e foi reeleito, o prefeito Orlando (Morando) foi eleito e reeleito, não podemos pensar que tem um super-herói na cidade, precisa entender que cada um está de passagem e vai deixar o seu legado, que temos que continuar independente do partido político, não temos que paralisar obra de ninguém porque quem se prejudica com isso é a população.”.
“Não estou preocupado se meu nome vai estar na placa ou não vai estar estou preocupado é com a minha cidade, que o viaduto, a duplicação e a escola vão ser entregues. Essa continuação de São Bernardo já vem há muitos anos, quantos projetos executamos do Luiz Marinho? Não tem que esconder, se for pegar no contrato do hospital de Urgência, quem assinou a ordem de serviço foi o prefeito Luiz Marinho, quem construiu foi a gestão Marcelo e Orlando; os viadutos do corredor Leste-Oeste, não adianta, a mentira tem perna curta, quem terminou as obras foi o governo Orlando e Marcelo Lima, agora quem projetou foi o governo anterior. O piscinão do Paço, pegamos a obra parada, mas terminamos, não adianta fazer fake news e enganação. Não esperem do Marcelo Lima fazer esse tipo de coisa, não estou preocupado com placa nem com vídeo.”, completa.
PRIMEIRO CONTRAPONTO
O desabado ao qual se refere a reportagem demonstra que Marcelo Lima está contrariadíssimo porque Orlando Morando, prefeito em exercício há oito anos, decidiu tocar a vida administrativa sem trauma depois de não ver a candidata que pretendia como prefeita. Morando deu seguimento à gestão, com série de iniciativas, de inaugurações, como se prefeito longe de fim de mandato. Causou surpresa a desenvoltura de Orlando Morando nesse sentido. O normal para os padrões nacionais seria Orlando Morando enclausurar-se após a derrota de Flavia Morando -- mesmo contribuindo uma barbaridade para eleger Marcelo Lima. Sim, barbaridade, porque só foi possível a Marcelo Lima derrotar Alex Manente no segundo turno com o suporte da Família Morando na classe média tradicional de São Bernardo, onde Marcelo Lima não conta com inserção sequer razoável. Os votos morandistas canalizados para Marcelo Lima, revertidos ao adversário da etapa final teriam provavelmente levado Alex Manente à vitória, conforme provam as urnas nesse reduto socioeconômico. Além disso, a desenvoltura do prefeito Orlando Morando em etapa final de gestão e de exposição pública faz parte da natureza de políticos que não pensam em encerrar carreira. Se alguns excessos eventualmente tenham sido cometidos, como insinua Marcelo Lima, com inaugurações de eventuais obras inacabadas, caberiam restrições reservadas à preservação das relações entre parceiros de jornada.
SEGUNDO CONTRAPONTO
Reconhecer o legado de cada antecessor é um gesto nobre e que deve mesmo ser exaltado, mas o prefeito eleito de São Bernardo talvez tenha exagerado ao afirmar que o desenlace do governo de Orlando Morando tenha sido necessariamente em consequência dos administradores imediatamente anteriores. O fato de um determinado prefeito deixar qualquer que seja o projeto para o próximo sucessor, porque não deu conta do recado, não retira os méritos mais acentuados de quem executou a tarefa legada. William Dib, Luiz Marinho e Orlando Morando, citados por Marcelo Lima, contaram com situações completamente antagônicas à frente da Prefeitura. Cada um deles foi reeleito por razões distintas. William Dib dirigiu São Bernardo sob o predomínio da presidência de Lula da Silva, período em que o Brasil cresceu além da média. Luiz Marinho deixou a Prefeitura num período desastroso de Dilma Rousseff. E Orlando Morando assumiu a Prefeitura após a catástrofe já consumada de Dilma Rousseff. Os desempenhos econômicos foram distintos. O critério de continuidade administrativa evocado por Marcelo Lima não existiu em São Bernardo. Orlando Morando teve o mérito de pegar pelo chifre a prioridade das prioridades de São Bernardo, no caso o nó logístico, adotando medidas profundas. Teve senso de oportunidade e de urgência. Foi, diante das circunstâncias, o melhor prefeito que São Bernardo já teve neste século. Para completar esse quesito, Marcelo Lima escorrega na casca da banana da contradição ao proclamar a continuidade administrativa de diferentes prefeitos a melhor referência à atribuição de méritos. Afinal, se proclama tanto a continuidade administrativa, como se explica que, ao se tornar resultado eleitoral de um prefeito consagrado, tenha decidido interromper completamente o circuito administrativo com a troca generalizada de secretarias municipais?
TERCEIRO CONTRAPONTO
Marcelo Lima chama para si méritos como vice-prefeito e secretário de obra, colocando-se como corresponsável em participação que poderia ser interpretada como relevantíssima. Entretanto, no mundo real não chegou a tanto. Marcelo Lima terá a oportunidade de tomar o posto de Orlando Morando como melhor prefeito da cidade nos últimos 25 anos, mas não assumirá o Paço Municipal carregando uma sacola de méritos que o colocaria como o melhor vice-prefeito e secretário durante o mesmo período. A carreira de deputado federal foi interrompida e daí em diante não teve participação efetiva na Administração de Orlando Morando.