Responda sem pestanejar: o Grande ABC como um todo de sete cidades e quase três milhões de habitantes é mais desigual que o Nordeste de nove Estados e 55 milhões de habitantes? E quem é mais pobre? Como você poderia responder a essa pergunta-chave se não forem apresentados alguns dados básicos? Se é esse o problema, então vamos lá. Lembro antecipadamente que estou respaldado tecnicamente por estudos de uma consultoria nacional (IPC) de reputação irrepreensível.
Antes, entretanto, desafio a imaginação e o conhecimento dos leitores para reiterar o questionamento: por tudo que se tem de informação sobre os Estados Nordestinos de Bolsas Famílias distribuídas a expressivas camadas da sociedade economicamente marginalizada, seria lógico responder que a desigualdade de renda, a desigualdade socioeconômica daquela região, é maior do que o que temos no Grande ABC mais próspero, embora decadente faz muitos anos? E que a pobreza também é maior lá do que cá?
Calma que vou apresentar os dados principais, mas não custa nada continuar a desafiar os leitores, provocativamente no caso porque a provocação é saudável quando se pretende chegar a conclusões factíveis.
Se os Estados do Nordeste são pronunciadamente mais suscetíveis à pobreza, como duvidar, portanto, que sejam mais desiguais na distribuição social que o Grande ABC, ainda um dos polos de, dentro dos limites nacionais, mais ricos do País?
CONCEITOS DIFERENTES
Pobreza e desigualdade são mesmo irmãos siameses? Seria a desigualdade social sinônimo de pobreza? Combater a desigualdade social é marcar um gol de placa em defesa da redução da pobreza?
Quem é afinal de contas mais desigual, o Grande ABC onde o capitalismo privado (com forte empurrão e também tropeções do Estado intervencionista) é antítese do Nordeste prevalecentemente sob as rédeas da mão grande do Estado?
Devagar, devagar, a cada novo parágrafo, vou chegando aonde pretendo. E o que pretendo é ter a resposta à questão colocada. Quem é mais desigual: o rico Grande ABC (sempre considerando dados de um Pais emergente) ou o empobrecido Nordeste? O conceito de desigualdade no caso é a diferença de ativos financeiros em várias modalidades entre os dois territórios. O conceito de pobreza é o que a própria palavra embute em cada caractere que a compõe.
Lucia Muller Machado, mestre em Economia aplicada pela USP (Universidade de São Paulo) e professora do Insper, tem uma definição que parece bastante pedagógica sobre pobreza e desigualdade social. Ainda outro dia ela escreveu na coluna que mantém na Folha de S. Paulo:
O dicionário diz que pobreza é falta, em especial, falta daquilo que é necessário à subsistência. Pobreza significa pouco, carência. Desigual, também, segundo o dicionário, significa um estado de coisas que não são iguais entre si, é uma comparação. Muitas são as memórias de fatias de bolos divididas desigualmente entre irmãos na infância. Enquanto pobreza é um forma de se referir à escassez de algo, a desigualdade é uma forma de se referir à comparação de algo entre pessoas. Pobre é quem tem um pedaço pequeno do bolo, desigualdade é a comparação dos tamanhos dos pedaços entre pessoas -- escreveu.
MAIS E MAIS
Portanto, quem é economicamente mais desigual, o Nordeste conhecido por conta de carências de todos os tipos em diferentes áreas, sempre a partir do Desenvolvimento Econômico frustrante, ou o Grande ABC bafejado pela sorte de ancorar a indústria automotiva a partir de meados do século passado e de, com isso, em posição geográfica privilegiada até então, incrementar a maquinaria de progresso? Tem também o setor petroquímico-químico como sustentáculo. E quem é mais pobre entre esses dois territórios?
Não podemos esquecer dessa contraposição porque uma coisa não é necessariamente outra coisa, como explicou a especialista rebocada a esse texto.
Quem respondeu que o Grande ABC é mais desigual que o Nordeste está absolutamente certo. Porém, há considerações a fazer que vão bagunçar o coreto dessa interpretação.
O mais desigual também é o mais rico economicamente. Ou seja: quem mora no Grande ABC em média tem melhor qualidade de vida do que quem mora num dos nove Estados nordestinos. Desigualdade nesse caso, portanto, não é o fim da picada, algo que deve ser combatido com perseguição às classes mais apetrechadas financeiramente.
CAPITALISMO CONSTRUTIVO
Ou estou enganado e parte dessa desigualdade, convenhamos, foi fabricada inclusive nos chãos de fábricas dos revolucionários metalúrgicos de Lula da Silva que, ao longo dos anos, colocaram as montadoras e grandes autopeças como berço de mobilidade social?
Sem a desigualdade provocada pelo capitalismo privado de empresas locais e multinacionais num painel de tratamentos distintos pelo Estado, o Grande ABC não seria em média mais rico ou menos pobre, muito menos pobre, que o Nordeste, exemplo maior do fracasso do Estado como provedor de Desenvolvimento Econômico e exemplo maior do Estado repassador de políticas populistas, um curral de poder e de votos.
O grau maior de igualdade do Nordeste engana acadêmicos ou os acadêmicos ainda não se deram conta disso quando atiram nas costas do capitalismo todos os males da desigualdade social?
A premissa de que o Nordeste é menos desigual que o Grande ABC, conforme dados de um indicador inquestionável como fonte de segurança, colocaria outra questão, ou uma questão central como pregação anticapitalista.
Se o Nordeste for mesmo menos desigual que o Grande ABC, e o é de fato, isso significaria que o Estado Assistencialista, o Estado excessivamente controlador ou municiador de recursos públicos, garantiria supremacia ante o capitalismo tupiniquim, mesmo um capitalismo escorchantemente sugado pelo Estado com elevadíssima carga tributária e baixíssima capacidade de devolver a arrecadação em forma de investimentos transformadores.
Desigualdade social é algo que permite flexibilidade interpretativa ou é uma camisa de força ditada por acadêmicos e estamos conversados? Vamos então os números.
DECOMPOSIÇÃO REVELADORA
O Nordeste de nove Estados é menos desigual que o Grande ABC de sete cidades entre outros motivos porque do estoque de recursos financeiros para gastar nesta temporada de 2024 as classes mais privilegiadas (ricos e classe média tradicional) controlam praticamente os mesmos valores (47,9% ) da classe média precária, dos pobres e dos miseráveis(52,1%).
Já no Grande ABC a classe rica e a classe média tradicional contam com 63,1% dos recursos financeiros disponíveis, enquanto a classe média precária, os pobres e os miseráveis controlam 36,9%.
Por esse prisma, portanto, decompondo-se as camadas socioeconômicas, há mais afinidades de ativos financeiros entre os nordestinos desses dois mundos de classes antagônicas do que entre os moradores do Grande ABC.
Até esse ponto, tudo parece lógico, não é verdade? Mas eis que a roda pega. A camada de famílias de classe rica e de família de classe média tradicional no Grande ABC corresponde a 32,0% de todas as moradias, ante 67,8% das classe média precária, pobres e miseráveis. Já no Nordeste, as famílias de classe rica e de classe média correspondem a 14,2% do total, enquanto classe média precária, pobres e miseráveis chegam a 85,5%.
CAPITALISMO MALVADO
Pegue esses dados pelo colarinho da atenção máxima. Veja se estou enlouquecido ou a linha de raciocínio é correta. Afinal, se 85,5% das famílias do Nordeste ocupam o mesmo eixo socioeconômico, com poucas diferenças de recursos, ante um a minoria expressiva de ricos e classes médias, então o que temos também, e de novo, é maior igualdade em relação ao Grande ABC que, como se observa, conta com um terço de ricos e classe média, enquanto dois terços estão do outro lado. A igualdade do Nordeste é maior ou estou enganado?
Sei que tem gente que ao ler o que estou escrevendo vai tentar desqualificar o raciocínio técnico-econômico, mas é o que temos para o debate. Ou estou enganado quando afirmo em seguida que os estudiosos que não cansam de defender a igualdade social (e o fator econômico é determinante) destilam sempre a mesma ideia de que as distorções surgem por causa do malvado do capitalismo?
É claro que o capitalismo não é santo que se cultue, mas, nesse caso, paga pelo que não fez. Ou paga integralmente pelo que não fez.
Calma que ainda não encerrei o raciocínio de contraposição aos ideais igualitários de gente que acredita que o fato de existirem ricos e classe média convencional em tamanho relativamente grande, amealhando recursos predominantes sobre as demais faixas sociais, é suficiente para estabelecer juízo de valor sobre pecados a serem corrigidos.
SINÔNIMO DE POBREZA
Desigualdade social é latente nesse País em que o Estado em três esferas jamais cumpriu compromissos de eficiência, lisura, ética, moralidade e tudo o mais conhecido e desvendado em parte numa série de escândalos de corrupção ao longo da história.
Atribuir desigualdade social exclusivamente ou predominantemente aos malvados capitalistas é estupidez. Sem contar que capitalismo no caso verde e amarelo envolve desde magnatas que dormem na mesma cama de gente do Estado numa suruba sem limites quanto, por outro lado e principalmente, pequenos empreendedores lançados às traças de políticas econômicas desastradas.
Volto ao que interessa e o que interessa é mostrar a prova do crime de avaliação imprecisa. Ou seja: o Nordeste é menos desigual que o Grande ABC mas nem por isso é melhor que o Grande ABC na construção do futuro, mesmo que o futuro do Grande ABC esteja embaçadíssimo com a desindustrialização. A pobreza é sinônimo de Nordeste. Diferentemente do Grande ABC, portanto e, infelizmente, por enquanto.
TROCA DE ESTOQUE
Mesmo maltratado nos últimos 40 anos com a desindustrialização sistemática, o Grande ABC é matriz de riquezas que se refletem na distribuição de ativos financeiros aos moradores em nível muito acima do que se encontra no Nordeste. Querem ver?
O estoque financeiro médio para consumo por habitante no Grande ABC, dados desta temporada, é o dobro da média por habitante do Nordeste. São R$ 47.213.969 ante R$ 23.816,00.
Se contasse com a mesma composição socioeconômica do Nordeste, o Grande ABC registraria número geral de R$ 64.824.984 bilhões de recursos para serem gastos, ante o total projetado para este ano de R$ 128.512.128 bilhões. A transposição da igualdade do Nordeste típica de zona de rebaixamento afetaria sobremaneira a desigualdade do Grande ABC típica de zona de classificação para a libertação socioeconômica.
Por outro lado, caso contasse com composição socioeconômica do Grande ABC, o Nordeste ao invés de registrar o montante geral de R$ R$ 1.309.689.546 trilhão, dividido por quase 55 milhões de habitantes, passaria para R$ 2.596.390.630 trilhões, também de 55 milhões de habitantes.
CONSULTORIA ESPECIALIZADA
Todos esses dados em estado bruto constam de estudos da Consultoria IPC, de Marcos Pazzini, uma das mais respeitadas fontes econômicas de CapitalSocial. É o que chamo de PIB de Consumo, requisitado por centenas de organismos públicos e empresas privadas.
Ainda na semana passada o jornal Valor Econômico publicou matéria que dá conta do mundo de shoppings centers no País. E lá estava a Consultoria IPC como fonte indispensável. O PIB de Consumo de Marcos Pazzini é o mapa da mina do dinheiro dos brasileiros. Não tem choro de opiniões fajutas ou seletivas sobre classes sociais, desigualdades sociais, pobreza, que não possa ser desvendado, nem vela de traquinagens de falsários.
Apenas para reforçar o pensamento e o conceito que colocam a desigualdade social como indicador que precisaria ser mais bem ponderado por especialistas enviesados como não necessariamente símbolo negativo. Há algum tempo mostramos, em nível regional, o quando uma população mais densamente semelhante em classes sociais menos abastadas também é uma sociedade socialmente menos desigual mas nem por isso mais próspera.
É o caso de Diadema, quando comparada a Santo André, São Bernardo e São Caetano, municípios onde as camadas de ricos e classe média convencional são proporcionalmente maiores e, com isso, aprofundam as diferenças em termos de recursos financeiros utilizáveis, a desigualdade social condenada arbitrariamente por contumazes simplificadores.
Desigualdade social no sentido tropicalizado do conceito é um portal a reavaliações e exorcismos interpretativos para não cair na vala comum de endeusamento de territórios que só são menos desiguais porque são mais pobres e carentes. Não estamos tratando de uma Dinamarca e de muitos outros países Nórdicos, entre outros. Nesses locais, desigualdade social é abstração tanto quanto pobreza.
Enquanto a sociedade não entender que o males do Brasil vão além das formigas, e que o Estado em três vertentes (federal, estadual e municipal) carece de profundas transformações, enquanto isso e muito mais não tomarem o espaço de opinião e argumentação de gente ideologicamente atávica, enquanto isso não for levado à frente com seriedade, vamos continuar condenando a desigualdade social não como desaguadouro de incompetência da classe política e ramificações técnico-acadêmicas, mas como bode quase sempre expiatório de deformações de empreendedorismo privado.
MAIS E MENOS
O Grande ABC é mais desigual e menos pobre que o Nordeste, mas está longe de ser o que o passado sugeriu que fosse e até mesmo se tornou durante algumas décadas. Caminhamos rumo ao Nordeste porque há três décadas contamos cada vez mais com menos famílias de classe rica e de classe média tradicional enquanto exércitos de classe média precária (a tal Classe C), pobres e miseráveis vão aumentando participação absoluta e relativa.
A discussão análoga à de quem nasceu primeiro, o ovo e a galinha, sobre se o Estado em suas várias esferas é ruim de governança porque é vítima do capitalismo predador que cerca o Estado ou se o capitalismo predador que cerca o Estado só existe porque o Estado é corrupto por natureza, não passa de mascaramento histórico de uma verdade que os usurpadores do Estado, no interior da máquina estatal, expõem a cada temporada de votos. Do que se trata? Não há candidato de oposição que não bata sempre na mesma tecla da ineficiência da máquina pública, multiplicadora insana de fracassos em múltiplas áreas, da Segurança Pública à Saúde, do Transporte à Educação, do Saneamento Básico ao Meio Ambiente.
Posto tudo isso, como esperar que um Estado de opção preferencial pelo manancial de votos do Nordeste dependente do mesmo Estado poderia se oferecer como contraponto viável de gestão diante de espaços territoriais que, mesmo violentados pelo Estado, conseguem se desvencilhar relativamente bem com a adoção do empreendedorismo privado, competitivo e transformador?