Acordei hoje com uma pergunta que me atormentou: considerando-se a realidade insofismável de que o Clube dos Prefeitos é um casarão assombrado por ineficiências cumulativas, com sete dormitórios estratégicos, uma área de lavanderia de imagem em estado precário, uma sala de mal-estar frequentada de vez em quando por festivos ocupantes, e um muralha de arrogância que o separa do povo, o que teremos dentro de exatamente quatro anos quando os novos prefeitos de agora já conhecerem os resultados eleitorais, sendo que dois deles não poderiam ser candidatos à reeleição?
O parágrafo longo que você acabou de consumir contraria meu estilo de escrever nestes tempos digitais. A leitura no papel é uma coisa e a leitura na tela é outra. Leitura no papel não exige tanta acuidade visual e cognitiva. Leitura em qualquer tela lembra centroavante que precisa estar atento ao cruzamentos que se oferecerá como possibilidade de gol na pequena área. Os zagueiros da dispersão tecnológica podem se antepor e atrapalhar. Acho que você entendeu.
O casarão assombrado do Clube dos Prefeitos do Grande ABC comporta sete inquilinos que a população elegeu em outubro. É um casarão historicamente desprezado, quando não desprezível. Noves fora Celso Daniel, claro.
SEMPRE EM FESTA
Os destinatários principais preferem mesmo e sempre os respectivos palacetes municipalistas que, embora tentem disfarçar, também são redutos em que há comprovadas intervenções para manter tudo festivamente.
O casarão assombrado regional e os palacetes municipais podem estar caindo aos pedaços administrativos em determinadas áreas, como a infraestrutura em energia econômica, mas os ocupantes não abrem mão de agendas triunfalistas cada vez mais cosméticas.
No fundo, os palacetes municipais que se contrapõem ao casarão da regionalidade de uso comum também são tormentosos, mas não faltam agentes sempre dispostos a utilizar arsenal de efeitos especiais. Para tanto, contam com irrestrita colaboração de quase toda a mídia.
Assessorias de imprensa tratam bem disso. Quem disse (não é mesmo Millôr Fernandes?) que jornalismo é oposição e o resto é armazém de secos e molhados pode ter exagerado na dose, mas mais acertou do que errou. O Grande ABC é quase todo um hipermercado de secos e molhados de bajulação.
ALEGRIA INDUSTRIALIZADA
Entre os palacetes festivos do municipalismo e o casarão assombrado da regionalidade teremos quatro anos de intensas movimentações, com agendas fluviais em positividades fabricadas. O ensaio geral já está posto. Só não enxerga quem pensa que o pior cego é aquele que não vê. O pior cego é aquele que pensa que enxerga.
Parece não haver dúvida de que há mobilização orquestrada para temperar um cardápio de interesses mútuos que não necessariamente é de interesse da sociedade servil e desorganizada.
O tempo vai dizer se o casarão assombrado vai se transformar numa habitação minimamente profilática, resistente ao agravamento de contrariedades econômicas e sociais nada metafísicas. Ainda resta esperança sobre essa premissa, mas o passado condena o casarão assombrado.
O casarão assombrado dos sete supostos irmãos de sangue originários de uma unidade territorial esquartejada por emancipacionismo mais interesseiro do que missionário é um casarão assombrado que cai aos pedaços em credibilidade e sustentabilidade institucional e operacional.
COMO ZUMBIS
Desde que foi construído, em 1990 sob a liderança do prefeito Celso Daniel, então em primeiro mandato, um mandato confuso, o casarão da regionalidade improdutiva segue se deteriorando.
O tempo passou pelas amplas janelas de cada um dos sete dormitórios reservados a uso exclusivo dos eleitos e um feitiço parece tornar os ocupantes cada vez mais baratinados, como se consumissem alguma droga incontrolável.
Os frequentadores ocasionais do casarão assombrado do Clube dos Prefeitos são zumbis que se acreditam poderosos na individualidade dos palacetes municipalistas que controlam e ainda mais fortes no casarão assombrado. Eles recusam publicamente, e terminantemente, qualquer adjetivação do Clube dos Prefeitos que não seja redentora. Mas sabem que se trata mesmo de um casarão assombrado por ineficiências sobrepostas ao longo de três décadas. Avanços circunstanciais sempre foram implodidos na troca de guarda personalista.
COMPULSORIEDADE
Os frequentadores formais do casarão assombrado não passam mesmo, desde sempre, de encastelados cada vez menos possuidores de recursos financeiros para aplicar nos respectivos territórios, além de compartilharem espaço por fora bela viola, por dentro pão bolorento.
Sempre mantive antenas ligadíssimas no noticiário regional, sobretudo quando é o Clube dos Prefeitos, ou seja, o casarão assombrado, que está na fita. Já tivemos de tudo ao longo dos anos, mas agora o que se apresenta ainda como ensaio e que deverá se converter em política estratégica, é uma espécie de coerção pela unidade que jamais existiu, mesmo quando, na quase totalidade do percurso, os sete prefeitos mantinham-se reunidos em forma de financiamento e supostas ações de integração regional.
Há um cheiro forte de obrigatoriedade à participação dos sete prefeitos com finalidades que ainda precisam ser aferidas, mas que, dada a peculiaridade panglossiana, ou seja, de pintar o casarão assombrado de cores vivas, dessas que induzem à conclusão de que novos tempos chegaram, poderão conduzir a cenários e soluções oportunistas.
O casarão assombrado do Clube dos Prefeitos está tão em baixa no campo econômico (outras áreas parecem menos gelatinosos em termos de resultados) que qualquer coisa, por mais insignificante que seja, se torna importante.
CORRIDA PELO ICMS
Um exemplo? Ainda outro dia o noticiário deu conta de que um executivo do Clube dos Prefeitos, ou da Agência de Desenvolvimento Econômico, puxadinho inoperante do casarão assombrado, comemorou a liberação da última parcela de repasses do ICMS desta temporada em favor dos atuais prefeitos, ao invés de esticar o prazo para a primeira semana do ano que vem, já com a nova turma eleita em outubro. Sabe-se que a solicitação teria sido desnecessária porque em situações análogas, de fim de mandato de Executivo Municipal, a Secretaria da Fazenda toma automaticamente a iniciativa.
Seja qual for o histórico desse repasse final de ICMS, imposto que representa em média perto de 30% dos recursos dos municípios, o fato é que o casarão assombrado do Clube dos Prefeitos e o quintal de terra batida e de piscina vazia da Agência de Desenvolvimento Econômico sentem o quanto são impotentes na competição cada vez mais acirrada de municípios por investimentos produtivos e repasses orçamentários do Estado e da Uniao.
Antes da construção do casarão assombrado do Clube dos Prefeitos e depois da construção do casarão assombrado e do puxadinho da Agência de Desenvolvimento Econômico os ocupantes ocasionais jamais se deram conta de que a concorrência invadiu suas terras em busca de reforços corporativos em forma de empresas e trabalhadores.
INVASORES
Missões principalmente do Interior do Estado e do Sul de Minas fizeram do Grande ABC campo de exploração de mão de obra e de empreendedorismo. A evasão de mão de obra qualificada e de empresas pode ser observada na geografia logística daqueles endereços. O desespero dos atuais prefeitos em garantir o ICMS faltante no ano resume os danos ao longo de temporadas.
A probabilidade de que o casarão assombrado deixe de ser casarão assombrado e ganhe configuração de Disneylândia, a despeito da realidade escancarada, não pode ser subestimada.
O Grande ABC do casarão assombrado do Clube dos Prefeitos e dos palacetes municipalistas escassos de recursos -- a ponto de seus ocupantes se tornarem pedintes estaduais e federais-- poderá encerrar o próximo quadriênio destilando lantejoulas sociais e econômicas sem sustentação.
Quem duvida desse desfecho certamente despreza a matriz inspiradora da mudança prevista para o casarão assombrado. Quem? Ora, ora, ora, a Santo André de Paulinho Serra e seus parceiros. Quem duvidar estará arriscado a quebrar a cara da ingenuidade ou da safadeza. Tomara que surja uma alma bondosa entre os ocupantes do casarão assombrado e desafie esse traçado mistificador.
Será que o prefeito da capital econômica do Grande ABC, o pacificador Marcelo Lima, será esse personagem indutor de mudanças para valer? Para isso precisaria compreender que pacificação sem comprometimento coletivo é um veneno pior que divisionismo sob falsa roupagem de unidade. Tomara que Marcelo Lima seja o homem prometido. Está na hora de exorcizar o casarão assombrado que Celso Daniel construiu como cavaleiro da regionalidade impostergável.