Seguimos reproduzindo ações que realizamos à frente da Redação do Diário do Grande ABC. Mostro o que passei no comando de Redação, entre julho de 2004 e abril de 2005. Apresentamos mais duas edições da newsletter Capital Digital Online, mecanismo eletrônico que utilizamos para levar a Redação do Diário a todos os setores daquela empresa. Tratamos hoje das duas últimas edições de 2004. A primeira edição, de 10 de dezembro, versa sobre conceitos pétreos da Teoria de Produtividade Editorial. Em seguida, revelo a edição de 31 de janeiro de 2004, que mostra a Redação mais próxima do Planejamento Estratégico Editorial.
EDIÇÃO NÚMERO 29
Grande ABC, sexta-feira, 10 de dezembro de 2004.
Para entender o sentido das notas
da Teoria da Produtividade Editorial
É natural que nem todos estão preparados para compreender o significado das notas que tenho atribuído a matérias geralmente já publicadas pelo nosso jornal. Não atribuo nota à revelia da lógica jornalística. E que lógica é essa? Ora, de observar atentamente cada matéria como um conjunto de parágrafos que definem o enredo de cada acontecimento, por menos importante que seja. Informar com qualidade é tornar a sociedade mais perceptiva, mais exigente, menos individualista. Por isso, alinhavo 10 pontos que, entrelaçados e entrecruzados, contribuem para o entendimento de critérios do valor de cada nota atribuída como elemento de sustentação da Teoria da Produtividade Editorial:
1) Valor da abordagem.
Um enfoque preciso, contundente, inescapável, com substância, é o carro-chefe de qualquer matéria. Quem não consegue encontrar o foco do material a ser redigido pode repensar a proposta de dedilhar. Não se pode errar o alvo, sob pena de um desastre.
2) Valor da eficiência.
Entenda-se eficiência como resultado do melhor texto possível com o menor número igualmente possível de inconformidades que envolve sintaxe e linguagem. A copidescagem da matéria em papel, não na tela do computador, é a melhor forma de chegar a bom tratamento editorial.
3) Valor agregado.
Toda matéria tem agregado de valor objetivo e subjetivo. Objetivos são as informações a que todos têm acesso diante dos fatos relativos à própria notícia. Subjetivos são os pontos em que o repórter faz a diferença por conhecimento cultural e consulta ao banco de dados.
4) Valor da sensibilização.
Escrever bem é saber amarrar o parágrafo seguinte ao parágrafo anterior. É desencadear movimento simétrico na forma mas acrobático no conteúdo. Textos sem sistematização de informações dispersam a leitura e, por fim, se tornam descartáveis.
5) Valor do tempo.
A copidescagem de uma matéria conectada com a cronometragem contribui imensamente à avaliação do resultado final. Textos de tamanhos semelhantes e de cronometragens desiguais explicitam grau de eficiência maior ou menor dos autores.
6) Valor estratégico.
Um produto editorial não pode ser tratado a cada edição, ou pior, em cada editoria, como ilhota com cultura e objetivo diferentes. Uma matéria tecnicamente perfeita sem compromisso com a estratégia editorial de médio e longo prazo jamais construirá rede de transformações pretendidas.
7) Valor tático.
Um produto editorial não pode ignorar o noticiário publicado no dia anterior. Cada acontecimento objeto de informação continuada ao longo dos dias precisa ser amalgamado de maneira que o leitor não seja levado a ter dúvidas sobre o desencadeamento dos fatos.
8) Valor interpretativo.
Jornalismo qualificado não admite que profissional de comunicação seja única e exclusivamente reprodutor acrítico de informações de terceiros. A neutralidade vazia, de deixar para terceiros a publicação de absurdos, é um dos muitos exemplos de vagabundagem editorial.
9) Valor emocional.
Nenhum texto, qualquer que seja o assunto, pode se despir da emocionalidade intrínseca do jornalismo. Textos relatoriais, expressivamente técnicos, inquestionavelmente formais, são um convite à lata do lixo. Por mais que o assunto seja circunspecto, há sempre uma maneira de enxertar humanismo em alguns parágrafos de forma a passar a ideia de que não foi uma máquina qualquer que construiu todos aqueles parágrafos.
10) Valor da racionalidade.
Por mais emocional que um determinado texto seja, dadas as circunstâncias que o encapsula, a racionalidade precisa estar sempre presente. Brigar contra os fatos é levar a informação jornalística à zona de risco de um salto mortal sem proteção. Escrever é a arte de transformar em realidade a contagem até 10 que se recomenda exaustiva e geralmente sem sucesso nas declarações verbais.
EDIÇÃO NÚMERO 30
Grande ABC, segunda-feira, 31 de janeiro de 2004.
Percorridos 10% do trajeto,
o que temos na Redação?
Embora com algum atraso, não podemos deixar de registrar que já percorremos 10% do trajeto de 60 meses da primeira fase de reestruturação da Redação do Diário do Grande ABC. Completamos seis meses no último dia 21 e estamos, finalmente, começando a perceber que não estamos enxugando gelo. Embora ainda existam pontos a ser duramente criticados, e tropeços que se repetem, no conjunto da obra a equipe de Redação começa a perceber que, finalmente, o jornal tem um norte, e esse norte está compactado no conceito de regionalidade. Há seis meses consecutivos que nossa principal manchete de primeira página -- e a maioria das demais -- está voltada para o Grande ABC. Um recorde absoluto na história do jornal que, muitas vezes, assumiu postura típica do gataborralheirismo que tanto condeno.
Atingir temporalmente 10% da jornada com resultados em média superiores a esse índice é apenas o começo de trajetória que se pretende muito longa e fértil. Temos problemas crônicos na Redação, os quais estão sendo tratados diretamente com secretários e editores, agentes de multiplicação dos conceitos. Mas acredito que reunimos condições de superar todas as adversidades e chegar ao ponto que imaginamos. Desde que, evidentemente, a rotatividade de recursos humanos não seja estratégia burra de parametrização de custos em vez de ferramental de oxigenação do produto.
Mais do que imaginam todos os colaboradores, estou absolutamente atento ao que ocorre na Redação. Minhas análises são individuais e coletivas. Não vejo cada profissional como algo desgarrado dos demais. Nem todo o conjunto desvinculado do individual. Somos resultados de nossas circunstâncias individuais e grupais. Parece óbvio, mas convém repetir: o jornal que levamos ao público depende individualmente de cada um de nós mas também conjuntamente de todos nós.
Sugiro àqueles que eventualmente ainda não entenderam nossos propósitos que leiam atentamente o Planejamento Estratégico Editorial. Ali estão consolidados os nossos objetivos, com a visão de quem vive o jornalismo do Grande ABC há muito tempo e que, embora regionalista por natureza e por necessidade, acompanha avidamente todas as nuances da globalização porque sabe que não há regionalidade que resista à ignorância da mundialização financeira, econômica, social e cultural.
Qualquer dia desses vou fazer uma breve listagem de todos os pontos em que avançamos na Redação do Diário do Grande ABC. Coisas impressionantemente ignoradas por gente que passou por aqui e, por deficiência ou negligência, foi incapaz de perceber e, portanto, combater. Avançamos muito nesses seis meses, mas temos muito mais a avançar. Ainda não me conformo com erros primários, mas me consolo quando percebo que a bateria de imperfeições já não é tão abusadamente carnavalesca.
Percorridos 10% do trajeto, o que temos na Redação? Temos a sinalização de um futuro melhor. Querem melhor incentivo a novos avanços?