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Imprensa

DANIEL LIMA - 28/11/2024

Transferimos  para a edição de hoje duas edições integrais da newsletter Capital Digital Online, ferramenta que criamos para analisar a produção editorial do Diário do Grande ABC. Estávamos diretor de Redação do jornal mais tradicional da região. Era dezembro de 2004. Mais precisamente 6 e 9 de dezembro, datas dos boletins. 

 

 EDIÇÃO NÚMERO 27

Grande ABC, 6 de dezembro de 2004.   

Resultado de cinco horas de

copidescagem: um jornal ruim  

Copidesquei (revisei jornalisticamente) neste final de semana 31 matérias publicadas pelo Diário. Algumas puderam ser corrigidas, mas a maioria saiu no jornal conforme as cópias que recebi em meu escritório domiciliar. A diferença entre o que sempre faço -- ler todo o material local que sai impresso no nosso jornal -- e o processo de copidescagem é que o segundo é mais meticuloso, detalhado.  

Como cronometrei cada matéria copidescada, porque resolvi adotar o que chamo de TPE (Teoria de Produtividade Editorial), o balanço do trabalho aponta que consumi 5h8 nesse trabalho -- 308 minutos. Também conforme a TPE, atribuí nota a cada matéria copidescada. O resultado final dos textos das editorias de Política, Economia e Setecidades é bastante comprometedor: mais de 50% das matérias (exatamente 16) não conseguiram alcançar a nota 5,0, o que as coloca no conceito "ruim", enquanto nove flutuaram entre as notas 5,0 e 6,5, de "razoável", e apenas seis oscilaram no critério de "bom", de 7,0 a 8,0. Nenhuma chegou ao "muito bom" de 8,5 a 10,0. 

Ainda hoje ou mais tardar amanhã estarei entregando aos respectivos editores e a cada repórter autor de matéria o resultado da copidescagem. É importante que acompanhem atentamente as mudanças porque temos uma parafernália de erros, de inconformidades, de abordagem, de tudo que o bom jornalismo não aceita. Há textos sofríveis. Dessas coisas horrorosas que jamais poderiam ser publicadas num jornal com quase 50 anos de atividades. 

Há uma montanha de explicações para o que encontrei nesse manancial de equívocos. Lamentavelmente, não se trata de exceção de um final de semana. Essa é, em verdade, a média do jornal nessas editorias. Nas demais o nível é relativamente superior, mas será devidamente avaliado numa próxima etapa. A mensuração é proposital no sentido de matar a cobra e mostrar o pau, ou seja, exibir as vísceras e, a partir dessa constatação documentada, assumirmos novo objetivo prático. 

O que significa isso? Que o modus operandi da Redação, deixado por gente extremamente burocrática, não interessa. Aos poucos estamos desmobilizando esses cacarecos, mas temos de ser mais intolerantes. Precisamos reduzir drasticamente as inconformidades de Redação. E não será com o sofrível método de copidescagem diretamente na telinha do computador, utilizado pelos editores. E muito menos se não houver referencial explicitamente objetivo. O material que copidescamos no papel é emblematicamente o farol que deverá iluminar a todos. 

Não entrarei em detalhes sobre os erros mais comuns, até porque seria preciso uma avaliação muito longa. Há problemas de todos os matizes. O estado de degeneração qualitativa a que chegou a Redação do Diário não pode ser mantido, sob pena de subestimação dos leitores intelectualmente mais preparados. Nosso jornal vai para a classe média do Grande ABC e certamente não agrada porque a qualidade é baixa. Não adianta dourar a pílula. Só reformularemos esse veículo se todos tiverem consciência de que estamos muito aquém da demanda do mercado mais gabaritado. 

Já estamos tomando série de medidas e mudanças. Alteramos o formato das pautas e vamos mexer ainda mais. A partir de hoje teremos os próprios repórteres participando da reunião dos editores. Serão chamados todos aqueles diretamente envolvidos nas matérias de destaque da edição.  

Fizemos isso experimentalmente na última sexta-feira e o resultado foi sintomático: duas matérias foram derrubadas por erros de abordagem e uma acabou reformulada conceitualmente, também porque estava no desvio. Temos de fazer com que o jornal das reuniões de pauta seja o jornal de papel que vai às ruas. Ou seja: o que se discute em reuniões de pauta geralmente não é o que encontramos no jornal de papel, porque há dificuldades de entendimento entre editores e repórteres e se vendem gatos por lebres. 

Os leigos em jornalismo jamais vão entender essas coisas todas, mas nossa obrigação, como jornalistas, é lhes oferecer o melhor jornal possível. E é o que pretendemos. O que temos está longe, muito longe, do que imaginamos como ideal. Espero, sinceramente, que haja empenho de todos nesse sentido porque não é apenas a credibilidade do jornal que está em jogo, mas a individualidade de cada profissional dessa casa. Quando as individualidades se apercebem da responsabilidade pela qualidade, todo o coletivo acaba ganhando.   

 

 EDIÇÃO NÚMERO 28 

Grande ABC, 9 de dezembro de 2004. 

Um tobogã de qualidade que

tira paciência até de monge  

É impressionante como o jornal não consegue se estabilizar qualitativamente. Fosse uma companhia aérea, provavelmente o Diário seria manchete de todos os jornais, porque haveria no mínimo um grande acidente por dia. A explicação é simples: por mais que se apliquem a teoria e a prática da necessidade de melhorar o produto, o bom resultado de hoje não significa um bom resultado amanhã. 

Um exemplo: depois do esporro da última edição desta newsletter, que retratou um grupo de matérias publicadas no final de semana, tivemos melhoria nas duas edições seguintes. Hoje, quinta-feira, infelizmente, as matérias sobre as quais me debrucei para análise se mostraram sofríveis. Não há otimismo que resista a desequilíbrio permanente. 

Modifiquei a sistemática de análise das matérias. Estou escolhendo diariamente um naco de textos sobre os quais construo, por amostragem, diagnóstico do produto final. Escolho as matérias mais importantes de Economia, de Política Regional e de Setecidades. A partir de hoje também lançarei olhares sobre Esporte e Cultura. Leio o jornal inteiro, mas me detenho especificamente em termos de avaliação nas matérias selecionadas. 

Esse trabalho deveria ser obrigação diária dos editores e dos membros da Secretaria Executiva. A leitura crítica como tenho feito, no papel, com anotações variadas, deveria ser igualmente rotineira de quem ocupa cargo de chefia. Esperava não precisar chegar a esse ponto de recomendação, mas como não senti interesse explícito dos profissionais dessas esferas, chamo-os à conscientização através desta newsletter. O resultado final do jornal é coletivo. Não sou candidato a messianismo. 

Se não pegar para valer cada texto e atacar sem piedade todas as inconformidades, jamais conseguiremos avanços. Jamais essa cultura de burocratismo, de fast-food informativo, de acomodação com as fontes de informação, de simplificação sem criatividade, de redundâncias, de tudo que é de mais pernicioso no jornalismo diário, jamais, repito, essa corrente de baixa qualidade sofrerá alterações. 

Infelizmente, a edição desta quinta-feira foi um colapso mental da maioria dos profissionais. Erramos demais nas principais matérias, apesar de tudo o que foi comentado na reunião de pauta. Temos um produto irritantemente inconfiável para quem se acostumou a fazer do jornalismo exercício de busca da conquista dos melhores leitores. 

Uma pena porque a edição anterior seria elogiada como eventual marca de recuperação. Ainda bem que não me deixei levar pelo entusiasmo. Meu humor está péssimo hoje. Não consigo suportar um jornal tão ruim. Faremos um diagnóstico verbal na reunião de pauta das 17h30.



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