A Folha de S. Paulo e o Datafolha da Folha de S. Paulo são fregueses de caderneta, ou de planilhas, desta série que desvenda sem contemplação técnica as maquinações de pesquisas eleitorais e assemelhadas com finalidades eleitorais. É o caso da edição de hoje. Veja o que escrevi em abril de 2023.
Folha esconde dano econômico
após a vitória de Lula da Silva
DANIEL LIMA - 04/04/2023
A edição de ontem da Folha de S. Paulo com dados estatísticos do Datafolha amenizou sobremaneira os estragos provocados pela eleição de Lula da Silva. Esta análise não confere necessariamente juízo de valor aos estragos do presidente da República, embora isso seja muito difícil de seguir.
Deixar de lado qualquer iniciativa que procure analisar os dados que a Folha publique sobre as entrevistas do Datafolha sem cair na armadilha de transformar exposição em argumentação é algo como sugerir que o Água Santa será o mesmo no futuro imediato depois do que anda aprontando no futebol paulista. O efeito-encantamento deverá ser relativamente duradouro.
O que interessa nesse caso, mais uma vez quando se trata de Datafolha e de Folha, é mostrar que esses irmãos siameses seguem a velha rotina de tomar o caminho de interpretação dos dados uma constante frustração para quem leva ciência a sério. A curadoria de terceiros, que é este o caso, torna-se, portanto, indispensável.
QUE TIPO DE ERRO?
Resta saber se a Folha e o Datafolha, nesse novo caso exemplar, erram de propósito ou foi apenas uma questão de edição do jornal. Acho que são as duas coisas e por serem as duas coisas convém desmarcara-las.
Como costumo fazer em situações análogas, nas quais o que parece mais ajuizado é reproduzir o texto original e em seguida expor o respectivo texto-corretor e explicativo, eis que me lanço à empreitada.
Primeiro vou recorrer à primeira página de ontem da Folha, com a manchetíssima da edição (manchete das manchetes) e os respectivos complementos – tanto a linha fina complementar ao título quanto o que o jargão jornalístico chama de “chamada de página”. Vamos lá, então:
Manchete da Folha de S. Paulo da primeira página: “Pessimismo com economia sobe desde a posse de Lula”. Linha fina: “Piora expectativa de inflação, diz Datafolha; 80% apoiam ofensiva contra juros”.
Agora vamos reproduzir a chamada de primeira página:
O percentual de brasileiros que esperam piora da economia aumentou, aponta a primeira pesquisa Datafolha sobre o tema no governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), realizada nos dias 29 e 30 de março em 126 municípios. Em dezembro, 20% tinha essa expectativa. Agora, são 26%, parcela igual à dos que acreditam em estabilidade. Entre os que contam com uma melhora, houve oscilação de 49% para 46%, na mesma base de comparação. A respeito da situação econômica nos últimos meses, a percepção maior agora é de continuidade: 41% dizem que está igual (eram 35%), 35% falam em piora (ante 38%), e 23% consideram que melhorou (em 26%). A deterioração das expectativas se nota entre os que preveem aumento da inflação, que saltaram de 39% para 54% -- os entrevistados que acreditam em queda caíram de 31% para apenas 20%. Quanto ao desemprego, 44% esperam alta, ante 36% há três meses. Para 31%, haverá piora do poder de compra, alta de dez pontos. A ofensiva de Lula contra os juros do Banco Central conta com ampla aprovação, de 80% dos brasileiros aptos a votar. Somente 16% avaliam que o presidente age mal ao pressionar o BC. Para 55%, a Selic, de 13,75% ao ano, está muito acima do que deveria, e para 16%, um pouco acima. Só 17% a consideram correta – escreveu a Folha na primeira página.
MUITO PIOR
A situação do ambiente econômico nacional é muito pior do que a Folha de S. Paulo publicou ontem. A Folha de S. Paulo de ontem deu um drible na vaca do tempo que passa.
Entretanto, como a mentira ou o engano, para não dizer esperteza, têm pernas curtas, a própria Folha de S. Paulo cai em contradição numa determinada página da edição, embora nessa mesma página o que mais se tem costumeiramente é o desprezo da maioria dos leitores.
Ou seja: a Folha tentou esconder o principal da pesquisa, um chute às alturas, mas se deu mal porque confessou o crime. Mas são raros os leitores que confrontam informações em forma de reportagem e posicionamento editorial oficial de uma publicação.
DADOS FURADOS
O leitor vai entender tudo isso com uma informação simples: os dados anunciados pela Folha na reportagem específica que cuidou da manchetíssima do dia são dados conceitualmente furados.
O que são dados furados? Os números comparativos jamais poderiam ser esquadrinhados a partir da posse do presidente Lula da Silva, mas sim a partir dos resultados do segundo turno e, principalmente, do noticiário imediato e também ao longo dos dois meses que separaram os resultados das urnas no segundo e a posse formal, ou seja, antes da festa mequetrefe em Brasília.
Explicando mais detalhadamente para que não haja dúvida: a pesquisa do Instituto Datafolha que deveria servir de base às informações transformadas em manchetíssima da edição de ontem da Folha de S. Paulo deveria ser a pesquisa do mesmo Datafolha nos dias que antecederam o segundo turno. Esse é o marco inicial que determinaria comparações. Se o leitor acha que estou enganado, não perde por esperar.
A própria Folha, como já escrevi aí em cima, admite a incorreção longe do espaço que reservou para a reportagem sobre os dados do Datafolha.
Feita essa ponderação (que, repito, a própria Folha faz, como vou revelar mais adiante), veja o leitor então como ficaria a manchetíssima de ontem daquele jornal, a linha fina e a chamada de primeira página, caso fosse este jornalista editor de primeira página da Folha e levasse em conta a integridade ética tanto da publicação quanto do Datafolha. Reparem bem:
Manchete correta da Folha de S. Paulo de ontem: “Ambiente econômico desaba desde vitória eleitoral de Lula”. Linha fina: “Datafolha apura que é grave a desconfiança sobre o futuro do País com Lula da Silva”.
Vamos agora ao texto da chamada de primeira página?
O Datafolha apurou um desastre que impacta duramente a economia brasileira, representada pela vitória de Lula da Silva nas eleições de segundo turno em outubro do ano passado. Dos 34% dos eleitores que disseram no final de outubro que a situação brasileira progrediu nos meses anteriores, agora apenas 23% acreditam nessa possibilidade. O aumento de 11 pontos percentuais logicamente provocou redução (de sete pontos percentuais) dos entrevistados que acreditam em piora do quadro econômico. Quase o dobro dos entrevistados, entretanto, 41% ante 23% meses anteriores a outubro, não veem mudança no quadro. Uma outra questão abordada pelo Datafolha dá a ideia do ambiente de preocupação nacional. Quanto ao futuro do País, o aumento do pessimismo é inequívoco. Em outubro, apenas 13% dos brasileiros aptos a votar consideravam que a economia do país iria piorar. O percentual subiu a 20% em dezembro e atingiu 26% agora. Ou seja: dobrou o número de brasileiros pessimistas após a vitória de Lula da Silva. Já os que esperavam melhora em outubro, antes das eleições, caíram de 62% para 49% em dezembro e para 46% em março. Ou seja: nada menos que 16 pontos percentuais, ou uma queda de 25%.
DADOS LIMITADOS
Só não dou prosseguimento ao texto que deveria balizar não só a chamada de primeira página, mas a reportagem de página interna da Folha de S. Paulo, porque os dados que utilizei estão limitados ao que consta do Editorial do jornal.
Editorial é o espaço em que uma publicação expressa valores, conceitos e posicionamentos. A Folha de S. Paulo sonegou aos leitores da reportagem da Folha de S. Paulo os dados da pesquisa pré-segundo turno em outubro do ano passado.
Esses dados são a base de qualquer texto, porque, repito, a gestão virtual de Lula da Silva começou ali, na festa da vitória.
A Folha de S. Paulo precisa sair do quadradinho do calendário oficial de eleições. No caso específico das últimas eleições, Lula da Silva e sua equipe começaram a governar desde os primeiros gritos de vitória. Quem recorrer ao noticiário há de constatar que o governo Bolsonaro acabara ali. E que a massificação dos propósitos dos ganhadores tomou conta do noticiário da Velha Imprensa e das redes sociais.
CRIME CONFESSO
Essa é uma realidade tão inquestionável que a Folha de S. Paulo se refere à pesquisa de outubro no espaço de opinião da casa. Ou seja: a Folha reconhecesse num espaço pouco lido o que deveria ter propagado na reportagem como realidade dos fatos.
Para terminar, de modo que não reste dúvida, reproduzo os primeiros trechos da reportagem da Folha de S. Paulo de ontem, alinhadíssima com a manchetíssima da primeira página, sob o título: “Cresce pessimismo com a economia desde a posse de Lula, aponta Datafolha”. Linha fina: “Mais brasileiros esperam aumento da inflação e do desemprego e piora na situação pessoal; levantamento é o primeiro após início do governo. Agora, alguns trechos da reportagem:
O percentual de brasileiros que dizem acreditar em uma piora da situação econômica do país nos próximos meses aumentou em março, aponta a primeira pesquisa Datafolha com o tema feito após o início do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Na rodada anterior, feita em dezembro, e logo após a eleição petista, 20% diziam esperar uma piora da economia brasileira – agora esse percentual é de 26%, mesmo patamar daqueles que acreditam que não haverá mudança. Entre os que contam com melhora, houve uma queda de 49% paras 46% -- escreveu a Folha.
CHOVER NO MOLHADO
Não vou dar continuidade à reportagem da Folha porque seria chover no molhado. Não há qualquer menção aos dados da pesquisa de outubro, antes do segundo turno. Comparar dados de março agora com o dezembro, pouco antes da posse de Lula da Silva, é conversa mole para boi dormir.
O Brasil de outubro passado era um carro usado que trocou de motorista e iniciou nova e acidentada viagem. Saiu do asfalto da esperança (segundo dados dos meses anteriores àquele outubro) e optou por uma estrada vicinal esburacada.
Da próxima vez conviria à Folha de S. Paulo prévio acerto de contas editoriais entre a chefia de reportagem e o editorialista responsável pela palavra oficial do jornal.