Vamos em frente com mais uma etapa retrospectiva da newsletter Capital Digital Online, utilizada durante os nove meses em que atuei como diretor de Redação do Diário do Grande ABC, entre julho de 2004 e abril de 2005. Mais três edições serão reproduzidas abaixo.
Na edição de 19 de outubro de 2004 procurei mais uma vez repetir o conceito-eixo do Planejamento Estratégico Editorial. Na edição seguinte, de 25 de outubro de 2004, chamo a atenção ao empenho que todos deveriam ter em defesa da informação qualificada. Na terceira, de três de novembro, evoquei a cobertura do Diário do Grande ABC nas eleições de 2004. Foi um trabalho extremamente cansativo para todos — mas que lavou a alma igualmente de todos.
EDICÃO NÚMERO 21
Grande ABC, terça-feira, 19 de outubro de 2004.
Reestruturação que se faz
necessária e que será feita
A reestruturação da Redação do Diário do Grande ABC se estenderá por muito tempo, como sempre alertei e, mais que isso, fundamentei no Planejamento Estratégico Editorial. O que encontramos na companhia é um amontoado de problemas que serão superados com o empenho de todos que participarem da jornada de comprometimento com o produto. Entenda-se comprometimento com o produto a associação de responsabilidade profissional, dedicação corporativa e compromisso social.
É muito fácil reformular o jornal graficamente como já foi feito em outros tempos e como outros jornais o fazem periodicamente sempre como ferramenta de marketing. Não faltam alquimistas marquetológicos metidos a invadir redações e a impor decisões que, no fundo, no fundo, mais que agravam o quadro, porque os problemas são rigorosamente jogados sob o tapete vermelho de maquiagem.
Não queremos um jornal artificializado. Haveremos, todos nós, de contribuir para que uma combinação de reforma gráfica, melhoria textual e aprofundamento das relações com a sociedade desencadeie um produto mais forte e respeitado. É uma jornada longa, como disse, mas já iniciada.
Começamos a reformulação da Redação com o fortalecimento da Secretaria. Precisamos de mais profissionais na área nuclear da Redação. São os secretários de Redação, em colegiado, que multiplicarão os conceitos do Diretor de Redação. Por isso, precisam ser ouvidos com atenção e respeito. E mimetizados em suas pregações. Editores e repórteres, fotógrafos e ilustradores, diagramadores e tudo o mais, precisam ser doutrinados para que o avanço do pelotão não deixe brechas que comprometam o conjunto.
As idiossincrasias internas e externas precisam ser neutralizadas. Não faltam atiradores descomprometidos com o futuro do produto. Mais que isso: para esses cafajestes que estão de tocaia, sempre em busca de separatismos internos, o que interessa de fato é atirar pedras, criar cenários de terror e introjetar no conjunto desta empresa falsas mensagens. Uma guerrilha sórdida, como se sabe. Própria de quem sabe que cada vez mais escassearão os espaços do jornal para aqueles que já tiveram a oportunidade de construir uma nova realidade e fracassaram redondamente.
Ainda estamos distantes do produto editorial com que sonhamos. Nossa qualidade apresenta oscilações terríveis. Temos consciência de que, além de imperfeições de recursos humanos, sofremos com limitações tecnológicas que serão brevemente superadas com investimentos da companhia. Investimentos que começarão pela Redação, como me foi garantido. Sonho com núcleos de produção habilitados a oferecer resultados matricialmente homogêneos. O jornal não pode ser um arquipélago de ilhas de diferentes matizes.
Haveremos de apresentar em menos tempo do que foi disponibilizado a antecessores resultados muito mais efetivos. Simplesmente porque não podemos depositar nossas esperanças e nossos trabalhos em salvadores da pátria. A descentralização que oferecemos à Secretaria de Redação é prova cabal do quanto valorizamos o coletivo. Que os editores, repórteres e os demais profissionais de comunicação da empresa tenham isso em mente e em perspectiva. Para que os objetivos sejam alcançados.
Em tempo: na semana que vem conversaremos a respeito de pesquisa que encomendei ao Instituto Brasmarket sobre o que os leitores de Santo André falam do nosso jornal. Posso antecipar que o que encontramos foi bastante interessante.
E não se esqueçam: não se deixem levar pelas demandas externas, de gente que quer capturar a consciência da Redação.
EDIÇÃO NÚMERO 22
Grande ABC, segunda-feira, 25 de outubro de 2004.
Um domingo de transtornos
por causa da baixa qualidade
A fragilidade da reportagem que virou manchete principal de primeira página desta segunda-feira só não comprometeu o jornal porque, em tempo, fizemos uma blitz com o Secretário Eduardo Reina. Infelizmente, tive de deixar minha residência num domingo à noite para ajudar a imprimir à matéria alterações substanciais que nada mais significariam que uma meia-sola muito da vagabunda, mas indispensável, por causa do horário.
Entrarei em detalhes técnicos sobre a matéria numa reunião específica hoje, mas o fato é que sinto o rufar de evidente premonição, por assim dizer: estamos completamente despreparados para dar suporte a uma questão fundamental da regionalidade que pretendemos para o jornal e que a campanha eleitoral tem quebrado o galho: não contamos com qualidade estável para suportar o tranco de primeiras páginas fortes, respeitáveis, assim que as eleições se forem.
Resumidamente, a matéria sobre a falência do IML no Grande ABC, obrigação do governo do Estado, pecava por vários aspectos. Por falta de qualidade textual, por causa de copidescagem minimamente qualificada, por abordagem sofrível, por falta de embocadura de manchete e muito mais. Não creio que a repórter seja setorista de saúde. Espero estar redondamente enganado, mas acho que se a Secretaria e os editores não entenderem que o jornal precisa de melhoria contínua, estaremos todos fritos.
Francamente, e escrevo isso sem a menor preocupação em ser politicamente correto, meu fígado não resistirá a novas jornadas como a de ontem à noite.
Não é possível — e vou cobrar da Secretaria e dos editores — que o jornal trate a qualidade textual, gráfica e informativa com descuido. Temos de ser insistentemente intolerantes com a baixa qualidade, porque senão levaremos nossos leitores à negligência e, portanto, longe do reformismo que tanto imaginamos.
Infelizmente, não fosse um telefonema — entre tantos no domingo — para saber detalhes sobre a manchete principal do jornal, teríamos publicado uma matéria muito abaixo do mínimo que exijo e que os leitores cobram. Não poderíamos jamais ter chegado a esse ponto, ao ponto de o diretor de Redação deixar sua família num domingo à noite para corrigir bobagens. Não é essa vida que imagino para mim e para meus filhos. E nem para este jornal.
Portanto, exijo dos senhores editores e da Secretaria compromisso sistemático com a qualidade. Sei que os equipamentos obsoletos que infestam a Redação atrapalham, mas não podem ser justificativa eterna. O modelo operacional que implantei na revista LivreMercado é meu sonho e hei de botá-lo em prática. Sei que isso não agrada a alguns profissionais culturalmente deformados pela baixa qualidade de fechar jornal, em vez de fazer jornal, mas não aceito alternativa. Ou melhoramos o modus operandi dessa Redação ou não teremos futuro.
Não é por ser diário que o jornalismo tem de ser de baixa qualidade. Há vários exemplos de jornais diários que atendem a requisitos mínimos de robustez redacional.
EDIÇÃO NÚMERO 23
Grande ABC, quarta-feira, 03 de novembro de 2004.
Cobertura das eleições muito
melhor que de quatro anos atrás
Com todas as dificuldades materiais, com todas as limitações profissionais e com toda a sobrecarga de uma jornada que se iniciou há muito tempo, demos show de cobertura no segundo turno das eleições no Grande ABC. Solicitei cópias aos arquivos do jornal da cobertura do segundo turno de 2000, quando a Redação contava com muito mais gente, e o que encontramos, indubitavelmente, é uma melhoria acentuada sob todos os pontos de vista.
O que isso significa? Significa que estamos no rumo certo quando elegemos algumas prioridades. Mas sabemos também que isso nos tem custado muito caro. Há um nítido cansaço dos profissionais de Redação sobre os quais pesam maiores responsabilidades. Estamos numericamente fragilizados em relação ao ano 2000, quando a Redação contava com 60% a mais de profissionais. Mas isso não nos tem tirado da rota da recuperação do jornal.
Todos sabem que aponto severas restrições à qualidade de nosso produto. Ainda temos muito o que avançar. Mas também é inegável que um grupo de profissionais vem dando suporte à recuperação, à custa de muito empenho, de muita dedicação.
Não entrarei em detalhes técnico-editoriais para consubstanciar a interpretação de que fomos muito melhor na cobertura das eleições de 2004 com menos profissionais do que em 2000, com muitos profissionais. Aqueles que passaram por aqui e que não puderam participar dessa guinada não devem se sentir ofendidos. Eles faziam parte de uma metodologia que não conferia às eleições no Grande ABC a prioridade que dedicamos. Faltavam-lhe diretrizes, conceitos. Basta ler o material no arquivo.
O ângulo problemático dessa avaliação é que, mesmo com falhas, mesmo com buracos, o que realizamos ao longo dos dois últimos meses de campanha eleitoral parametrizará nossa atuação em todas as temáticas.
Sabemos que há um custo pessoal excessivo sobre vários profissionais, mas isso será devidamente reavaliado. O fato é que não podemos retroceder. E para isso somente a homogeneidade conceitual nos dará produtividade.
Para completar, e para não deixar pedra sobre pedra de dúvida sobre o assunto: há alguns cães de aluguel que ladram nas cercanias do jornal mas que, mesmo tendo estado por esta Redação inclusive no ano 2000, não conseguiram produzir nada de relevante que se pudesse comparar com o que foi apresentado nesta temporada. São os velhos arrivistas de sempre que esquecem de algo elementar em jornalismo: os arquivos são o testemunho de quem trabalha e de quem só faz marola. E de marolas estamos cheios.