Acabou de sair o Ranking Universitário Folha. O RUF é a perdição da UFABC (Universidade Federal do Grande ABC) porque repete a cada temporada a ineficiência do projeto que desembarcou na região há duas décadas e está longe do necessário. Mais que necessário: indispensável.
Num dos macroindicadores do RUF, o macroindicador que mais interessa ao Grande ABC, porque é o macroindicador do Mercado de Trabalho, a UFABC segue na rabeirinha, na posição 189. Bem distante da média geral, que reúne outros quatro macroindicadores, de 37ª colocada.
O resumo dessa ópera-bufa é que a UFABC jamais serviu aos propósitos de urgência de uma região que a cada nova temporada mais sofre perdas econômicas. E que em eventuais ciclos de recuperação após crises da indústria automotiva e também de trapalhadas do governa federal, jamais ameniza para valer o passado de perdas que passou e se eternizam.
A nova leva de prefeitos do Grande ABC que toma posse em janeiro tem uma missão praticamente impossível: reescrever a história de desperdício de dinheiro público que a UFABC representa quando se tem como referência as reais demandas da região.
E OS PREFEITOS?
Os prefeitos que passaram e que estão passando jamais se mobilizaram em torno de uma perspectiva de transformações vinculadas à atuação da UFABC. É verdade que a missão é digna de Indiana Jones, mas nem mesmo se fez presente um movimento que libertaria a região das amarras acadêmicas e ideológicas que caracterizam universidades públicas em larga escala.
O Grande ABC está à deriva economicamente porque não existe institucionalidades que rompam com as mesmices que se reproduzem a cada ano. A posição da UFABC no macroindicador de Mercado de Trabalho é uma agressão que atinge a sociedade regional.
BARRIGA DE ALUGUEL
O que temos de fato e para valer é o que foi definido em forma de expressão irretocável de um especialista na área de Educação de Terceiro Grau, Valmor Bolan. Numa entrevista à revista LivreMercado, antecessora de CapitalSocial, Bolan chamou a UFABC de “Barriga de Aluguel”.
Veja o que Valmor Bolan afirmou durante um congresso realizado em São Caetano, em 2005, e que tratou especificamente dos planos de desembarque da universidade federal na região:
“Precisamos de uma universidade empreendedora, conectada às necessidades das cadeias produtivas, inclusive patrocinada por empresas, e não do modelo elitista, burocrático e atrasado que marca o Ensino Superior brasileiro. A UFABC não tem de surgir de cientistas que não conhecem a realidade local, mas do seio da sociedade organizada do Grande ABC. Da forma como foi apresentada, a UFABC servirá apenas para atender à burguesia de dentro e de fora da região” — disparou Valmor Bolan.
LivreMercado/CapitalSocial produziu mais de duas centenas de textos sobre a Universidade Federal do Grande ABC desde que o projeto entrou no radar de reforço educacional na região.
COLOCAÇÃO ENGANOSA
A UFABC só está na posição 37 do Ranking Universitário Folha porque os pesos ponderados determinantes da classificação a favorecem. A internacionalização coloca a UFABC na segunda colocação, enquanto o Ensino a desloca ao 17º lugar, Pesquisa ao 16º e a Inovação ao 49º posto. A nota geral, 73,01, seria outra e comprometedora se a 189ª posição de Mercado de Trabalho ganhasse valoração. O RUF, como a quase totalidade das universidades brasileiras, atribui peso relativo do mercado de trabalho muito aquém das demandas nacionais – apenas 18% do total.
Na edição de segunda-feira a Folha de S. Paulo fez circular na edição impressa um suplemente especial sobre o RUF. A USP (Universidade de São Paulo) manteve a liderança do RUF pela quarta edição consecutiva. Com a melhor nota na classificação geral, a instituição se destaca como a primeira classificada em 33 das 40 carreiras avaliadas, como direito, psicologia, enfermagem e administração, que, juntas somam mais de meio milhão de ingressantes.
USP LIDERA
Em sua décima edição – escreveu a Folha – o levantamento avalia, ao todo, 203 universidades (públicas e particulares) e as 40 carreiras com maior demanda no País. São aplicados cinco indicadores, ensino, pesquisa, mercado de trabalho, inovação e internacionalização.
A USP lidera o RUF pela oitava vez – só em 2016 e 2017 não ficou em primeiro, posto ocupado pela URFJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Na edição deste ano, a USP está à frente em quatro indicadores – inclusive em inovação e internacionalização – exceto no de ensino, em que a Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) lidera.
Na segunda posição na classificação geral – ainda segundo o texto da Folha de S. Paulo – a universidade do Interior Paulista teve avanços recentes em suas políticas institucionais, com a adoção de cotas para pessoas com deficiência nos cursos de graduação.
Abaixo, CapitalSocial reproduz Carta Aberta que este jornalista enviou em 2004 ao presidente Lula da Silva sobre a importância ou desimportância de uma universidade pública federal na região.
Universidade Pública: carta
ao presidente Lula da Silva
DANIEL LIMA - 17/05/2004
Caro presidente Lula da Silva. Permita-me que lhe escreva sem as formalidades de praxe. Sem salamaleques tudo fica mais simples e sincero. Li no Diário do Grande ABC deste último domingo que o senhor vai receber amanhã, terça-feira, os sete prefeitos e os quatro deputados federais do Grande ABC. O assunto é um sonho de poucos que tentam maquiar a realidade falando em nome da maioria.
O time completo que o senhor vai recepcionar amanhã dá exatamente 11 atores, nove dos quais do seu partido, o PT. Cuidado, caro presidente, com o que vão lhe apresentar. Pode ser presente de grego. Ou melhor: mais um fogo amigo.
Não se comprometa com promessas, caro presidente. Não diga a eles que o senhor se comoverá com a criação ou com a adaptação de uma universidade pública federal no Grande ABC. É uma gelada acreditar na porção panglossiana dessa turma eleita pelo povo mas que não entende lá essas coisas de economia regional.
Não se deixe prender pelo partidarismo nem pelo bom-mocismo, caro presidente. Não deixe que se confirme por aqui a versão de que essa reunião é um jogo de cartas marcadas, que tudo estaria preparado para a promessa de ceder à tentação.
Com todo o respeito que tenho por eles, caro presidente, sinto-me na obrigação de abrir seus olhos. Há conotação político-eleitoral nessa proposta. Como se sabe, vivemos um ano de disputas às prefeituras. Ninguém quer perder. Só não posso, caro presidente, deixar de alertá-lo, como seu eleitor duas vezes em outubro de 2002. Sim, depois de relutar e de não lhe dar meu voto nas três disputas anteriores das quais o senhor participou, ajudei a consagrá-lo por duas vezes contra o desastroso governo de Fernando Henrique Cardoso. Sinto-me, portanto, em condições de lhe fazer essas considerações; não bastasse a função jornalística.
Não sei se o senhor conhece minhas credenciais para abusar de sua paciência, mas sou jornalista nem sempre bem visto porque não me dobro a conveniência de qualquer espécie. Tenho 38 anos de profissão, escrevi três livros nos últimos dois anos e, se somar o que escrevo todos os dias, dá para editar um livro de 120 páginas todo mês.
Geralmente minha pauta é o Grande ABC. Esse pessoal que vai visitá-lo, mais precisamente os prefeitos, é muito bom em programas sociais. Bambas mesmo. Temos no Grande ABC um laboratório inigualável de políticas públicas na área social. Há explicações para isso.
Eles são, em grande maioria, gestores inquietos com a exclusão social cada vez mais proeminente em nosso território. Não é para menos. Só no governo de seu antecessor, aquele que cobra R$ 50 mil por conferência sobre o que mal conhece, que é macroeconomia, vimos desaparecer 39% de nosso PIB industrial. Isso mesmo: 39%. Não é erro de digitação. Foi inação coletiva. Por essa e por outras votei no senhor, caro presidente.
SHOW SOCIAL
Se no social damos show de bola, com programas reconhecidos em várias premiações nacionais e internacionais, inclusive no Prêmio Desempenho que realizamos há 11 anos, no econômico somos um desastre. Nosso time de gestores públicos, legisladores, lideranças econômicas, lideranças sindicais e lideranças sociais não enxerga um palmo à frente do nariz quando o temário são negócios, produtividade, competitividade, logística, essas coisas elementares.
As secretarias de Desenvolvimento Econômico que só entraram nos organogramas dos Paços Municipais em 1997, estão longe de um mínimo de estrutura para o jogo da sedução de empreendimentos. A burocracia impera.
Há bons profissionais, mas falta estrutura material e física. Falta coletivismo, integração regional, coisas de que Celso Daniel tanto reclamava.
Querem vender ou já teriam vendido ao senhor, caro presidente, uma prioridade que de fato não existe. A Universidade Pública do Grande ABC é uma falácia nesta altura do campeonato de emergências em que nos encontramos. Não está nem entre as cinco prioridades máximas, nem entre outras cinco adicionais.
Precisamos de desenvolvimento econômico, caro presidente. De investimentos, de empregos, dessas coisas que constroem uma Nação. Temos montanhas de diplomas universitários na fila de empregos das centrais de trabalho e renda. Gente que não sabe o que fazer da vida. Somos 300 mil desempregados e outro tanto no mercado informal. Para cada analfabeto cadastrado nas centrais de desemprego, somam-se 15 universitários.
É claro que essa comitiva vai omitir esses dados e muitas outras informações. Posso lhe mandar os livros que escrevi sobre a situação socioeconômica deixada pelo governo Fernando Henrique Cardoso no Grande ABC. Os energúmenos ideológicos dizem que foi o sindicalismo que abriu as mais recentes crateras na região. Eles confundem as bolas.
SINDICATOS SUMIRAM
Os sindicatos de trabalhadores praticamente desapareceram do mapa de preocupações das empresas nos anos FHC porque enxurradas de carteiras de trabalho viraram peças de museu no setor industrial. Para ser preciso, nos oito anos de Fernando Henrique Cardoso, perdemos 85 mil postos de trabalho só na indústria.
Esse contabilidade funesta não pode ser atribuída a seus companheiros. Mas se o senhor der muita trela aos idólatras da Universidade Pública Federal do Grande ABC vai entrar numa grande roubada. Mais uma neste ano, por sinal. Eles estão pensando em benefícios político-eleitorais, que necessariamente não são interesses do seu governo, caro presidente.
Quer um conselho, caro presidente Lula da Silva? Vou exagerar na dose desse tom intimista que resolvi adotar nesta carta e sugerir que não caia na armadilha de anunciar amanhã que dará uma universidade pública para o Grande ABC, algo que vai ser difícil o senhor cumprir e — pior ainda — não oferecerá as respostas ao desenvolvimentismo de que tanto carecemos. Corta essa, presidente.
Estou sabendo que o encontro de amanhã seria pura encenação eleitoral, da qual todos usufruiriam até outubro, mas não é justo que essa farsa seja compactuada pelo caro presidente. Basta recorrer aos arquivos sobre a gravidade do quadro educacional no País, sobremodo em nível federal, onde as escolas de terceiro grau vivem numa pindaíba que dá dó, sem recursos financeiros, sem investimentos em laboratórios, professores desmotivados, funcionalismo em pé de guerra e alunos desestimulados, para entender porque a flacidez orçamentária denuncia um corpo entregue às traças.
E mesmo que houvesse recursos orçamentários, caro presidente, acredite que universidade pública federal não é nossa prioridade regional. Temos escolas de terceiro grau suficientes para atender à demanda. Aliás, supera a demanda, porque a inadimplência combina com a falta de perspectiva profissional. Ter diploma, qualquer diploma, virou obsessão do governo de seu antecessor. O problema é que a qualidade do ensino se submeteu ao facilitarismo estatístico. Valem mais os números do que a competência.
Não bastasse isso, caro presidente, ainda temos o desconfortável drama de as universidades públicas estaduais ou federais serem tomadas pela classe média que pode frequentar escolas privadas de nível médio mais qualificadas.
DUPLA ENRASCADA
A Universidade Pública do Grande ABC iria nos meter numa dupla enrascada, caro presidente: além de dispensável, se tornada realidade manteria o status quo que todos condenam. Exceto, caro presidente, se for efetivada a tal Universidade para Todos, que abriria vagas gratuitas nas escolas particulares, as confessionais e nas filantrópicas. Nesse caso, teremos mais um motivo para dispensar a Universidade Pública Federal do Grande ABC.
Aposte nessa alternativa, presidente, porque dispensa entre outras despesas novos efetivos de professores, de funcionalismo, de manutenção de prédios e equipamentos. A isso se dá o nome de racionalidade.
Fosse o senhor, caro presidente, reuniria um grupo de assessores para recepcionar a prometida delegação do Grande ABC amanhã em Brasília. Gente que entende do assunto e que lhe dê subsídios sobre tudo o que interessa ser debatido nas escolas públicas de terceiro grau.
Se é difícil atender a esse pedido, caro presidente, então faça o senhor mesmo as indagações a esse pessoal que se diz porta-voz de 2,5 milhões de habitantes de uma região que vive a pior quadra de sua história.
Indague-lhes, caro presidente, sobre o modelo de universidade que pretendem para uma região que, por falta de planejamento estratégico, não sabe nem para aonde vai economicamente.
Só essa pergunta basta, presidente. Exija-lhes, se quiser provocá-los, um projeto que associe o perfil da universidade à recomposição econômica da região. E que esse projeto passe pelo crivo de quem entende suficientemente a realidade do Grande ABC, não por amigos do peito que só querem encorpar o cordão de puxa-sacos.
Não vou estender-me nesta carta, caro presidente, porque tenho a impressão de que já me fiz compreender. Quero o seu bem, caro presidente. Encontrei-o poucas vezes pessoalmente. A última, por sinal, foi terrível: nos corredores do Paço Municipal naquele sábado fatídico em que Celso Daniel estava sequestrado.
Antes disso, como não frequento com assiduidade templos sindicais, públicos e empresariais, cumprimentamo-nos episodicamente. Torci pela sua vitória em outubro de 2002 porque fazia e ainda faço parte da turma da esperança, embora com um grau mais acentuado de indignação. Acho que se Celso Daniel vivo estivesse, ele saberia, também, que agora não é hora de debater universidade pública no Grande ABC. Não podemos iludir o povo, desfraldando uma bandeira inequivocamente arbitrária, incômoda, inoportuna e insensível ao momento que atravessamos.
UM PLANO MARSHALL
Quer colaborar com o Grande ABC, caro presidente? Diga à comitiva que topa financiar um plano estratégico de recuperação regional. Um Plano Marshall, para ser mais explícito. É disso que precisamos, caro presidente. Sugiro-lhe, a respeito do assunto, um livro imperdível de William Easterly, economista do Banco Mundial. Coincidentemente, chama-se “O espetáculo do crescimento”, título que o senhor lançou no ano passado como marca de uma retomada econômica que ainda parece complicada.
Aquela obra é imperdível, caro presidente, porque mostra que o caminho mais curto para o equilíbrio social é o desenvolvimento econômico. A educação é espécie de linha auxiliar. Se quiser, vou presenteá-lo com a obra.
Acho que o ideal mesmo seria que o time que vai recepcionar amanhã tratasse de se atualizar, consumindo ensinamentos de mais de 300 páginas de quem viveu inúmeras experiências práticas nos mais diversos cantos do mundo. O problema todo é que eles teriam de admitir que estão forçando a barra de uma causa insuportavelmente ofensiva a quem conhece o outrora Grande ABC esfuziante.
Estou torcendo mais uma vez pelo senhor, caro presidente, no encontro de amanhã. Não deixe que os mexericos se confirmem e que os jornais anunciem, no dia seguinte, que agora sim encontramos o maná da prosperidade, a chamada universidade pública federal do Grande ABC.
A Grande Osasco cresceu muitas vezes mais que o Grande ABC nos últimos oito anos e não conta com essa salvação da lavoura. O Interior catarinense dá lição de prosperidade sem se preocupar com diplomas. Não faltam exemplos de que em primeiro lugar devemos lutar por novos empreendimentos, por geração de emprego. Há muito voluntarismo nessa bandeira da educação, caro presidente.
Em tempo: o nosso time começou a melhorar. Já dá para imaginar que não seremos rebaixados.