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Política

DANIEL LIMA - 11/10/2024

Se você não consegue responder à pergunta da manchete de hoje porque desconhece a marcha eleitoral em São Bernardo ou porque você acha que tudo pode acontecer, ou porque tem outras razões na vida com que se preocupar, você está perdendo uma oportunidade de praticar um exercício saudável de especulação eleitoral. Não tem coisa igual, fora o futebol.

Especulação eleitoral é você praticar manobras teóricas minimamente embasadas em fatos e subjetividades do mundo político, matérias-primas abundantes no mercado de votos.

Os institutos de pesquisa fazem isso o tempo todo com fundamentos científicos nem sempre à prova de grupos de interesse. Os mecanismos explícitos e subterrâneos fazem tudo parecer insofismável.  Há até quem saia em defesa intransigente de falcatruas, quando não, sendo mais leve, a derrapagens inexplicáveis, transformando-as em acerto.

PARTE DO SHOW

A pesquisa divulgada hoje no Diário do Grande ABC com os primeiros números do segundo turno envolvendo os finalistas Marcelo Lima e Alex Manente precisa ser compreendida na dimensão correta. Trata-se de um jogo programado para manter viva a candidatura de Alex Manente. Faz parte do show.

Até prova em contrário, que só as urnas poderiam dar, o que temos é a contagem progressiva da vitória de Marcelo Lima. Os números do Instituto Paraná são uma porção de areia na engrenagem indomável do eleitorado que vai ganhar tração.

A sociologia do voto em São Bernardo nesta temporada só cederia espaço a uma surpresa diante do imponderável ou a uma construção tão bem executada que precisaria contar com equívocos alucinados do outro lado para virar realidade. Já escrevi sobre isso, respaldado exatamente na sociologia do voto do primeiro turno.

NOCAUTE PROGRAMADO?

Alex Manente está a nocaute não porque o placar atual do Instituto Paraná indicaria, embora sem contundência. O candidato que adotou o bolsonarismo depois de vestir durante muitos anos a indumentária do PT sabe que em condições normais de temperatura e pressão o placar em 27 de outubro vai se cristalizar colocando-o abaixo dos números de Marcelo Lima.

 Nem precisaria o candidato petista Luiz Fernando Teixeira ter dito o que disse ontem em entrevista coletiva sobre os dois finalistas para se chegar à conclusão preliminar de viés implícito de que a maioria do eleitorado de São Bernardo dará votos a Marcelo Lima, inclusive os petistas. Há determinadas neutralidades retóricas que não  resistem à movimentação do eleitorado fora da bitola dos mandachuvas partidários.

Basta ver – repetimos -- a dança dos números do primeiro turno e, como escrevi ontem, o Triângulo das Bermudas de Alex Manente. Um Triângulo das Bermudas que, para sustentar algum grau de resiliência exige participação ativa do governador Tarcísio de Freitas. Talvez não seja esse o desenlace nesse segundo turno. Tarcísio de Freitas já tem sido aconselhado a não botar a mão de oportunismo nessa cumbuca de espertezas circunstanciais.  

Tenho alguns milhares de leitores formadores de opinião e tomadores de decisão no smartfone. Cinquenta e oito anos de jornalismo profissional sacerdotal não é pouca coisa. Temos cadastrada gente preocupada com o futuro da região. Gente que sente na carne o viés de autoritarismo e imperialismo que Santo André procura espalhar nas sete cidades. A maioria dos leitores que se manifestam afirma que o segundo turno em São Bernardo já acabou. Sempre sugiro que o imponderável seja colocado como reserva cautelar.

BIFURCAÇÃO OBRIGATÓRIA

A pesquisa de hoje do Instituto Paraná nas páginas do Diário do Grande ABC leva obrigatoriamente a uma bifurcação em termos de credibilidade e higidez técnica. A diferença percentual (em votos válidos, padrão de reconhecimento dos números, não o que o jornal levou à manchetíssima de primeira página, que são números gerais) é um primeiro indicativo do que vem pela frente.

Os números da pesquisa são sim um indicativo preliminar, mas também um bálsamo para Alex Manente porque se pretende restaurar a confiança de investimentos paralelos geralmente não contabilizados. No caso de Tarcísio de Freitas, restaurar não é bem o termo.

Sair para o segundo turno com uma goleada nas costas feriria de morte as probabilidades de Alex Manente encontrar no tempo o antídoto à derrota evidente.

O Instituto Paraná tem entre as empresas do setor um nível de desconfiança menos desconfortável. Entrar em campo nestas horas com a sacralização da Ciência é um anteparo técnico na tentativa de evitar hemorragia eleitoral.

DERRAPADA OU ACERTO?

Voltando à bifurcação ainda não exposta: seriam os números do Instituto Paraná parentes próximos dos números do primeiro turno em São Bernardo, quando quatro concorrentes chegaram às urnas com possibilidades semelhantes de sucesso (uma obviedade cantada aqui nestas páginas porque estas páginas não flertam com negacionismos estúpidos) ou o Instituto Paraná estaria cometendo o desatino matemático-político de dar ao jogo agora jogado o mesmo equilíbrio de empate técnico da corrida pela Prefeitura de Santo André,  quando de fato e para valer Gilvan Júnior livrou 20 pontos à frente dos três candidatos supostamente mais competitivos?

Quem não tem muita familiaridade com pesquisas eleitorais e não domina a linguagem explicativa contida na quantidade de pontos percentuais a separar os candidatos, precisa de exemplo simples.

Trata-se do seguinte: coloque numa pista de corrida este jornalista que faz oito quilômetros por dia apenas para viver com mais qualidade e um maratonista premiado. Atribua a mim e ao maratonista a possibilidade de uma chegada disputadíssima, pau a pau. Foi isso que houve em Santo André no primeiro turno com o Instituto Paraná. Teremos algo semelhante agora em São  Bernardo?

O que quero dizer com isso é que a distribuição de votos no segundo turno em São Bernardo passará por nuances previsíveis. Seria necessário, em caso contrário, que o maratonista Marcelo Lima fosse abalroado durante o percurso natural de domínio do eleitorado que votou em Flávia Morando e grande parcela dos petistas que se farão indiferentes às declarações de neutralidade proposta por Luiz Fernando Teixeira.

Tudo isso junto e misturado, como escrevi ontem, o placar natural de 60% a 40% seria uma repetição de segundo turno do que ocorreu no primeiro turno em Santo André.

EXÉRCITO DE BRANCALEONE

O exército de Brancaleone dos oposicionistas de Gilvan Júnior não teria mesmo outro destino, apesar das tentativas de resistência. Foram bravos, é verdade, mas pagaram o preço de pouparem a gestão de Paulinho Serra durante oito anos. Uma cidade que perde em cinco desses anos 39 posições no Ranking de PIB per Capita no Estado de São Paulo tem muita coisa a consertar e que não só não foi consertada como, pior ainda, foi santificada.

A propósito da pesquisa do Instituto Paraná divulgada hoje pelo Diário com o viés de dramaticidade numérica que supostamente revelaria equilíbrio em São Bernardo, há de novo o extravagante uso da margem de erro de 3,8 pontos percentuais. Margem de erro que é margem de manobra. A elasticidade permite que se transfira ao campo de empate técnico o que, em situação menos generosa, daria a Marcelo Lima a liderança tanto numérica quanto cientifica.

Segundo o Instituto Paraná nas páginas do Diário do Grande ABC, Marcelo Lima conta com 46,1 % dos votos estimulados enquanto Alex Manente registra 41,1%. Um total de 13% não sabe em quem votar, não respondeu, não escolheu nenhum deles e votará em branco ou anulará o voto.

PLACAR É OUTRO

O placar exposto como vitrine no Diário do Grande ABC não é o placar correto porque imprime números gerais, não votos válidos. E são os votos válidos, ou seja, só os votos destinados aos dois candidatos, que decidirão a eleição. E que devem ser observados nesse período de pesquisas eleitorais.

Em votos válidos, Marcelo Lima registra 52,9% ante 47,1% de Alex Manente. Uma diferença de 5,8 pontos percentuais.  

Na mesma página do Diário do Grande ABC em que consta pesquisa do Instituto Paraná, o mesmo Instituto Paraná publica a pesquisa envolvendo Ricardo Nunes e Guilherme Boulos em São Paulo. O jornal destaca na abordagem editorial (“Nunes tem 52,8% e Boulos, 39% no segundo turno, diz Paraná Pesquisas) o conceito que refugou na disputa em São Bernardo. Ou seja: os votos válidos que valem mesmo na largada e na chegada de um segundo turno e que foram sonegados como destaque de edição no embate Marcelo Lima-Alex Manente, são explorados em primeiro plano na corrida paulistana.

A explicação parece simples do ponto de vista subjetivo e sensorial: é melhor estimular certa igualdade numérica com o placar de 46,1% a 41,1% do que com 52,9% a 47,1%. O candidato que ultrapassa a marca de 50% sempre carrega viés de vencedor potencial na imaginação de eleitores indecisos.

UM TERÇO SOLTO?

No caso de São Bernardo, segundo o Instituto Paraná, nada menos de um terço do eleitorado não havia se definido até anteontem sobre o segundo turno.  Esse manancial de eleitores supostamente indecisos ou outra coisa qualquer olharia com outros olhos se observasse um gráfico de votos válidos de verdade.

O que mais me irrita como consumidor obcecado de pesquisas eleitorais (e assim como de tantas numeralhas em outras áreas, num paradoxo inacreditável para quem na infância detestava matemática) é o uso abusivo de ramificações indutivas à enganação.  

Pior que os resultados de pesquisas eleitorais claramente enviesadas são os portadores de  lobotomia analítica. Desconfiar e investigar atentamente, princípio básico do jornalismo velho de guerra, virou profanação.

Quando escrevi o livro “Na Cova dos Leões”, há 20 anos, não imaginava que a situação ficaria ainda mais grave numa região em que a Sociedade Servil Desorganizada permitiria todos os tipos de perseguições.



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