Senhores e senhoras candidatos no Grande ABC. Esta é a sétima disputa municipal neste século de persistente e grave decadência regional. Os desafios sobrepostos são um convite ao fracasso dos negligentes e despreparados. Vivemos uma territorialidade diretamente tridimensional de dificílima resolução.
O municipalismo, o regionalismo e a metropolitanismo se interagem e nos derrotam implacavelmente há pelo menos quatro décadas. E não faltam farsantes diversionistas nesse período. Tomem cuidado, portanto. Não aumentem o cordão de procrastinadores irresponsáveis. O futuro desmascarador sempre chega. O preço é cada vez mais salgado.
Esta Carta Aberta é propriedade intelectual de um veículo que circula há 35 anos e é disparadamente a fonte de maior credibilidade e independência da imprensa regional. Por isso não cabe manifestação diplomática. A mensagem exige indignação.
O bom senso mesclado de desesperança combinado com desencantos e tudo que possa ser catalogado como sinônimo de descrédito é imperioso ao uso de uma linguagem severa e rigorosa em respeito à sociedade.
TRANSITORIEDADE
Não acreditamos que supostos propósitos dos senhores e das senhoras se consolidarão além-urnas. Os senhores e os senhoras são transitórios num processo falsamente democrático. Poucos restarão no futuro como peças de engenharia social com torque a mudanças. Não confiamos na maioria desse exército de mais de 2,3 mil concorrentes.
Senhores e senhoras: o Grande ABC não pode mais se permitir enganos e manipulações. O despautério, quando não a ignorância, para não acentuar ainda mais os abusos de marqueteiros indomáveis, produtores de efeitos especiais, são filhotes bastardos das mesmas incubadoras que há décadas se alimentam de sem-vergonhice pública concorrencial a tudo que ocorre de nefasto num País estupidamente vergonhoso.
À falta de uma sociedade civil organizada que, de fato, é sociedade servil desorganizada, esperamos que os senhores, as senhoras e seus entornos comecem a reagir, independentemente dos resultados eleitorais. Mas não acreditamos.
Os vencedores e os perdedores não podem fixar olhos e atenções na cronologia eleitoral sempre manifestamente ludibriadora. O Grande ABC cada vez mais ABC Paulista, cada vez mais Gata Borralheira, cada vez mais Arquipélago Cinza, precisa sair da clausura do controle nefasto de grupos divisionistas sempre prontos a reinar. São expropriadores de corações e almas a exaurirem a última gota de resistência regional.
VIRANDO PÓ
Somos uma região insensível a reações. Ainda pensamos e agimos como se a desindustrialização não houvesse causado impacto quando, de fato, cada vez mais somos uma miniatura social do Brasil. E não damos conta da passagem do tempo.
O decantado e superado território abençoado por Deus entre Capital, portos e aeroportos, foi expulso da roda de fogo de competitividade, depois da chegada triunfal do Rodoanel, depois de a mobilidade urbana arrancar os cabelos de quem produz, depois de a mobilidade social virar pó, depois de a tecnologia alterar o sentido de produtividade locacional.
É verdade que o Estado federal atrapalha a trajetória regional. Brasília já nos aplicou vários golpes, depois de, em meados do século passado, ter-nos concedido privilégios e sinecuras com a chegada das montadoras de veículos. A biruta virou. E não percebemos.
Acordem senhores e senhoras. Não é mais possível acompanhar determinadas notícias cabeludas de ignorância enlouquecidamente avalizadas pela mídia imprecisa, quando não ignorante, quando não cúmplice de uma tragédia chamada protecionismo corporativo e ideológico que fere os tímpanos da sensatez.
SÍNDROME DA CHINA
Um exemplo: sindicalistas locais entorpecidos afirmaram recentemente uma barbaridade. Disseram eles que os chineses, algozes da classe operária e fonte de guerras de preços no mundo industrial e comercial civilizado, seriam requisitados e aceitariam investir em empresas na região. Justamente numa região que tem no custo da mão de obra um dos fatores que afugentam o capitalismo nacional violentado por um Estado guloso, fabulosamente gastador e indescritivelmente improdutivo.
Pior que a manifestação dos sindicalistas locais foi o silêncio atroz que se seguiu. Mais ainda: as manchetes entusiásticas de pobres coitados que de economia não entendem um bocado.
Senhoras e senhores candidatos: sejam quais forem os vencedores no próximo domingo, e em eventuais segundos turnos, é imprescindível que a disputa sinalize a chegada de nova Era. Não acreditamos nisso. Conveniências pessoais e grupais sempre se farão dominantes. Mas não custa chamar a atenção. Subsistiria o alerta às futuras gerações. Não caiam na gandaia nas vitórias que virão nem na prostração das derrotas que abundarão. Tenham responsabilidade social. Já seria um bom começo.
SILÊNCIO DOS CÚMPLICES
Cidadania temporária, fomentada nas águas de artificialidade de fundos eleitorais e emendas parlamentares de interesses inconfessos, de financiamentos de campanhas que não resistiriam a investigações que hoje não passam de ilusão, é cidadania fácil, mas sujeita a novos desastres.
O que queremos ver e sentir é uma ação persistente, corajosa, dedicada, organizada, para tornar o Grande ABC pauta obrigatória, contraditória, conflitiva e disputadíssima a cada novo dia. O Grande ABC é um céu de brigadeiro de inutilidades. Antes o estrondo da dissonância construtiva do que o silêncio dos cúmplices.
CapitalSocial registra a cada dia, faça chuva ou faça sol, persistente e custosa missão de chamar a atenção dos contribuintes que também são cidadãos que também são eleitores e consumidores. É uma pregação que se eterniza. Ultrapassará os tempos na grandiosidade do mundo digital. E os registros em forma de análises já se tornaram sentenças condenatórias a todos que ao longo dos anos não fizeram nada além de enganar o distinto público.
FOCOS DE RESISTÊNCIA
Há bastiões de resistência no campo político-administrativo. Não há descredenciamento sumário a todos os ocupantes de cargos eletivos e de confiança. Há na região estoque de profissionais dedicados a honrar relações e comprometimento sociais.
É uma minoria no universo de aproveitadores que também se espalham nas organizações sociais e privadas mais próximas dos podres poderes públicos. São sanguessugas conhecidos, tolerados e muitas vezes homenageados como se Madres Terezas fossem.
Senhoras e senhores candidatos: ainda recentemente produzimos um conjunto de 100 iniciativas que poderiam dar nova configuração orgânica ao Grande ABC. Uma lista de sonhos que exige dedicação da sociedade. Reproduzir aquele material seria desnecessário. Talvez mude de formato se boa parte dos senhores e das senhoras candidatos nestas eleições deixarem a barra da saia de oportunismo circunstancial ditado pelo fluir de dinheiros públicos que financiam campanhas eleitorais.
A tridimensionalidade territorial, econômica, cultural e social do Grande ABC que insiste em se perpetuar como sete cidades distintas, é o grande desafio ainda intocável, ou desprezado. Chegamos ao ponto de assistir a encontros de grupos que festejam a emancipação político-administrativa dos sete municípios.
INTEGRIDADE DESTROÇADA
A integridade em forma de regionalidade foi destroçada e esquecida. Festeja-se um municipalismo autárquico e incapaz de lubrificar as engrenagens do regionalismo e adentrar o terreno do metropolitanismo. Comemoramos o separatismo e jogamos no lixo de estratégias reformistas a integridade que o Clube dos Prefeitos jamais foi competente para sequer avançar alguns passos.
Somos 22 milhões de habitantes numa Grande São Paulo maior que o Estado de Minas Gerais, duas vezes o Rio Grande do Sul. Enxergar exclusivamente os 2,8 milhões de habitantes do Grande ABC já seria insanidade. Os vasos comunicantes prevalecem e alteram a dinâmica social e econômica. Não enxergar sequer esses mesmos 2,8 milhões é ultrajante.
Não há perspectiva de solução dos grandes problemas do Grande ABC sem observar o mapa metropolitano. A chegada do Rodoanel Mário Covas tornou a competição por investimentos mais abrasiva. E estamos perdendo de lavada. Envelhecemos a custo elevadíssimo. CapitalSocial tem provado ao longo dos anos o quanto caímos diante de vizinhos metropolitanos. E o quanto continuamos a ser fragilizados ante concorrentes do Interior do Estado.
PERDENDO HÁ TEMPOS
Somos um espaço perdedor há pelo menos quatro décadas. O trecho Norte do Rodoanel, que abrangerá a poderosa Guarulhos de Aeroporto Internacional, será mais uma pedra no caixão de ilusões de que somos invioláveis à atração de investimentos.
Nenhuma publicação deste País conhece o Grande ABC como CapitalSocial. Não frequentamos botequins de triunfalistas avestruzes. Gente da pior espécie como representação da sociedade ante a dimensão de obstáculos. Gente do bem-bom do individualismo e de grupelhos arrogantes. Gente que tem horror à regionalidade, ao pluralismo, ao inconformismo reestruturante, aos pobres e marginalizados.
Senhores candidatos e candidatas: somos um retrato mal-acabado de um País sempre à deriva. Com o agravante de que, por ser periferia, por ser Gata Borralheira, os dramas do cotidiano violam ainda mais a cidadania.
Senhoras e senhores concorrentes às próximos eleições: acordem enquanto é tempo. Esse exército conta com mais de dois mil candidatos aos postos no Executivo e no Legislativo. Um exército que mal sabe responder o significado de regionalidade, ou que não tem a menor noção do quanto o Grande ABC há muito apanha sem perdão em praticamente todos os indicadores econômicos, sociais, ambientais e fiscais de inúmeras organizações independentes que mensuram o balanço dos municípios brasileiros – como temos mostrado em nossas páginas.
REAJAM PARA VALER
Senhores e senhoras: façam alguma coisa a partir das próximas eleições, além do interesse individual ou de grupos. Não sejam correias de transmissão de gente inescrupulosa que se embebeda de vantagens em nome de uma democracia que, todos sabem, é um descalabro em desigualdades.
Senhoras e senhores: o Grande ABC que pede socorro carrega a soberba de refutar ou mitigar que uma tempestade de quadro décadas segue destruindo riquezas e esperança. Já desperdiçamos muito tempo.
Não acreditamos na maioria dos senhores e das senhoras. Quem sabe, entretanto, uma centena de dois milhares que decidam esticar a temporada de cidadania, não seriam suficientes a uma reação histórica?
O passado e o presente da região não autorizam alimentar esperança. A cultura do fracasso e do descaso parece impermeável a rupturas. Está tudo dominado. Não temos talentos individuais em número suficiente para enfrentamentos tormentosos. O desafio está posto. Duvido que sejam vitoriosos no que mais interessa à região: o entusiasmo e iniciativas doutrinárias por mudanças.