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Política

DANIEL LIMA - 24/09/2024

O que você vai ler em seguida são seis textos que escrevi em  2018, quando se disputou a presidência da República, que consagrou Jair Bolsonaro. Você vai entender sem sofismas as razões que se consolidaram ao longo dos tempos sobre mais que desconfiança, mas a certeza de que institutos de pesquisas, de maneira geral, trafegam entre um balcão de negócios e águas turvas sob pontes flácidas de ética.

É inacreditável o que os leitores terão na sequência desta série especial. Juntei as seis análises numa mesma edição por causa de uma preocupação inerente a qualquer possibilidade de dispersão avaliativa, caso o material se dividisse em várias datas de publicação.

Só para o leitor entender a quanto chegou a incapacidade ou outra coisa qualquer e menos nobre de, principalmente, o então Ibope e, principalmente o Datafolha, compreenderem o que se passava no Brasil naqueles dias, registrou-se o ponto de a Folha de S. Paulo do Datafolha, afirmar categoricamente que o incidente em Juiz de Fora envolvendo o candidato Jair Bolsonaro, não fizera efeito nenhum no eleitorado pesquisado.

Uma facada que alterou completamente os rumos da campanha eleitoral, por razões mais que evidentes, foi subestimada pela Folha do Datafolha. Seria incompetência ou uma tentativa de influenciar a cadeia de repercussão com a relativização do caso excepcional numa reta de chegada de primeiro turno?

Acompanhem os quase 50 mil caracteres de seis análises que, revisitadas seis anos depois, deixa este jornalista com um sabor especial no canto da boca, a sorver uma minitrajetória analítica redentora. Não se trata de empáfia. Pesquisas eleitorais são sempre e sempre armadilhas aos bens intencionados e o cadafalso aos malandros que usurpam o direito de medir a temperatura das disputas. 

 

Datafolha força a barra e

vai para o paredão eleitoral

 DANIEL LIMA - 18/09/2018

Vou ser rápido no gatilho na análise que explica o título deste artigo. Só me pergunto a título de descargo de consciência se a expressão “rápido no gatilho” não seria politicamente incorreta em todos os sentidos, principalmente na tentativa de me jogarem nos braços do presidenciável Jair Bolsonaro, embora não negue que o quadro geral possa levar mesmo a isso, já que João Amoêdo é carta fora do baralho.  

A Folha de S. Paulo resiste a admitir o que os demais institutos de pesquisas confirmam o que antecipei ao tomar conhecimento do atentado contra o capitão reformado que quer chegar ao Palácio do Planalto: os efeitos daquele incidente foram contundentes à definição de votos até agora no primeiro turno. 

Abro um parêntese antes de voltar ao que interessa: quando soube do atentado estava ao volante e esperei chegar ao escritório para tomar conhecimento de mais detalhes. Missão cumprida, não tive dúvidas em dizer que a eleição acabara ali.  Ou seja, já estava decidida.

Simples, muito simples: se Bolsonaro já era um fenômeno eleitoral mesmo descartada de mídias de massa, como rádio e televisão da propaganda eleitoral, imaginem então ao saltar para as manchetes como vítima. Somente uma grande bobagem o retiraria do segundo turno e da vitória final. 

MAIS QUE 2%, CLARO

Agora, voltamos ao Datafolha. A manchete e o texto de página interna da Folha de S. Paulo de sábado, um dia após todos os noticiários da grande mídia fazerem coro à antecipação dos dados, revelam uma mensagem subliminar, quando não explícita, de que o atentado não teria mudado praticamente nada.

Seria essa uma maneira de o Datafolha imaginar que poderia arrefecer o que os radicais de esquerda chamariam de vitimização de Bolsonaro em oposição aos extremistas de direita que garantem tratar-se de um plano maquiavélico para retirá-lo da competição? Querem ver?

O título da Folha de S. Paulo é o seguinte: “Apenas 2% afirmam que atentado contra Bolsonaro mudou voto”. 

Leram, releram, analisaram? Tomei essa iniciativa várias vezes até que cheguei ao resultado final que certamente a maioria não chegou porque a maioria foi induzida a raciocinar com simplicidade entre outras razões porque não é pentelha e muito menos jornalista. 

LEITURA APRESSADA

Qual é a leitura dos comuns dos mortais ao passar os olhos no título exposto? Resposta: que praticamente nada mudou nas tendências e nos resultados eleitorais mais de uma semana após um atentado. Mas, como é possível tamanha sandice?  Afinal, todos os institutos, inclusive o Datafolha, publicaram nos dias seguintes à tentativa de assassinato que houve mudanças nos números eleitorais. Os 2% do Datafolha não são praticamente nada, convenhamos. Está na margem de erro, para ser mais preciso. 

O que o Datafolha escondeu intencionalmente ou porque é descuidado, é que o fato de que apenas 2% dos eleitores terem mudado o voto não responde à demanda sobre os efeitos eleitorais da tentativa de assassinato. Esperar que mais de 2% mudassem a direção de voto já decidido seria demais nestes tempos em que aqueles que já se definiram por um dos candidatos estão polarizados, quase impermeáveis a pressões. 

O que o Datafolha deveria ter respondido com clareza seria o volume percentual e de pontos percentuais que o candidato Jair Bolsonaro amealhou após ser atingido, levando-se em conta principalmente os indecisos, os céticos e mesmo os votos menos convictos.

MUDANÇAS EVIDENTES 

Esse encaminhamento é tão óbvio que foi respondido em linhas gerais, não especificamente, pelos demais institutos de pesquisa, inclusive o Datafolha. Todos apontaram, em investigações anteriores, avanço numérico e comparativo na liderança do candidato do PSL. E não foram poucos os avanços. 

No dia seguinte à notícia maltrapilha da Folha de S. Paulo, o Estadão publicou mais dados sobre a pesquisa do Ibope Inteligência realizada nos dias 8, 9 e 10 de setembro, logo após, portanto, ao atentado de 6 de setembro. E o que diz o Estadão sob o título “Bolsonaro tira do PSDB domínio do voto anti-PT”. Alguns trechos da matéria: 

 Os números confirmam o que as ruas já indicavam: depois de polarizar por um quarto de século a política nacional com o PT, o PSDB perdeu para Jair Bolsonaro (PSL) o protagonismo no eleitorado antipetista. Nesse contingente, que abrange cerca de 44 milhões de brasileiros, ou 30% do total de eleitores, Bolsonaro tem apoio da maioria absoluta, e sua taxa de intenção de votos equivale a seis vezes a do tucano Geraldo Alckmin.  Segundo o Ibope, entre os antipetistas, o deputado e militar da reserva tem 53% das preferências – é o dobro de sua média nacional. Já Alckmin, com apenas 9%, fica em um distante segundo lugar. (...) Os dados são de levantamento do Ibope (...), depois de Bolsonaro ter sido esfaqueado (...) fato que provocou comoção e aumento expressivo da exposição do candidato do PSL nos meios de comunicação. (...) Após o atentado, Bolsonaro ganhou forte impulso entre os antipetistas. Nesse segmento ele subiu 12 pontos percentuais em relação à pesquisa feita antes da agressão, o triplo do que cresceu no eleitorado total – escreveu o Estadão. 

MARCAÇÃO CERRADA 

O Datafolha merece marcação cerrada de quem leva a sério jornalismo porque, como tanto outro instrumento importante no jogo eleitoral, faz parte das emoções e intenções sérias ou manipuladas. Já se foi o tempo em que pesquisas eleitorais eram intocáveis. Agora, não só pela tecnologia de democratização que sustenta as redes sociais, tudo passa por transformações. 

Há novos atores no mercado nacional. Surgem consultorias financeiras e instituições bancárias a contratar empresas especializadas. E todas, até agora, convergiram no sentido específico desde o atentado: Bolsonaro acentuou progressivamente o estoque de votos de indecisos, dos pouco sólidos e mesmo dos céticos. Tanto que avançou numericamente e proporcionalmente na contagem geral. 

Também é intrigante a metodologia adotada pelo Datafolha (e igualmente pelo Ibope) na quantificação do eleitorado que mantém restrições a Jair Bolsonaro. O nível de rejeição a Bolsonaro está em desequilíbrio acentuado quando comparado aos demais concorrentes. 

Já o Instituto Paraná e o BTG Pactual apresentaram dados menos contrastantes. Questão de metodologia, claro, mas isso não resolve o problema. Aliás, só o torna mais desafiador. Afinal, como é possível Bolsonaro ganhar cada vez mais a dianteira em números percentuais se a contabilidade restritiva do Datafolha e do Ibope o colocam mais que duplamente renegado pelo eleitorado em relação aos principais competidores? 

A CAMINHO DO PLANALTO

Sei que os detratores de sempre deverão fazer ilações pecaminosos a essas observações. Pouco estou me lixando. Sempre os enfrentei em questões que exigem principalmente honestidade intelectual e desapego ideológico.

Gostem ou não os opositores de Jair Bolsonaro (e a maioria o é por razões bastante sólidas, embora não o façam no mesmo sentido a outros candidatos que também acumulam pecados), o fato é que o capitão reformado deverá ser consagrado novo presidente do País (é isso que o andar da carruagem eleitoral sugere, quando não estimula) porque é um fenômeno social com repercussão eleitoral. E só o é porque opositores, todos do mesmo perfil que já cansou a maioria da sociedade, têm muito menos a oferecer. 

A sacralização de institutos de pesquisa, sobretudo os mais vinculadas à grande mídia, caso do Datafolha e do Ibope, entrou em parafuso com a difusão de novas fontes de informações, especialmente do mercado financeiro. Até prova em contrário não creio que esses novos players estariam decididos a criar falsificações estatísticas que o levariam a dar um tiro no próprio pé de desempenho futuro da economia nacional. 

Mesmo que assim o seja, entretanto, trata-se de novos ingredientes que de alguma forma afetarão o modus operandi dos mais tradicionais institutos do mercado de votos. Nada é melhor para a sociedade consumidora de informações que desfrutar do direito de contar com várias alternativas à consulta em qualquer campo da atividade humana. Quanto mais choques numéricos melhor, porque será possível extrair certezas e dúvidas de acordo com o juízo de valor que temos o direito de expressar. A obscuridade fomentada por poucas fontes de informações deve ser combatida sempre.  

 

Pesquisas distorcem resultados

de rejeições e do segundo turno

 DANIEL LIMA - 21/09/2018

Os leitores vão ter a oportunidade de acompanhar este artigo e provavelmente sairão satisfeitos das águas críticas que vou derramar no pantanoso terreno de especulações e de conceitos mambembes das pesquisas eleitorais. Certamente em nenhum momento e em endereço algum do jornalismo houve abordagem semelhante. A contestação explícita no título deste artigo não é um jogo de palavras e muito menos uma tentativa de chamar a atenção para alavancar a audiência. É realidade nua e crua. Tecnicamente provada. 

A diretora técnica do Ibope Inteligência, Márcia Cavallari, é até certo ponto enfática nas intervenções que relativizam dados estatísticos retirados dos resultados de primeiro turno da corrida presidencial quando transpostos ao segundo turno. Ela afirma sem rodeios e com outras palavras o que traduzo sem risco de interpretação equivocada: as projeções de resultados prováveis para o segundo turno e, antes disso, o nível de rejeição a cada um dos concorrentes, poderão sofrer sérias mudanças, quando não se tornarem números mortos, a depender do remelexo das correntes que moverão os dois finalistas. 

Márcia Cavallari disse quase tudo. Só faltou afirmar muito mais. Mas, como ninguém da bancada da GloboNews, e mesmo jornalistas esparsos, enxergam pesquisas eleitorais além das obviedades cantadas como espécie de clichês, vou à luta.

Terei de ser o mais didático possível. Os leitores em geral precisam entender os mecanismos metodológicos que abastecem resultados de cada rodada das pesquisas, sobretudo dos mais prestigiados Datafolha e do Ibope. Mas a avaliação também cabe aos demais institutos de pesquisas. Usam-se ferramentas diferentes para calcular o batalhão de rejeições e os resultados presumíveis de primeiro e de segundo turno. 

PONTO-CHAVE DESPREZADO  

O ponto-chave para invalidar qualquer incursão que determine o grau de rejeição a um determinado candidato presidencial tanto no primeiro turno quanto no segundo é a margem de erro, usualmente de dois pontos percentuais, ou de 95% de precisão. Há um limite mínimo de entrevistas que assegura a consistência de um resultado final. Quanto menor o número de amostras, mais cresce a margem de erro. 

Dois pontos percentuais significam que um candidato com 20% de indicações pode contar com 22% ou 18% do eleitorado. A margem de erro vale para cima e para baixo. Um outro candidato com 18% dos votos pode ter 20% ou 16%. No confronto entre eles, quem tem vantagem numérica de dois pontos sobre o segundo colocado pode tanto estar em situação de empate técnico (18% contra 18%) ou, no limite máximo, somar oito pontos de vantagem (24% a 16%). 

Não foi à toa que há muito escrevi um artigo em que questionava a expressão correta, se margem de erro ou margem de manobra. A elasticidade permite aos institutos de pesquisas afirmarem, urnas apuradas, que acertaram determinado naco de resultados. Há uma legitimidade de argumentação caso a disputa seja decidida por margem mínima de votos, ou caso se alargue a oito pontos percentuais, caso do exemplo acima. Convenhamos que temos um cenário de conforto às pesquisas. 

DESTINO PRINCIPAL

Voltando ao que interessa (ao conceito de margem de erro e a relação íntima com o total de entrevistas realizadas), os resultados finais de uma sondagem eleitoral valem sobremodo para as questões relativas ao destino principal do voto do entrevistado. Qualquer recorte fora disso carrega um caminhão de impropriedades e, portanto, pode sugerir, quando não garantir, distorções nos resultados.

Seria melhor dizer “provocam distorções nos resultados” em vez de “podem provocar distorções nos resultados”. Tanto que, insisto, a diretora técnico do Ibope Inteligência afirma categoricamente que tudo (ou seja, as simulações para o segundo turno) não passaria de descartável. 

Vamos agora à etapa seguinte, para saber qual é o montante percentual de rejeição a um determinado concorrente. O raciocínio vale para todos, claro. 

Quando os pesquisadores aferem no voto estimulado (diante de um cartão com o nome de todos os concorrentes) em quem o entrevistado não votaria de jeito nenhum, oferece-se multiplicidade de alternativas. Ou seja: o eleitor não escolhe necessariamente um determinado candidato à suposta lista negra, mas vários deles. Tanto que é que a soma dos percentuais ultrapassa em muito os 100%. 

É aí que começa o processo de distorção, verbalizado sem constrangimento pela diretora do Ibope Inteligência, embora, insisto, ela se tenha limitado a dizer que os remanejamentos dos eleitores diante dos dois finalistas sempre gera alterações no resultado final diante da movimentação oficiais dos mandachuvas partidários, em termos de alianças, e do arbítrio dos próprios eleitores. Ou seja: quando se trata do arbítrio dos próprios eleitores, se confirma a deficiência inicial da pesquisa, de não mensurar o quanto cada candidato da lista negra pesa na valoração da rejeição. 

EXEMPLO EMBLEMÁTICO 

Vou tentar traduzir isso de modo também didático: alguém que tenha votado em Geraldo Alckmin no primeiro turno e apontado que não votaria de jeito nenhum em Jair Bolsonaro, em Fernando Haddad e em Ciro Gomes pode perfeitamente bandear-se para o eleitorado do capitão reformado do Exército ao constatar que o petista Fernando Haddad se classificou ao mata-mata final. Ou optar pelo petista. 

Dezenas de exemplos similares, contando com outros personagens e outras preferencias finais, poderiam ser mencionados para consolidar o equívoco dos institutos de pesquisa.

Traduzindo: quando os eleitores pesquisados pela DataFolha e pelo Ibope (e insisto em dizer que a afirmativa vale para os demais institutos de pesquisa) apontam os candidatos nos quais não votariam de jeito nenhum, não existe o que chamaria de valoração dessa decisão. Se houvesse, estaríamos mais próximos de um quadro de rejeição inicial que estabeleceria determinadas conjecturais mais consistentes, embora longe de definitivas. 

Portanto, não existe uma escala de valores do quanto cada um dos candidatos pesa no critério de rejeição do eleitor. O eleitor de Geraldo Alckmin que apontou Jair Bolsonaro, Ciro Gomes e Fernando Haddad como concorrentes fora da qualquer perspectiva de receber seu voto em segundo turno votaria em quem nesse mesmo segundo turno ante a mais que provável ausência do tucano na disputa final? Uma pesquisa que levasse em conta muito mais que o apontamento dos candidatos em que o eleitor não votaria de jeito nenhum seria menos frágil, portanto. 

METODOLOGIA CORROMPIDA 

Sugiro ao leitor que tome um fôlego, repasse a leitura, e prossiga com calma porque ainda tem muito chão. Quem achar que explicar as razões das fraudes estatísticas nas pesquisas tanto para o primeiro quanto para o segundo turno é fácil certamente adora a simplificação sem sustentação. 

Como está mais que evidenciado que a projeção de rejeição no primeiro turno é deficiente na estrutura técnica, pela multiplicidade de apontamentos e de ausência de valoração, vamos partir para uma nova etapa. E essa nova etapa é muito mais importante e arrasadora que qualquer outra, porque está relacionada ao segundo turno. 

Lembram-se que comecei este texto mencionando a margem de erro. Margem de erro comum dos institutos de dois pontos percentuais para cima e para baixo. Pois essa margem de erro vale com até 95% de certeza ante um determinado número de entrevistas. Se substituírem 1.000 entrevistas por apenas 100 entrevistas, o resultado estará seriamente comprometido. Mais que isso: não terá validade técnica nenhum. A pesquisa se transforma em enquete, que não tem valor cientifico. 

Perguntaria o leitor a razão de mencionar 100 entrevistas em vez de mil contratadas e levadas a campo pelos pesquisadores. Explico sem hesitação e, mais que isso, coloco a situação como prática dos institutos de pesquisa. 

Chegamos a escassas 100 entrevistas de um universo mínimo supostamente de mil quando decompomos, por exemplo, os eleitores de Ciro Gomes. Basta imaginar que entre os mil entrevistados, 10% tenham apontado o ex-governador do Ceará como preferido. São 100 das mil entrevistas nas quais Ciro Gomes teve o apoio popular. 

EQUÍVOCOS MONUMENTAIS

Na rodada seguinte da pesquisa, para aferir o grau de rejeição dos candidatos, 50% dos eleitores de Ciro Gomes apontam Jair Bolsonaro como concorrente sumariamente rejeitado. Chegamos, portanto, aos 50 entrevistados que têm horror a Jair Bolsonaro. Qual seria a margem de erro desse miniuniverso constatado?

Resultado: indecifrável, porque completamente fora dos padrões de investigação. Para que se obtivesse com margem de apenas dois pontos percentuais o universo de eleitores de Ciro Gomes que detestariam Jair Bolsonaro, seriam necessárias mil entrevistas. O conceito vale para todos os concorrentes e variáveis. O resultado final é um forrobodó inexplicável porque se infringiu o coração metodológico de qualquer pesquisa. 

Recapitulando a lição, há, portanto, dois equívocos monumentais a destruir a reputação dos institutos de pesquisas quando se trata de projeção de rejeições e, por consequência, os percentuais de preferência do eleitorado num segundo turno.

Primeiro, a uniformidade insensível e metricamente impossível de definição dos candidatos potencialmente mais rejeitados tanto para a disputa do primeiro quanto do segundo turno. Segundo, a flacidez metodológica, com consequente trambolho numérico, dos resultados que não seguiriam o padrão mínimo de quantidade de eleitores ouvidos a determinadas questões.  

MANIPULANDO EMOÇÕES 

Creio que esgotei as possibilidades de fazer-me compreender. Como tenho, mesmo sem detalhismos, a confissão tácita da diretora do Ibope, somente os cegos de paixão insistiriam em levar a sério as pesquisas de rejeição no primeiro turno e de rejeição e dos próprios resultados no segundo turno. Sim, os resultados de segundo turno, apressados, são corroídos pela lógica da ausência de valores comparativos dos níveis de rejeição e do confesso descarte que os remelexos provocarão na tendência de votos dos dois finalistas, após conhecidos os resultados do primeiro turno.  

Para completar: por que então os institutos de pesquisas exploram tanto os níveis de rejeição e apontam resultados do segundo turno contando, nesse caso, com um prato feito sem que se tenha os ingredientes necessários? Simples: os alquimistas acreditam que têm poder imenso de influenciarem resultados e de conduzirem bovinamente os eleitores ao que mais lhes interessariam. 

O problema é que faltou combinar com os russos, no caso os milhões de eleitores que fazem uso de múltiplas plataformas tecnológicas, com influência cada vez maior (embora ainda fora da zona de predomínio da televisão e do rádio) junto ao eleitorado.  Sem contar a diversidade de pesquisas a provocar entrechoques e dúvidas, mesmo igualmente descuidadas na medição de rejeições nos dois turnos, além dos resultados finais. 

Para completar de vez -- e por mais repetitivo que pareça --, não custa repetir mil vezes se preciso: se a responsável pelas pesquisas do Ibope Inteligência descarta resultados e rejeições do primeiro turno como matéria-prima saudável ao segundo turno, embora não conte em detalhes o que estamos contando, o leitor tem alguma dúvida sobre a sincronia deste texto com os pressupostos metodológicos que levam em conta uma série de quesitos como nível de escolaridade, renda, faixa etária, sexo e tudo o mais?   

 

Voto consolidado é caminhão;

projeção para 2º turno é lixo

 DANIEL LIMA - 25/09/2018

Os institutos de pesquisa preferem dar mais ênfase às simulações de votação de segundo turno, todas sem fundamentação científica (como expliquei neste espaço na semana passada) a valorizar o voto espontâneo, também compreendido como voto cristalizado, além de conhecido como voto consolidado. Estamos falando de espécie de primo eleitoral de primeiro grau do voto estimulado e também do voto de indecisos vulneráveis e de indecisos supostamente envergonhados. 

O trecho acima foi escrito propositadamente como espécie de pegadinha para quem tem pouco fôlego de leitura. Quero que o leitor nestas condições volte os olhos e a mente para uma releitura e entenda o que vem adiante.

Jair Bolsonaro e Fernando Haddad têm grande parcela do voto consolidado porque, principalmente a partir do atentado contra o capitão reformado, o rumo da disputa foi definido em relação ao provável, mas não garantido segundo turno.  

Ouço e leio tudo dos chamados especialistas em decifrar pesquisas eleitorais, inclusive de quem as preparam e as produzem. Não me fio nos jornalistas metidos a interpretações porque a maioria, principalmente nestas eleições, combina dois graves problemas: entendem quase nada do riscado e estão na mesma trilha de combate ao candidato do PSL. Eles fazem de tudo para emitir argumentos, mesmo que esfarrapados, a fim de tornarem a tortuosidade de raciocínio alguma coisa que não seja estupidamente imbecil. 

FORÇANDO A BARRA 

Prova disso foi a programação de ontem à noite da Globonews, que pretendeu analisar os resultados. A responsável técnica pelas pesquisas, Márcia Cavallari, do Instituto Ibope, precisou de muita paciência para alertar jornalistas tendenciosos.  As projeções de votos e também de rejeições para o segundo turno não valem nada. Tive o cuidado de gravar dois trechos do programa em áudio e enviar às minhas listas de aplicativo com o qual mantenho relação mais estreita com os leitores desta revista digital. 

Não adiantou a profissional de pesquisas dizer tudo o que disse porque os jornais de hoje, todos, publicam com destaque o que chamo de lixo no título deste artigo. E é lixo mesmo, porque se a própria dirigente do Ibope afirma que as projeções formuladas são historicamente flácidas, como tratar de outra forma aquela maçaroca? 

Voto consolidado que se mantém forte ou cresce regularmente na reta de chegada de uma campanha, principalmente em níveis elevados, é um caminhão em direção ao segundo turno ou mesmo à vitória no primeiro turno. Quanto mais o voto consolidado se cristaliza (não há redundância nisso), mais os especialistas de verdade sabem que os adversários estão em direção ao cadafalso. 

FAVORITOS INTOCÁVEIS 

O problema todo é que, nestas eleições, todos os especialistas evitam dizer com clareza que tanto Jair Bolsonaro como Fernando Haddad (após o aval de Lula da Silva de Curitiba) aumentaram o poderio de amealharem votos.  

Na pesquisa da BTG anunciada ontem o candidato Jair Bolsonaro registrou 30% de votos consolidados de um total de 33% quando se somam os estimulados. O petista Fernando Haddad chega a 22% de consolidados de um total geral de 23%.  

O voto consolidado não é resultado do acaso. Para deixar o patamar de ceticismo e chegar ao voto cristalizado é preciso acontecer muita coisa nos últimos meses de uma disputa eleitoral. 

Se é verdade que o eleitor cético demora ou mesmo jamais arreda pé de fugir das urnas, abstendo-se ou anulando e votando em branco, os eleitores indecisos, que são os céticos mais acessíveis a informações, revelam estágio de preparação à mudança de comportamento. E esse novo lance se chama voto decidido, mas vulnerável, que se detecta nas pesquisas de votos estimulados.

Quem precisa de incentivo metodológico para saltar do muro da indecisão para chegar ao voto vulnerável está a caminho do voto consolidado. Bolsonaro e Haddad ultrapassaram essa barreira em proporções muito mais amplas que os demais competidores. 

INUTILIDADE DESTACADA 

Vou insistir na crítica à negligência com que a mídia trata o voto consolidado e dá vazão por interesses nem sempre nobres ao voto e à rejeição de segundo turno. O voto consolidado é resultado de uma engenharia que não deixa margem de dúvida para ser tratado com respeito. O voto de segundo turno é um recorte feito sem critério consistente porque deriva das respostas primárias e, claro, se transformam em massa secundária. Tanto quanto os níveis de rejeição. 

Quem publica que tantos por cento dos eleitores pesquisados prefeririam um candidato a outro em caso de enfrentamento no segundo turno não está lidando com a opinião dos eleitores em geral, mas com segmentos dos competidores que a pesquisa geral entrevistou. Esse retalho da pesquisa não tem fundamentação técnica para ser tratado com seriedade. É apenas uma enquete. 

Um confronto que envolva, por exemplo, o segundo turno entre Bolsonaro e Haddad, cujos dados sejam extraídos de uma pesquisa de primeiro turno, é um confronto furado. Quando a própria diretora do Ibope Inteligência afirma que essa modalidade de projeção não tem valor estatístico, porque o mundo das eleições gira no segundo turno com recomposições dos eleitores, não seria preciso acrescentar mais nada. 

SUBESTIMAÇÃO INADEQUADA 

Mas se o faço é porque, insisto, se subestimam demais os votos consolidados. O vestibular eleitoral de sair da zona do ceticismo para o de indeciso convicto e de indeciso convicto para indeciso vulnerável e deste para consolidado vulnerável, seguido de consolidado e cristalizado, não é uma operação fantasmagórica. Esse é um ciclo natural a envolver todos os candidatos. 

Jair Bolsonaro veio no embalo da segurança do cidadão (esse é o quesito mais apontado por seus eleitores), enquanto Fernando Haddad vestiu-se de Lula da Silva. Os votos ao petista estavam represados até que o ex-presidente desse a ordem de descarregamento. O salto quase quântico desde que foi anunciado oficialmente por Lula da Silva já reduziu a velocidade de crescimento e nas próximas rodadas de pesquisas deverá evoluir em ritmo quase vegetativo. Até porque já se está esgotando o filão dos indecisos vulneráveis. 

Para arrematar de vez a importância do voto consolidado como último estágio de uma propensão à cadeia de definição de escolha, prestem atenção nesse ponto.

Que ponto? Ora, se as simulações de segundo turno fossem minimamente sustentáveis e, sabendo-se como se sabe, que desde muito tempo os institutos de pesquisa colocavam Jair Bolsonaro como o candidato mais incapaz de sensibilizar o eleitorado de indecisos e dos outros, os últimos resultados, que o colocam na dianteira cada vez mais vigorosa, jamais se teriam materializado.

Ninguém alcança o topo do voto consolidado por obra do Espírito Santo. Como ninguém deixa uma inexpressiva colocação, como Haddad, sem passar igualmente pelo mesmo ritual. 

Traduzindo: é impossível que alguém com tanta massa de rejeição, como se apontou em direção a Jair Bolsonaro, conseguisse crescer muito mais que seus adversários, supostamente bem menos rejeitados, nas rodadas de pesquisas subsequentes. Quem não tem motivo algum para desconfiar – e muito – de determinados institutos de pesquisa é um sujeito de boa-fé. Merece ganhar o prêmio Otário do Ano.  

 

Imprensa negligente, burra

ou capciosa? Faça a escolha

 DANIEL LIMA - 03/10/2018

Qualquer abordagem conceitual que leve em conta as pesquisas eleitorais (e me refiro, sobretudo ao Datafolha e ao Ibope) requer alta octanagem verbal. A elegância convencional e muitas vezes de conveniência, porque hipócrita, termina quando a inteligência é massacrada. Ou quando a razão é atirada no lixo. 

O crescimento de Jair Bolsonaro na última pesquisa do Instituto Ibope (e o ritual do Datafolha anunciado ontem à noite não foi diferente) mostra que não existe mesmo base estatística sólida para movimentar as projeções de segundo turno durante o primeiro turno. O passivo recente condena a metodologia. 

Para que não me entendam mal e nem me rotulem de agressivo, não custa lembrar (aliás, esse é o principal instrumento para defender a irrelevância de pesquisas de segundo turno em pleno primeiro turno) que a diretora do Ibope, Marcia Cavallari, cansa de repetir essa constatação. Lamenta-se apenas que, mesmo assim, o instituto siga a divulgar projeções tecnicamente insustentáveis. Com isso, estimula especulações nos programas políticos de rádio e de televisão, além de mídias sociais e dos supostos cronistas políticos.  

CADEIA DE PRODUÇÃO  

Jair Bolsonaro só cresceu mais que os demais concorrentes no Ibope (foram quatro pontos de salto, contra a estagnação do segundo colocado Fernando Haddad e praticamente o imobilismo, ou a queda, dos demais principais concorrentes) porque a cadeia de progressão de intenção de votos, como acentuei num texto recente, fornece energia à retroalimentação do processo. 

Sem a retaguarda de sensibilização dos eleitores é impossível chegar ao crescimento na ponta final, em forma de voto espontâneo e de voto estimulado. Converter céticos em indecisos e indecisos em votos estimulados ou em votos espontâneos é uma maquinaria que não admite emperramento da engrenagem em forma de rejeição consolidada. 

Esse é o problema das pesquisas que adotam critérios de rejeição sem considerar modulações. Diferentemente do que se observa com a distinção de voto espontâneo e de voto estimulado, rejeição não tem valoração igualmente em forma de espontaneidade e de estimulo dos eleitores.  

Vou explicar: ao invés de perguntar aos eleitores “em quais candidatos você não votaria de jeito nenhum”, oferecendo-se à definição várias opções da lista dos concorrentes, o processo que identificaria o grau de exclusões deveria obedecer a mesma lógica da espontaneidade e, em caso necessário, como na aferição do voto, do estimulado. 

Uma analogia com paredões de reality show define bem a situação: os telespectadores apontam quem quer fora do programa em escolha única no caso de três participantes. Quem for mais indicado, está fora. Nas pesquisas do Ibope e do Datafolha, todos os candidatos podem ser indicados, exceto, claro, quem tem a preferência do eleitor.

UNIFORMIDADE BURRA  

A rejeição estimulada não se daria como se tem dado, colocando todos os candidatos na mesma bitola. Seriam atribuídos valores distintos à medida que os nomes fossem apontados por ordem de importância.

Não é coincidência que os mais rejeitados são justamente os dois candidatos que mais pontuaram nos critérios de preferência de voto espontâneo e de voto estimulado.  Há entre os eleitores desses dois competidores pressão mútua a açodá-los. E entre os demais, principalmente os mais competitivos ou que se acham mais competitivos, a decisão de rejeitar quem consideram favoritos é uma maneira de torcer para que não continuem a crescer. 

O que insisto em perguntar é sobre a razão que leva tanto o Ibope quanto o Datafolha a enfatizar a rejeição aos candidatos enquanto o foco principal está no primeiro turno. Não é surpresa que a imprensa deixe para lá qualquer questionamento. A maioria não tem interesse algum em decifrar metodologias, daí terceirizam interpretações técnicas aos representantes dos institutos. O que mais fazem os jornalistas metidos a avaliações de pesquisas é agir como torcedores organizados.   Por mais que disfarcem, sempre mostram o traseiro interesseiro. 

QUEBRANDO A CARA  

O que muita gente pergunta é como Jair Bolsonaro cresceu quatro pontos percentuais na pesquisa do Ibope durante uma semana turbulenta, com série de tropeços próprios e pressões externas (casos como o 13º salário e as manifestações de rua, entre outros) enquanto os programas de televisão, sobremodo de Geraldo Alckmin, o atacaram duramente. 

Havia uma perspectiva clara de que Fernando Haddad poderia chegar a um empate técnico com Jair Bolsonaro no começo da semana. A pesquisa do Ibope não captou os efeitos de novas revelações sobre o pântano em que mergulhou o PT, segundo delação premiada do ex-ministro Antônio Palocci. A repercussão colheu apenas parte dos eleitores ouvidos pelo Datafolha. 

A pesquisa anunciada pelo Ibope segunda-feira coloca Jair Bolsonaro a 12 pontos percentuais da vitória no primeiro turno (e exatamente o que constatou o Datafolha no dia seguinte). Comedida, a diretoria Marcia Cavallari afirmou que não acredita que o jogo se encerrará domingo agora. Ou seja: Bolsonaro não teria fluidez e ritmo eleitoral suficientes para arrebanhar levas de indecisos e de eleitores menos convictos ou mesmo mais pragmáticos de candidatos afinados com a direita e a centro-direita, casos de Geraldo Alckmin, João Amoedo e Henrique Meirelles. O prazo seria exíguo demais. Também acho. Mas não descarto uma onda avassaladora.  

FENÔMENO POLÍTICO  

Goste-se ou não o capitão reformado é um fenômeno popular que somente gente politicamente estúpida é capaz de negar. Trataremos disso, dessa estupidez, nos próximos dias porque li um artigo no Estadão de hoje que coloca o líder das pesquisas como um acidente de percurso da democracia. Que democracia? De bandidos?  

Bolsonaro é a direita popular que a esquerda populista jamais esperava enfrentar.  Talvez Bolsonaro fique tão próximo da meta a ponto de tornar-se a apuração dramática. A reviravolta no placar, proporcionada principalmente nas camadas mais pobres, menos escolarizadas e também no eleitorado feminino que a pesquisa do Ibope revelou e o Datafolha confirmou ontem, tem algo como a quebra de barreiras que pareciam proteger essencialmente o vigor da candidatura petista. 

O que possivelmente atrapalhará o esvaziamento dos demais concorrentes é que Jair Bolsonaro precisaria romper obstáculos criados pelos institutos de pesquisa, que o colocam como pretensa passarela sobre a qual o PT deitaria e rolaria no segundo turno, tal o nível de rejeição.  

Na última pesquisa do Ibope os dois candidatos empatariam em rejeição, após uma semana em que Jair Bolsonaro manteve-se na desconfortável situação de estar nessa liderança. Entretanto, como se repete exaustivamente na televisão que Bolsonaro não venceria o PT no segundo turno, tudo pode acontecer nessa reta de chegada do primeiro turno.  Inclusive uma vitória consagradora.  

RODADAS DO DATAFOLHA  

Para completar sobre a bobagem de pesquisa de rejeição de segundo turno com base em entrevistas no primeiro turno, eis que lanço mão de uma tabela de intenções de votos do Datafolha, publicada pelo jornal Valor Econômico, a partir de 20-21 de agosto. Foram seis rodadas de pesquisas. O contingente de eleitores que votariam em branco ou nulo caiu de 22% para 8%. E de eleitores que disseram não saber em quem votar passou de 6% para 5%. Somando-se o que chamaria de votos perdidos, saímos de um patamar de 30% para apenas 11%.  

O que tem a ver esses números com rejeição? Simples: se fosse mesmo coisa séria, Jair Bolsonaro não teria crescido tanto nas pesquisas do Datafolha, saindo de 22% em agosto para 32% na mais recente consulta aos eleitores. Avanço de 10 pontos percentuais. Fernando Haddad cresceu na esteira da indicação de Lula da Silva, o que era mais que previsível: saiu de 4% para 21%, onde parece estacionar de vez.

Ciro Gomes tinha 10% em agosto e agora tem 11%, Geraldo Alckmin tinha 9% e segue com 9%, Marina Silva tinha 16% e caiu para 4% (foi engolida por Haddad na vertente esquerdista do eleitorado) e os demais seguiram no lamaçal da imobilidade numérica. 

Que provas querem mais os ilusionistas para aposentarem um recorte tão esdrúxulo? Chega de manipulações -- por negligência, burrice ou capciosidade. 

 

Bolsonaro vai para mata-mata

com três a zero de vantagem

 DANIEL LIMA - 08/10/2018

Quem conhece futebol e entende de regulamento sabe o que estou querendo dizer no título deste artigo. Mas vou ser didático, porque pelo menos 30% da população não estão nem aí com o esporte-rei. No caso da disputa presidencial resolvida parcialmente ontem em primeiro turno, o que quero dizer é que o mata-mata será em jogo único entre Jair Bolsonaro e Fernando Haddad. 

O jogo único será disputado com mando de campo de Bolsonaro, o que se converte em grande vantagem suplementar. Entenda-se como campo de Bolsonaro o ambiente gerado pela disputa em primeiro turno. Ninguém estabelece números tão contundentes sem carregar favoritismo ao embate final.

No primeiro jogo, Bolsonaro venceu fora de casa por 3 a 0. Para perder o título terá de ser derrotado em casa por placar igual e, mesmo assim, a disputa irá às penalidades máximas. No caso, penalidade máxima significaria uma margem tão ínfima, tão estreita, que tudo seria decidido quando o apito final estivesse prestes a ser acionado pelas urnas eletrônicas.  

PODE ERRAR, NÃO MUITO

Não bastasse a vantagem acumulada, ainda seria preciso que Bolsonaro não fizesse um gol sequer em casa. O que seria fazer um gol em casa? Que não acertasse a mandíbula de parcas condições de vitória do adversário. Ou seja: que Bolsonaro só acusasse golpes que o levassem gradativamente a um nocaute técnico. Nesse caso (de aumento da capacidade de sacramentar a vitória), adoto o critério de gol qualificado. Para cada gol marcado em casa, independentemente dos gols do adversário, Bolsonaro teria de sofrer mais gols que os três inicialmente indispensáveis. Traduzindo: Haddad precisaria ganhar de quatro gols de vantagem fora de casa para não decidir nas penalidades máximas, caso Bolsonaro não faça gol diante de sua torcida. 

Explicando ainda mais: diante tudo o que vem por aí no segundo turno, cada erro e cada acerto na estratégia de atingir o adversário Bolsonaro e Haddad fariam ou sofreriam gols. Bolsonaro precisaria errar muito e Haddad acertar demais para virar o jogo. Não há registro futebolístico em competição de alto nível em que um visitante vence o adversário jogando em campo alheio depois de perder em casa por três a zero ou resultado equivalente.

O que quero dizer com tudo isso é que a disputa está praticamente selada. Os maiores especialistas em pesquisas eleitorais sabem disso, embora a maioria não tenha coragem ou independência para dizer sem subterfúgios.

Toda a papagaiada-clichê de que segundo turno começa zero a zero não vale para o contexto atual. Os redondos 46% a 29% de vantagem de Bolsonaro ao final do primeiro turno e o potencial ideológico para o segundo turno manteriam ou mesmo poderiam ampliar a vantagem registrada. 

ESQUIZOFRENIA ELEITORAL  

Me dedico a essas explicações porque a demanda dos leitores de CapitalSocial na lista de um aplicativo de celular assim o determina e me estimula. Todos que se manifestam querem saber de probabilidades de vitória de Bolsonaro ou de recuperação de Haddad. E a maioria logo entende a mensagem quando passo do burocratismo técnico-científico para o futebolismo político. 

Foi para alguns desses leitores que me expressei informalmente durante a apuração dos votos de ontem. Cheguei a contestar a mim mesmo quando, diferentemente do que expus na sexta-feira, aumentei a vantagem favorável a Jair Bolsonaro e o coloquei na presidência da República. Os 47% que antecipei como votação provável de Bolsonaro no primeiro turno no texto que publiquei foram certeiros. Já os números que expus a alguns poucos ontem no calor da disputa foram diferentes. 

Como prefiro o que escrevo ao que falo em situação emocional relativamente acima do tom (até porque só escrevo como pessoa jurídica, de jornalista de mais de 50 anos de carreira, enquanto falo como pessoa física, de mais idade e com os nervos às vezes dilatados), fica valendo o escrito, não o dito. Um dia vou explicar essa esquizofrenia, de pessoa jurídica e de pessoa física. É uma barbaridade. De um lado, Daniel Lima. De outro, meu contrário: Leinad Amil. 

Como estou escrevendo este texto, é melhor os leitores acreditarem que não produzo emoção em forma digital. Ainda tenho muito a consumir de informações nesta segunda-feira, mas é certo que repito integralmente a parte do artigo de primeiro de outubro, quando listei 15 quesitos que, analisados cuidadosamente, colocariam Jair Bolsonaro como favorito ao comando de um País destroçado por petistas e tucanos ao longo de duas décadas e meia. Nada diferente dos antecessores pós-redemocratização do País. 

Os 15 quesitos citados dão estrutura racional a meus ensaios. Aliás, é como faço nas análises de um jogo de futebol, cujos elementos de avaliação também chegam a uma dezena e meia de vetores. Minha lista eleitoral, como a lista esportiva, são cartas de navegação a sustentar argumentos. Coisa de maluco, podem dizer, mas tem dado certo.  

Sugeriria aos leitores que acessem o link logo abaixo para recuperar a leitura do texto de primeiro de outubro. Não mudou praticamente nada após o primeiro turno. É possível que a projeção de votos como resultado final (o tal mata-mata de um jogo só) ganhe impulso. Projetei vitória final de Bolsonaro por 56% a 44%. No decorrer dos próximos 15 dias pretendo fazer novas avaliações numéricas, sempre baseadas naqueles quesitos que fecham o cerco em torno de vetores que definem a preferência de cada leitor. 

NARRATIVA É DECISIVA 

Vale lembrar que entre aqueles pontos o cerne eleitoral é o que chamo de “domínio da narrativa”. Quem vender melhor o peixe para o eleitorado, ganha a disputa. Bolsonaro pode até errar, porque saiu bem à frente, mas não pode, como já disse, errar demais. O PT tem um calcanhar de Aquiles insuperável: a corrupção sistêmica que imobilizou praticamente todas as agremiações e políticos do País, anteriormente já permeáveis à sujeição menos organizada de vantagens financeiras. 

Não canso de repetir que o Brasil precisa passar pela ponte ou mesmo pela pinguela de Jair Bolsonaro na presidência da República. Se o capitão reformado cumprir o prometido e retirar da frente o maior de todos os obstáculos ao desenvolvimento econômico (o excesso do Estado em favor do liberalismo social), muitos dos percalços das últimas três décadas serão desmontados. 

O modelo econômico e a estrutura política do País estão falidos. E o suprassumo da incompetência na gestão pública brasileira está aqui, na nossa cara, ou seja, nesta Província decadente, dominada por corporações trabalhistas sanguessugas e por elites sociais e políticas egoístas e alienadas, quando não analfabetas. 

MÍDIA COMPROMETIDA 

Existe má-vontade estonteante da maioria da crônica política (e também econômica) em relação a Jair Bolsonaro. Como falta fundamentação e sobra preconceito, além de protecionismo escancarado a todo candidato que se lhe faça oposição, é possível que tenham todos sofrido duras derrotas de credibilidade. 

Os jornalistas de grandes corporações, em larga escala, perderam o faro das ruas. Vivem encaixotados nas redações. E se metem a censores morais como pretendentes a doutrinar terceiros em contraste com os costumes ainda majoritários na sociedade brasileira. Caem no mesmo reducionismo daqueles que combatem. E esquecem os grandes problemas nacionais. 

Quem sabe a estrondosa votação obtida por Jair Bolsonaro (uma alternativa de choque imediato que seduz muito mais que o ramerrame de 30 anos) e a perspectiva do Brasil que todos devemos querer, expressas também o sucesso do Partido Novo, João Amoêdo à frente, nos levem num futuro não muito distante a novas configurações sociais e econômicas até atingirmos o liberalismo com que tanto sonho. 

AUTORITARISMO 

O autoritarismo de direita não é diferente do autoritarismo de esquerda. Fernando Haddad vem com a conversa mole de discurso pós-primeiro turno de que pretende preservar a democracia no Brasil. É sarcasmo demais. Justamente em nome de um partido que subverteu a própria democracia ao instaurar ditadura da roubalheira sistêmica que deformou o processo eleitoral com dinheiro de oportunistas empresariais nas estatais dominadas por políticos que aderiram ao chamado governo de coalizão de Lula da Silva e de Dilma Rousseff.

Os leitores mais assíduos conhecem o estilo deste jornalista e sabem que poderia, se quisesse, produzir um texto supostamente mais sofisticado. Entretanto, chequei ao ponto de que não é mais possível usar linguagem mais cuidadosa para dizer o que penso. 

É aviltante que, em contraposição à varredura iniciada pela Operação Lava Jato e ao modo rústico de Jair Bolsonaro no trato a questões de costume, puna-se a sociedade do direito sagrado de experimentar uma alternativa de governo. Sobretudo porque o terrorismo trombeteado alça falsamente ao topo da demanda nacional supostos riscos institucionais que afligiriam a democracia. Conversa fiada. Não totalmente fiada apenas porque o Brasil correria supostamente mais riscos com a volta de um governo que enfileira delinquentes políticos e empresariais.  

 

Ibope e Datafolha erram demais e

precisam redefinir metodologias

 DANIEL LIMA - 11/10/2018

Para que serviram as pesquisas eleitorais à presidência da República e a governos de Estado no primeiro turno? Vou tomar emprestado uma declaração enfática de Mauro Paulino e Alessandro Janoni, em artigo assinado na Folha de S. Paulo de ontem, para traduzir sem cerimônia: para nada, absolutamente nada. Ou melhor: observada de perto, bem de pertinho, cada pesquisa serve mesmo como correia de transmissão de interesses não identificados, mas passíveis de especulações. Vou tratar desse assunto em outros artigos no decorrer da campanha eleitoral. Aliás, trata-se de continuidade, porque já meti meu bedelho no primeiro turno.  

O Ibope Inteligência e o Datafolha erraram tanto às vésperas das eleições que não é possível acreditar que desprezem uma providência imediata se pretenderem sustentar credibilidade emprestada principalmente pelos veículos de comunicação dos dois grupos que, ao debaterem detidamente os dados, conferem aos trabalhos garantia de qualidade que não resiste a testes de bom senso.  

Que conselho daria aos dois institutos? Tratem de passar sebo nas canelas para reconquistar o público que deu de pinote ou não os leva tão a sério como em outros tempos. As redes sociais e os aplicativos são ferramentas mobilizadoras para o bem e para o mal no combate a distorções interesseiras ou não dos poderes tradicionais da grande imprensa.  

ESTÁGIO DE DESCONFIANÇA  

Não bastasse o estágio de desconfiança popular gerado pelas próprias deficiências metodológicas aplicadas, outros institutos de pesquisa ajudam a difundir numeralhas por todos os cantos, comprometendo para valer o valor institucional dessa atividade tão importante para quem quer entender o andar da carruagem das eleições. 

Para não dizerem que estou exagerando na dose de desclassificação, suspeição ou qualquer coisa que coloque a escanteio o valor de pesquisas eleitorais nestes novos tempos de multiplicidade de plataformas de comunicação que pressionam o eleitorado, eis que retiro do próprio artigo do diretor-geral e do diretor de pesquisas do Datafolha um trecho mais que condenatório ao trabalho executado. Leiam:  

 ”A única pesquisa que pode ser comparada com o resultado final é o da boca de urna, realizada depois da votação. Não é uma pesquisa de intenção de voto, questionando o eleitor sobre algo que ainda vai fazer. Entre a intenção e a concretização da escolha, como se viu, variáveis agem sobre a escolha. A boca de urna é um levantamento sobre o que ele já fez, o candidato em quem ele acabou de votar. Retrata o fenômeno em si, no dia em que ele de fato acontece. Por isso os números da pesquisa divulgada pelo Ibope após a votação do último domingo ficaram tão próximas dos apurados nas urnas, confirmando boa parte das tendências e curvas que ambos os institutos captam na véspera” – escreveram os especialistas. 

TRADUZINDO A MENSAGEM

Qual é a tradução dessa resposta entre leitores medianamente questionadores? E para um leitor que é jornalista apaixonado por estatísticas em geral, eleitorais e esportivas em particular? Vou tentar esclarecer. 

O que os diretores do Datafolha disseram aos leitores do jornal Folha de S. Paulo tem o mesmo sentido de considerar normal que um suposto portador de enfermidade, monitorado por uma junta médica e que recebe doses regulares de medicamentos, permaneça internado por longas jornadas até, finalmente, cirurgia programada, recebe a informação de que não terá mais de passar por procedimento radical, porque os exames não eram tão ruins assim. Ou o inverso, de um suposto enfermo aparentemente pronto para receber alta e, de repente, é surpreendido com a emergência de uma intervenção operatória.  

É razoável do ponto de vista defensivo que os executivos do Datafolha procurem mitigar os estragos causados por resultados extravagantes que saltaram a muralha dos dois pontos percentuais para mais ou para menos da margem de erro. E que por isso fazem exercícios teóricos estruturalmente gelatinosos. Só não é razoável que se acredite neles messianicamente.  

NÃO VALE NADA MESMO?  

É impossível entender como resposta sustentável a declaração que desconsidera as intenções de voto e que, portanto, o que vale mesmo é a bola na rede das urnas apuradas. Chega a ser afrontoso admitir que as rodadas de intenção de votos não valem praticamente nada porque o que interessa mesmo é o voto consumado após passar pelo que os dois especialistas chamam de volubilidade do eleitorado. A resposta mais ajuizada é que a metodologia de cada instituto precisa ser equacionada aos novos tempos de relacionamentos virtuais.     

Os números finais envolvendo a disputa presidencial não foram calamitosos para o Datafolha e para o Ibope, mas fugiram da bitola do razoável. Na véspera da disputa, Bolsonaro superava Fernando Haddad por 40% a 25% no Datafolha e por 41% a 25% no Ibope. Coincidentemente, os dois institutos correm praticamente na mesma raia em várias pesquisas.

Nas urnas, Bolsonaro chegou a 46% e Haddad a 29%. Fora da margem de dois pontos para mais ou para menos.  A previsão, noticiada fartamente, de que Ciro Gomes estava em franca subida, não se confirmou. O pedetista contava com 15% dos votos do sábado no Datafolha e ficou com 13% após a votação. No Ibope, praticamente não se moveu, de 13%c para 14%. 

Os executivos do Datafolha que assinaram o artigo na Folha de S. Paulo procuraram, contraditoriamente, dar substância teórica às pesquisas de primeiro turno ao remetê-las ao campo da formação de voto. Só não disseram que por razões não exatamente à disposição da transparência que se exige, esse desenrolar cronológico também pode ser utilizado de forma pouco ética.

O jornal Valor Econômico de hoje, ao publicar os resultados da primeira rodada de pesquisas eleitorais para a presidência da República no segundo turno aponta, sem vetor crítico, apenas expositivo, uma das possibilidades entre muitos de as pesquisas eleitorais não cumprirem o papel esclarecedor que se espera quando há em disputa a Presidência da República. Vou reproduzir integralmente os trechos da matéria do Valor Econômico: 

M Simulações de segundo turno feitas pelo Datafolha antes de domingo, porém, mostravam uma disputa final mais equilibrada entre Bolsonaro e Haddad. Em cinco levantamentos apurou-se empate técnico entre eles. Na pesquisa de 26 a 28 de setembro, Haddad apareceu na frente, com 45% a 39%. No último levantamento antes do primeiro turno, nos dias 5 e 6 de outubro, o resultado foi de ligeira vantagem para o candidato do PSL: 45% a 43%.  

RESULTADOS EXTRAVAGANTES 

Como se explica, então, que Jair Bolsonaro tenha saído na dianteira, com vantagem de 16 pontos percentuais nos votos válidos (58% a 42%) na primeira rodada de intenções de voto no segundo turno? Quem especular que houve uma tentativa infrutífera de represar a votação no capitão reformado do Exército estaria cometendo crime? Só releva essa possibilidade quem desconhece ou minimiza a preferência quase generalizada dos meios de comunicação impressos e digitais pela candidatura do petista Fernando Haddad.  

Na disputa pelo governo do Estado de São Paulo os erros foram bem mais graves porque a previsão da véspera de que Paulo Skaf contava com vantagem de seis pontos percentuais contra Márcio França (26% a 20%), não se confirmou nas urnas: França venceu por 22% a 21%. Sete pontos de diferença entre uma situação e outra.

Também os números do petista Luiz Marinho foram subestimados: a pesquisa publicada sábado apontava 8% e o petista chegou a 13%. No Ibope, véspera da disputa, Paulo Skaf contava com 30% dos votos (apenas 2% abaixo de João Doria) e Márcio França 18%. Resultado final: 22% a 21% para Márcio França. Diferença de 13 pontos percentuais. 

Rio de Janeiro e Minas Gerais, entre outros Estados, também viraram cadafalsos dos dois institutos de pesquisa. No Rio, o afastamento judicial de Anthony Garotinho mudou o rumo da disputa na semana final. Mas o salto quântico do juiz Wilson Witzel não foi identificado. Véspera da disputa, no Datafolha, Witzel contava com 17% das intenções de votos. Tanto quanto Romário e bem abaixo dos 27% de Eduardo Paes. No dia seguinte, urnas abertas, Witzel ganhou com facilidade: 41%, contra 20% de Eduardo Paes e 9% de Romário. No Ibope, na véspera, Wilson Witzel contava com 12% dos votos, Romário 20% e Eduardo Paes 32%. Urnas abertas no dia seguinte, Witzel chegou a 41%, Eduardo Paes caiu para 20% e Romário não passou de 9%. 

Completando o grupo de corridas eleitorais que causaram transtornos aos dois institutos (além de outras praças menos importantes para o conjunto da obra nacional), em Minas Gerais o Datafolha apontou que Antonio Anastasia contava com 40% das intenções de voto na véspera da disputa, contra 29% do petista Fernando Pimentel e 24% de Romeu Zema, do Novo. Urnas abertas, Zema somou 43%, Anastasia 29% e Pimentel 23%. O Ibope seguiu linha parecida: 23% para Romeu Zema, 25% para Pimentel e 42% para Anastasia no dia anterior à disputa. Urnas abertas, a arremetida de Romeu Zema. 



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