Não se deve esperar quase nada nos próximos 20 anos do Santo André e do São Caetano, clubes que cruzaram o destino de sucesso retumbante há exatamente 20 anos, em 2004, quando o Campeonato Paulista foi conquistado pelo chamado Azulão e a Copa do Brasil pelo Ramalhão. Pouco antes o São Caetano chegou até a decisão da Libertadores da América.
Cada uma no respectivo quadrado, as duas agremiações mais importantes da história do futebol da região viraram pesos secundários dentro de campo. Água Santa de Diadema e principalmente o São Bernardo ditam a ordem hierárquica, mesmo sem terem roupagem diretivo-empresarial inspiradora.
Não se ouviu nesta temporada quase nada em São Caetano que lembrasse alguma coisa que conferisse o sucesso da conquista do Azulão na final do campeonato contra o Paulista de Jundiaí. O barulho de comemorações acanhadas da Copa do Brasil do Santo André pautou algumas mídias da região e uma homenagem não mais que residual da Prefeitura. Neste domingo o Santo André festeja oficialmente a vitória na épica final da competição contra o Flamengo no Maracanã. Festa é força de expressão. Nada há na programação especial.
PRÓXIMOS 20 ANOS?
Prever o que seriam o Santo André e o São Caetano dentro de novos 20 anos, em 2044, é tão complicado quanto o teria sido em situação análoga 20 anos antes de 2004. O São Caetano nem existia e o Santo André mantinha-se como clube médio-médio do futebol paulista e pequeno-pequeno do futebol brasileiro. Hoje o Santo André é um time médio-pequeno no Estado e inexpressivo nacionalmente. O São Caetano é inexpressivo nos dois casos.
Prever o que será das duas agremiações no ano que vem não é compromisso de quem carrega um estoque de bom-senso e cautela. A explicação é simples e cartesiana: quando o presente é nebuloso, até o dia seguinte é um grande ponto de interrogação.
O Santo André faz muito bem em curtir o título da Copa do Brasil contra o Flamengo e, mais que isso, explorá-lo como fonte de motivação e mesmo de negociação das ações que mais dia menos dia o farão mudar de propriedade, de clube associativo em processo de desmonte para clube empresarial.
O Santo André e todo o ecossistema que gira em torno do clube não pode perder o contato com a realidade histórica de que o Flamengo foi um ponto fora da curva da importância da equipe no futebol brasileiro.
FORA DO CIRCUITO
Enfrentar as grandes equipes nacionais, capitalizadas numa explosão de marketing sustentada pela densidade de torcedores é cada mês mais improvável.
O Santo André campeão da Copa do Brasil já estava distante da estrutura do Flamengo. Era um carro popular contra um bólido de Fórmula-1. Agora regrediu à condição de bicicleta diante de um avião supersônico que rivaliza com o Palmeiras a condição de maior clube do País nos últimos anos.
Mais e mais o Santo André, salvo um golpe de sorte semelhante ao do Bragantino, adquirido pela multinacional Red Bull, estará fadado a eventuais sucessos menos retumbantes do que no passado. E muito mais decepções. Como o rebaixamento desta temporada à Segunda Divisão Paulista, a Série-A2.
O fato que precisa ser destacado e que por isso mesmo deve servir ao planejamento da agremiação até que eventual sorte grande apareça é que não existe dentro da normalidade econômica e da hierarquia do futebol brasileiro nada que leve o Santo André a dar algum salto.
MAIS DIFÍCIL AGORA
O então presidente Jairo Livolis, maior da história do clube, dizia há muito tempo que a Série B do Campeonato Brasileiro seria o ponto máximo que deveria ser projetado. Livolis reconhecia que além disso não haveria como se sustentar. E mesmo assim, a Série B não seria tarefa fácil. Muitos anos depois, o Santo André associativo deixado por Jairo Livolis, não teria ínfima possibilidade de repetir a conquista da Copa do Brasil ou mesmo de alcançar a Série B do Brasileiro.
Ou seja: quando Jairo Livolis definiu com racionalidade qual era o limite do Santo André, a realidade do clube e do futebol brasileiro como um todo era outra, menos empresarial, menos competitiva dentro e fora de campo. Os grandes empreendedores mundiais do futebol e a rede de financiadores e investidores ditam as regras. A modalidade de SAF, Sociedade Anônima de Futebol, dá as cartas. Clubes de futebol são um empreendimento comercial travestido de camisas e chuteiras.
COM SAF OU SEM SAF
Há duas vertentes que dão a dimensão da importância da SAF. Ter o arranjo estrutural e legal de um clube-empresa não assegura sucesso nas competições. Entretanto, quem não contar com uma SAF, sempre correrá mais riscos de naufragar.
Somente alguns clubes grandes e de massa representativa de audiência presencial e midiática escapariam da degola do associativismo. E mesmo assim quem, por exemplo, relacionar o Corinthians corre sério risco de ficar decepcionado. Outros grandes já trocaram comandos voluntaristas por gestões pragmáticas.
O Santo André merecidamente saudado como campeão da Copa do Brasil precisa ser advertido para o fato de que 20 anos já se passaram e tudo se modificou. O passado serve para construir um cenário de valorização das ações em eventual desembarque de uma SAF, mas nada indica que a operação estaria sendo fácil. Há três anos o clube presidido por Celso Luiz de Almeida espera por interessados.
SEM AVANÇO NA SAF
Nesse período teria havido flertes, sondagens, especulações, mas nada se moveu além de conjecturas. A concessão do Estádio Bruno Daniel, passaporte obrigatório à SAF, sempre foi protelada pelo Paço Municipal. Diferentemente de tantos outros clubes brasileiros de estádios municipais colocados à disposição pelas prefeituras, o Estádio Bruno Daniel virou objeto de negociações que afugentaram interessados no clube. Há sobreposto um calendário de uso do estádio para atender clubes amadores, que rendem votos de cabresto.
Até prova consistente em contrário o Santo André não tem futuro competitivo e terá enormes dificuldades inclusive para voltar à Série A-1 do Campeonato Paulista, disputa que equivale à Quinta Divisão, ou Série F do futebol brasileiro.
As quatro primeiras séries nacionais são administradas pela CBF e as demais pelas federações estaduais. Para disputar a Série D do Brasileiro, por exemplo, é necessário passar por critérios seletivos da Federação Paulista de Futebol. O Santo André disputa a competição este ano e oficialmente não pode ser caracterizado como time de Sexta Divisão, depois do rebaixamento à Série A-2 do Campeonato Paulista. Salvou-se pela campanha na Série A-1 Paulista no ano passado,
Ou seja: contava com crédito classificatório. Um combustível que agora se esgotou. É subir para a Serie C do Brasileiro, reservado exclusivamente aos quatro primeiros colocados da Série D, ou mergulhar na Sexta Divisão Nacional. O mais provável é que não chegará entre os quatro primeiros, entre outros motivos porque a equipe conta com orçamento muito abaixo dos melhores competidores. Ainda não se encontrou uma fórmula de sucesso seguro no futebol sem que o ingrediente básico, dinheiro, muito dinheiro, se some aos demais.
TIME DE SEXTA DIVISÃO
Um time de Sexta Divisão vale menos do que potencialmente valeria em negociações para se tornar SAF. Não só porque o retorno dos investimentos será muito mais demorado, mesmo nos melhores cenários de acesso, como também encontrará concorrentes mais bem posicionados nas competições.
O Santo André poderia ter feito uma boa negociação em forma de SAF durante o período da Série A-1 do Campeonato Paulista. Havia muitas dúvidas no futebol brasileiro sobre a efetividade funcional da SAF e muitos clubes mantinham os pés atrás. Nos últimos tempos, sucessos aqui e ali consumados, e com a aderência de clubes do porte do Cruzeiro, do Botafogo e do Vasco, o Santo André e clubes semelhantes perderam o brilho.
O Santo André encontra uma série de barreiras para voltar tanto no tempo e na conquista da Copa do Brasil e se tornar vitorioso como agremiação esportiva culturalmente mais enraizada na população. Até mesmo essa condição de popularidade há muito entrou em parafuso. A fuselagem está gasta.
CAMISA DIVIDIDA
A concorrência dos grandes clubes paulistas, dominadores nas mídias tradicionais e na Internet, tornou-se muito mais desigual. O que se observava antes do advento de novas tecnologias e concentração de poderes políticos e esportivos entre os maiores clubes virou miragem. Cada vez mais o Santo André e os demais clubes da região ficam em terceiro plano ante os times da Capital.
Se no passado dos anos 1970 causava irritação o uso de camisa dividida pela torcida do Santo André, em que o azul frequentava espaço frontal semelhante ao dos grandes clubes, tudo entrou em desuso. A grande massa de torcedores de futebol, de gerações cada vez mais encantadas com os poderes milagrosos dos espetáculos de alto nível, desdenha das cores locais.
A perda de identidade é uma febre incontrolável principalmente entre os clubes médios e pequenos em todo o País, mas no caso da região o ataque é contundente. A proximidade física e cultural da Capital e os dispositivos midiáticos concentradores de atenção às grandes torcidas ganharam mais musculatura.
CONDOMÍNIO LOGÍSTICO
Por conta disso mesmo é muito mais provável que o Santo André que poderia encontrar-se com algum modelo de SAF deverá perder ainda mais o contato com a sociedade que se renova até mesmo por conta da substituição de gerações. O destino do Santo André não seria surpreendente como entreposto de futebol. Como já o é o São Bernardo, que manda os jogos no Estádio Primeiro de Maio mas treina e respira ares do Interior. Mais que isso: a diretoria empresarial mas sabe chegar a São Bernardo sem o uso de dispositivo de localização.
Talvez o Santo André do futuro seja mesmo e, repetidamente, o que o São Bernardo o é nestes tempos – um consolidado exemplo de pragmatismo empresarial. Talvez por analogia o quadro que espera o Ramalhão no futuro seja espécie de condomínio logístico cuja essência empresarial é facilitar o fluxo de transporte de produtos.
No caso, os produtos são os jogadores de futebol, ativos sobre os quais investidores bem assessoras lançam maiores preocupações. Poucos se lixam para a cultura que representam sobre chuteiras. Exatamente como o São Bernardo. O São Bernardo seria para o Santo André um destino muito melhor do que a atual situação. Dos males o menor.
QUEDA SEM SAUL
O São Caetano é um descalabro. Depois que o mecenas Saul Klein decidiu acabar com as doações, a derrocada foi praticamente incontrolável. Descobriu-se que o São Caetano era um poço de irregularidades e maracutais sem fundo e que Saul Klein não teria passado de generoso doador crédulo, até desiludir-se. Daí em diante a agremiação afundou de vez. Já passaram tantos supostos empresários pelo clube nos últimos tempos, inclusive ligados ao crime organizado, que qualquer tentativa de contar a história dos últimos cinco anos seria um desafio. O São Caetano se tornou um ninho de gatos e ratos a ponto de ser levado dramaticamente à Sétima Divisão Nacional, no caso a Série A-3 do Campeonato Paulista.
Entre a frieza competente do São Bernardo e o desvario administrativo do São Caetano, o Santo André contaria com outras duas alternativas.
A primeira é cair nas mãos de investidores fora do mundo de negócios do futebol. Seriam atravessadores sem escrúpulos e que correm à margem de primeira classe, como é o caso do Bragantino, do Vasco, do Cruzeiro e de vários outros clubes empresariais. Gente sem ligação com o crime organizado, mas também fora da órbita dos profissionais corporativos.
A segunda alternativa seria a manutenção do sistema atual, de clube associativo sem recursos financeiros para dar um salto consistente até mesmo para ganhar alguma escala na hierarquia nacional.
O Santo André é uma nau sem rumo e sem prumo nesta metade de ano de 2024. Deveria olhar para o passado de 20 anos de Copa do Brasil e saudar o ponto de partida de um futuro vitorioso que virou pó.
Já o São Caetano é a tipificação de uma tragédia. A desesperança quântica remete a alguns anos antes do título paulista, ao virar namoradinha do Brasil com dois títulos de vice-campeão brasileiro e de vice-campeão da Libertadores da América.
Tempos em que o prefeito Luiz Tortorello formava uma dupla de encaixe perfeito com Saul Klein. O prefeito auxiliava o clube e aparecia nas manchetes. O empresário da Casas Bahia trabalhava discretamente no gerenciamento do elenco.
Luiz Tortorello e Saul Klein construíram um São Caetano que enfileirou vitórias contra os grandes clubes do futebol brasileiro. Mais recentemente, entretanto, o São Caetano virou espécie de Ibis do futebol paulista, perfilando derrotas e derrotas a cada rodada, reflexo da troca de guarda constante e enigmática, além de cada vez mais comprometedora.