O mais irritante na Administração de Paulinho Serra não são os erros da Administração de Paulinho Serra, porque errar faz parte do jogo quando se tem tamanha responsabilidade de conduzir um Município que despencou no ranking estadual do PIB per capita como Santo André.
O que mais me irrita na Administração de Paulinho Serra é que ele conta com assessoria de imprensa em forma de jornalismo diário que transforma erros em acertos, quando não derrotas em falso ambiente de conquistas.
Assim é demais. Não tem tatu que suporte. Os casos na área de Saúde e de Finanças, estampados hoje nos jornais diários, são emblemáticos da política de embromação. Conta-se para tanto com uma sociedade descuidada.
Se o noticiário de hoje dá conta dessa realidade de forma alucinantemente agressiva à inteligência dos menos exigentes, imagine então daqueles que por razões exclusivas ou amplas ficam de olhos abertos e mentes afiadas para escrutinar as decisões desse prefeito prestes a completar sete anos de dois mandados medíocres.
CALCANHARES DOLORIDOS
As áreas de Saúde e Finanças são dois dos muitos calcanhares doloridos da gestão Paulinho Serra, embora a propaganda jornalística tente mostrar o contrário.
E essa conclusão não é abstrata e tampouco arbitrária. São dados consolidados no Ranking de Competitividade dos Municípios Brasileiros, um clube de 480 municípios com mais de 80 mil habitantes. Santo André cai pelas tabelas nas duas áreas e na classificação geral está muito aquém de São Caetano e São Bernardo, entre as 20 primeiras.
O noticiário do jornalismo diário de hoje dá conta de performance típica de campeões do mundo de futebol ao desembarcarem em praça pública diante de milhares de torcedores.
Tudo para comemorar a inauguração da chamada nova estrutura da Secretaria da Saúde. É inacreditável que o ambiente de Copa do Mundo conquistada seja mais que metáfora. É uma comparação justíssima. Estão lá o prefeito, a mulher do prefeito, o secretário de saúde do prefeito, o vice-prefeito, o prefeito de braço erguido, todos sorridentes. Fantástico.
FALTAVA O SECRETÁRIO
E qual é a novidade? Ora, a Prefeitura de Santo André acaba de colocar toda a Secretaria de Saúde num único endereço, uma torre comercial de 10 andares, na Rua Catequese. O que disse o secretário de Saúde Gilvan Júnior, terceiro a ocupar a área na gestão de Paulinho Serra? Leiam o que saiu publicado no Diário do Grande ABC:
“Desde 2002, todos os departamentos da Secretaria de Saúde ficam no prédio da (rua) Primeiro de Maio, mas o gabinete do secretário ficava no prédio do Executivo. Toda vez que precisávamos fazer reuniões, tínhamos que nos deslocar para um dos dois lugares. Agora, pela primeira vez na história da nossa cidade, temos uma secretaria unificada”, comentou o secretário.
Se entendi bem, a secretaria de Saúde já estava unificada, com exceção de espaço para o secretário. Agora, com secretario no mesmo ambiente, a unificação é total. Ou seja: uma mudança que está distante de radical. Seria quase que imperceptível.
Se a mudança for considerada essencial à funcionalidade administrativa, teremos então um caso em que a decisão do prefeito Paulinho Serra (ou mais precisamente a correção aplicada pelo secretário Gilvan Júnior) lembraria aquele técnico que escala o time com uma série de bobagens e, no intervalo do jogo, derrota parcialmente consumada, toma a decisão mais lógica ao escalar os jogadores mais apropriados à disputa.
SETE ANOS DE ESPERA
Paulinho Serra demorou sete anos, quase dois mandatos inteiros, para supostamente acertar a escalação do time da saúde em forma locacional com consequente gerenciamento interativo.
Se o leitor acha que a história terminou, é porque não sabe do resto. O imóvel que agregará 280 funcionários da secretaria de Saúde vai custar R$ 130 mil por mês aos cofres públicos. O espaço ocupado anteriormente, também de propriedade privada, custava mensalmente R$ 80 mil.
O mais intrigante é que o prefeito Paulinho Serra declarou ao Diário do Grande ABC que a troca de um prédio que custava R$ 50 mil a menos por um novo endereço vai gerar uma economia de quase R$ 10 milhões à Prefeitura. “Os aluguéis praticamente se coincidem, mas gastaríamos aproximadamente R$ 6 milhões para reformar os equipamentos onde estávamos. Aqui, todo o investimento foi feito pela iniciativa privada, por isso optamos pela mudança. É como se fosse uma outorga, porque o proprietário gastou mais de R$ 3 milhões para reformar e mobiliar este prédio. Essa é a economia que estamos proporcionando à cidade”, informou.
QUE ECONOMIA?
Devo ser um capadócio juramentado porque não consegui entender a conta do prefeito. Para começo de conversa, R$ 50 mil de diferença mensal de aluguel não significa o resultado de valores praticamente iguais, como ele sugere. Quem pagava R$ 80 mil mensais e passará a pagar R$ 130 mil, vai pagar quase 40% a mais.
Segundo (e nesse ponto é difícil compreender eventual abrangência do negócio fechado com o proprietário do imóvel), a mencionada economia de R$ 10 milhões pela troca de endereço, por conta de reformas em geral, e os R$ 3 milhões despendidos pelo proprietário, formam uma combinação incompreensível. Quem gasta R$ 3 milhões na adaptação do prédio à demanda do locador, no caso a Prefeitura, vai precisar de 23 meses de aluguel para recuperar o investimento.
A negociação evoca tantas dúvidas que é melhor nem avançar o sinal em forma de especulação. Quanta generosidade do proprietário se esgota apenas na própria generosidade do proprietário? Não há menção ao tempo contratual do aluguel.
FALTA TRANSPARÊNCIA
A substituição de um prédio alugado por outro prédio alugado, portanto, é um negócio que não cola como decisão gerencial pública satisfatória até argumentos em contrário, principalmente no campo da transparência.
Quanto à eficiência da centralização com a suposta pedra de toque de o secretário passar a viver no mesmo ambiente corporativo, não há dúvida de que temos um caso de inteira correção. Só se lamenta que tenha demorado sete anos para se consumar.
A pandemia, que teria atrapalhado, é uma desculpa velha de guerra, porque só ocorreu no quarto ano do primeiro mandato e praticamente se encerrou no ano passado.
FALTAM INFORMAÇÕES
Confesso que sinto insegurança em aprofundar a análise. Faltam elementos informativos. Entretanto, o que se tem é suficiente. Além de excessos propagandísticos, há configurações que poderiam ser muito mais adequadamente expostas.
Um exemplo: que o proprietário da torre comercial seja revelado e, mais que isso, qual é a mágica de gastar R$ 3 milhões para receber em forma de aluguel R$ 130 mil a cada 30 dias. Está certo que Santo André registra elevadíssima vacância de salas comerciais por conta do empobrecimento continuado somado aos custos tributários cada vez desgarrados de perspectivas de recuperação econômica.
Talvez, nesse caso, a vacância na torre alugada fosse tão prolongada que valeria a pena ajustar os ponteiros com a Prefeitura, mesmo com essa contabilidade econômico-financeira maluca.
Também poderia ter havido alguma transversalidade no aluguel do imóvel. Se você não sabe o que é transversalidade, não serei eu que vou traduzir da forma que poderia traduzir, exceto dar a dica de que possíveis negócios cruzados aparecem na tela da desconfiança quando falta transparência.
POBREZA DE ARGUMENTOS
E se há algo na Administração de Paulinho Serra que ocupa todas as tecnologias sensoriais conhecidas é exatamente essa coisa desprezível na gestão pública nacional chamada transparência.
Para completar sobre esse assunto, há uma pobreza argumentativa do prefeito Paulinho Serra quanto às despesas e operacionalidade da nova estrutura. Qualquer executivo privado competente teria uma planilha de vantagens a justificar a mudança. Muito além da já confusa contabilidade financeira.
Quer um exemplo: qual foi o estudo de ordem logística-corporativa a assegurar que a produtividade dos servidores públicos não sofreria abalo com a mudança de endereço de trabalho? Como era e como é o entorno de cada imóvel em termos de facilidade ao uso de veículo próprio, alimentação e outros demandas pessoais enraizadas? Quantos metros quadrados se dispunham no imóvel anterior em relação ao novo? Prefiro parar por aqui para dizer que há relatividades físico-ocupacionais muito além de uma métrica financeira.
CRISE NAS FINANÇAS
A outra notícia relativa à Administração de Paulinho Serra dá conta do acúmulo de funções do atual titular da Secretaria de Inovação e Administração, Pedro Seno. Ele passa a ocupar também a pasta de Finanças.
Pedro Seno chega à Secretaria de Finanças -- como escreveu o Diário do Grande ABC -- 10 dias após a Prefeitura ter publicado um decreto de contingenciamento de gastos até o fim do ano. O decreto determina redução de despesas de contratos da ordem de 25%, além de outras medidas.
Uma parte das declarações do secretário Pedro Seno dá o tom do espírito protetivo e propagandístico da Administração de Santo André que, todos sabem, tem horror à realidade dos fatos. Veja o que ele disse: “Esse decreto de contingenciamento não significa crise nas contas públicas. O prefeito Paulo Serra se notabilizou por, desde o começo da gestão, dar controle nas finanças. Estamos no fim do penúltimo ano de governo perto de entrar no último ano, e esse olhar permanecerá em foco”, disse o novo secretário.
VERMELHO COMPROMETEDOR?
Há informações complementares que procuram retirar dos ombros do prefeito Paulinho Serra (e de tantos outros prefeitos que caíram na armadilha de gastar além da conta, imaginando que os repasses federais do governo Jair Bolsonaro seriam eternos) a responsabilidade pelo descasamento entre receitas e despesas. E é nesse ponto que se instala a contradição condenatória, quando não auto-incriminatória dos descuidos praticados.
Como assim? Se o vermelho nas contas da Prefeitura fosse obra exclusiva da macroeconomia travessa em desacordo com a propalada sensatez da gestão pública municipal, a queda do secretário titular das Finanças (ou teria o então secretário pedido a conta?) não teria sintonia com a suposta eficiência da Administração. Ou seja: a troca de secretário é uma sentença condenatória à gestão financeira de Paulinho Serra.
Não se manda um técnico embora quando se colecionam bons resultados --- e os resultados financeiros da Prefeitura de Santo André vão de mal a pior. Por mais que o prefeito Paulinho Serra tente esconder. Como está implícito no contingenciamento de despesas.
Sem ser redundante, mas sendo: se não houvesse um responsável local pelo desequilíbrio financeiro exposto, não haveria razões para a troca. Será que o ex-secretário decidiu cair fora ante a possibilidade de uma bomba fiscal mais adiante?