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Política

DANIEL LIMA - 04/08/2023

Numa recente entrevista combinada,  publicada no Diário do Grande ABC, em suplemento de aniversário de São Caetano, o prefeito José Auricchio deixou escapar o que chamaria de desfralde sobre as eleições do ano que vem. Mas não foi apenas isso.  

Outros três pontos detectei nas respostas do tetraprefeito da cidade de melhor qualidade de vida da região – mas nem por isso livre de empobrecimento, ou de perda de vitalidade econômica neste século. 

Vou fazer suspense sobre o fio exposto a especulações políticas, ou seja, o trecho da entrevista em que Auricchio toca aparentemente sem querer querendo na questão eleitoral do ano que vem. Deixarei para o final.  

A entrevista de Auricchio revela muito mais sobre o que não disse com clareza ou o que deixou nas entrelinhas ou o que teria se expressado sem precisão do que propriamente o que disse com suposta firmeza. Há quatro questões conectadas às seguintes equações. 

 

1. DESCASO. 

2. DESCONHECIMENTO. 

3. DESAFIO. 

4. DESFRALDE. 

 

Esta análise só não foi produzida no dia seguinte à entrevista de José Auricchio porque fui atropelado por pautas emergenciais. Mas não poderia deixar de lado porque de alguma forma os pontos alinhavados se entrecruzam e têm tudo a ver com as disputas do ano que vem. 

DESCASO 

O prefeito Auricchio pareceu não dar a menor bola para o vereador e ex-prefeito interino, Tite Campanella. Durante um ano inteiro, enquanto Auricchio se debatia nos tribunais eleitorais para garantir posse, ante acusações de irregulares na campanha de 2016 que contaminaram a disputa de 2020, Tite Campanella virou prefeito de São Caetano. 

A seguinte frase proferida por José Auricchio na entrevista ao Diário parece dizer tudo para caracterizar sim o que chamo de descaso: “(...) ainda que a gente tenha passado aí por um período difícil de ter ficado praticamente um ano fora da cadeira. Acho que hoje, neste momento, a gente pode falar que conseguiu parear todo o planejamento que nós tínhamos de quatro anos e que nós tivemos que acabar realizando em três. Agora, ao completarmos esse segundo ano e meio de governo, acho que a gente já pode falar que a gente já tirou a diferença que nós perdemos naquele ano de ausência aqui no Palácio do Cerâmica” – disse o prefeito. 

Repararam bem? A declaração do prefeito é explícita ou devemos recorrer ao VAR, no caso, retomar a leitura? Se Tite Campanella foi deixado de lado, sem qualquer menção aos 12 meses em que esteve à frente da Prefeitura, é evidente que não está nos planos do prefeito como peso importante nas eleições. Para quem estaria cotado até outro dia como o número um à sucessão, o resultado é péssimo.   

DESCONHECIMENTO 

Nesse quesito específico, não há ligação direta com as eleições do ano que vem, mas revela a dificuldade de o prefeito entender o mecanismo orçamentário. É claro que José Auricchio, experiente como é, deve ter apenas tropeçado. As declarações não combinam com o conhecimento geral de um administração pública. 

Afinal, o que disse José Auricchio que o coloca no Departamento de Desconhecimento? Leiam o que ele respondeu sobre densidade demográfica: 

 Esse fator de alta densidade demográfica é antigo em São Caetano, outros Censos já revelaram isso. (...). Eu particularmente entendo que o adensamento com qualidade é válido. Por quê? Porque hoje, se você pegar, agora estou falando no sistema tributário vigente brasileiro, tanto no atual quanto no vindouro que está sendo produto da reforma, da reforma tributária, o coeficiente populacional tem um peso significativo do ponto de vista de transferência de receitas. São Caetano ainda não se atentou a isso – disse Auricchio. 

O prefeito está enganado. O peso do vetor populacional na definição de valores de repasse do ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), ao qual a receita externa está condicionada,  está muito abaixo (apenas 16%) do critério de Valor Adicionado (que é produção de riqueza), de 76%. Densidade demográfica, demografia e correlatos não fazem parte de interesses de receitas de São Caetano na proporção sugerida pelo prefeito. Se houvesse uma inversão de valores, e o peso populacional fosse o que é o peso do Valor Adicionado, e vice-versa, a situação de São Caetano seria pior. Basta conferir no ranking de Valor Adicionado e População no Estado.    

DESAFIO  

Como a Secretaria de Saúde, Regina Maura, é candidata em potencial à sucessão de José Auricchio (trato disso no último tópico) há evidente desafio a ser superado. Tanto que o prefeito dá prioridade à saúde nos contatos com a população. Veja o que ele disse ao Diário: 

 (...) Continua a ser o nosso carro-chefe. Por mais que a gente invista em educação, invista em outras áreas, a gente faz pesquisa, a população identifica que o nosso carro-chefe é saúde. Então, não se briga com pesquisa, muito menos com a população. Os esforços foram maciços, teve muita coisa entregue, mas muito para entregar ainda. A entrega do atendimento do QualiSaúde foi um sucesso. Os números falam por si, não tem um dia que passa sem ouvir uma opinião positiva sobre o equipamento. A saúde animal ganhou destaque(...). Na semana que vem provavelmente iniciaremos as obras do Pronto Cardio São Caetano, vamos iniciar também ainda em agosto a expansão do hospital Municipal, a construção da UBS do Centro, a UBS do Jova Gerty, ou seja, tem muito ganho pela frente – disse Auricchio.  

Afinal, que desafio é esse? O desempenho de São Caetano durante a pandemia da Covid-19 foi lastimável, com um dos maiores índices de óbitos por 100 mil habitantes entre os municípios brasileiros. Mais de 50% acima da média nacional.   

São Caetano se tornou um terreno fértil ao Coronavírus porque reúne três fatores nocivos: alta densidade populacional, elevadíssimo índice de população acima de 60 anos (rivalizando-se com os europeus) e o espaço territorial no interior da Região Metropolitana de São Caetano.  

São Caetano teve muitas dificuldades em criar reações coordenadas que surpreendessem o convencionalismo aplicado por administradores públicos na maioria das cidades brasileiras. Reagiu dentro de um padrão insuficiente diante das especificidades locais lesivas a saúde.   

DESFRALDE  

O prefeito José Auricchio pode ter produzido uma operação-despiste ou pode ter cometido um suposto descuido ao abrir a guarda para dizer com sutileza que já tem candidato à sucessão em São Caetano? Fico com o desfralde embutido na segunda alternativa com base nesse trecho da entrevista: 

 A gente tem uma perspectiva de concluir todo esse programa (Avança São Caetano) que nós lançamos (até dezembro de 2024), obviamente com exceção das obras que já tinham planejamento maior do que 24 meses, que foram as que nós lançamos no começo deste ano, que obviamente, vão atravessar para o mandato do próximo prefeito ou prefeita de São Caetano. --- afirmou Auricchio. 

Ora, bolas: se anteriormente, na mesma entrevista, Auricchio não faz menção alguma a Tite Campanella e na sequência fala que o novo titular do Paço Municipal será prefeito ou prefeita, está claro que se refere à secretária de Saúde Regina Maura e ao reitor da Universidade Municipal de São Caetano, USCS, Leandro Prearo.  

Os dois, aliás, não desgrudam de José Auricchio em eventos públicos. Ao se referir ao gênero masculino como possível prefeito, José Auricchio não estaria enchendo a bola do oposicionista Fabio Palacio, que, nas duas últimas disputas, ganhou fatias do eleitorado e segue do outro lado do comando municipal. 

A dúvida entre Leandro Prearo e Regina Maura é natural. Há ainda indícios de que a a população de São Caetano olha com desconfiança a atuação de mulheres na política. Se houver risco, Prearo, que tem relação intima com o público jovem universitário, seria sacado do potencial de vice para virar candidato a prefeito.  



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