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Sociedade

DANIEL LIMA - 24/04/2023

Essa história de dizer que se conselho fosse bom ninguém daria porque venderia, é papo furado. Gosto tanto dos leitores que ouso repassar uma sugestão, que também é proposta, quando não provocação: saiam da preguiça física, que também pode ser chamada de vagabundagem física, e movimente o corpo.  

Vou ser mais claro e objetivo e nada arrogante, como pode parecer à primeira vista: mirem-se em mim, se não tiverem em quem mirar.  

Corram atrás do maratonista Drauzio Varella, de outras celebridades, mas saiam do marasmo.  

Não tenho a pretensão de ser professor de ninguém em matéria de condicionamento físico básico para levar uma vida com mais qualidade e produtividade, mas acho que reúno autoridade para ser ouvido pelo menos como bom conselheiro. Minha biografia físico-corporal acidentada e involuntária dá conta disso. Se não servir de base, quem serviria?  

Tenho tempo de vida, circunstâncias de vida, atribulações de vida, percalços de vida e tudo mais que servem de munição contra todos que usam e abusam de desculpas para não se exercitarem.  

E para não perder tempo com divagações, vou direto ao ponto: adote os cinco estágios do que chamaria de ciclo de renascimento físico e você não vai se arrepender.  

O que vou repassar de experimento próprio qualquer um pode repetir e aperfeiçoar. Não é um tratado hercúleo, desafiador. É apenas um ciclo pró-vida bem vivida. Que se divide em cinco etapas cronológicas para quem está mal das pernas, mas que tem saúde potencial para dar muitos passos em ritmos variados.   

 

 ANDAR. 

 CAMINHAR. 

 PEDALAR. 

 ESTEIRAR. 

 CORRER.   

 

Antes de destrinchar cada uma dessas etapas básicas de bom condicionamento físico, com benefícios colaterais dignos de comemoração, vou chamar a atenção de quem frequenta sintonia de ceticismo sobre a própria capacidade de engatar uma primeira marcha indutiva a novas evoluções: ao fim deste texto, especialmente para aqueles que não sabem alguns detalhes importantes, qualquer desculpa esfarrapada para não ir adiante na modulação físico-psicológica-reflexiva, não se sustentará.  

 ANDAR  

Não interesse como você esteja fisicamente. Se dores o consomem, se  articulações já não respondem a qualquer chamamento de mobilidade, esteja como estiver, ande. Se houver um espaço em casa ou no trabalho mesmo que não seja para mais de 20 passos de cá para lá e de lá para cá, podendo até ser menos, desde que multiplicado por tantas idas e vindas de pelo menos dois mil passos diários, aproveite e pau na máquina.  

Você precisa ensinar seu corpo a entender que a cada passo que dê em qualquer direção, concentrado que seja na ambição de superar os cinco ciclos de desenferrujamento, será sempre um passo de comprometimento.  

Ande mesmo. Não tenha pressa. Seja tolerante. Andar com o sentido de incorporar novos valores ao corpo é algo que precisa ser mentalizado, porque tem uma base de ambição físico-pessoal. Andar sem o objetivo de ocupar novos espaços de forma diferente, andar por andar, sempre é positivo, mas não carrega o combustível do amanhã. 

 CAMINHAR  

Caminhar não é a mesma coisa que andar. Caminhar é o andar um pouco apressado, ritmado, persuasivo às ambições já programadas. Caminhar exige mais espaço. A rua é a melhor alternativa para quem não pode ir a um parque público, a um clube privado.  

Caminhar para quem se preparou inicialmente com o andar restrito a determinado espaço físico é o sonho de liberdade do corpo.  

Se o andar na intimidade da residência carrega a alma de confiança de que etapas serão superadas, o caminhar dá certo grau evolucionista. Você vai começar a se achar mais bem dotado fisicamente do que a maioria que anda nas ruas sem nenhuma pretensão na escala de desafios desenhada.  

Tanto como no andar, o caminhar a outro estágio de quem quer abandonar a vagabundagem física requer meta. Um roteiro do território a ser percorrido, centralizado exclusivamente no ato de caminhar como estrutura de mobilidade persuasiva do corpo, é a garantia de que a meta será alcançada. E qual é essa meta? A meta de deixar no passado o segundo degrau do plano de corpo são, mente sã.  

 PEDALAR  

Uma bicicleta ergométrica é ponto-chave do terceiro estágio de adequação físico-corporal às demandas de uma sociedade enlouquecida exige de cada um na contabilidade entre corpo e mente. Bicicleta convencional não serve como terceiro estágio. Seria apressamento desnecessário.  

Pedale a ergométrica de forma gradualmente mais forte. Aumente o grau de dificuldade e o aquecimento corpóreo vai molhar muita camiseta na medida em que sentir que há resposta à dinâmica de velocidade e intensidade.  

A vantagem de pedalar para quem vem de ociosidade física, também chamada de sedentarismo, é que não há contato com o chão duro. As articulações são preservadas. Os joelhos ganham reforço. O impacto de cada passada no solo pode esperar. Os estágios seguintes assim definirão.  

Você vai perceber que está na hora de abandonar a bicicleta ergométrica, ou de tornar o uso menos cotidiano, reservando-o a relaxamento da musculatura, não à preservação de musculatura, quando sentir que está na hora de botar os pés no chão. 

 ESTEIRAR  

Esteirar é um neologismo que encontrei para a prática de esteira doméstica ou de academia. É o quarto estágio de um ciclo regenerador. Com esteira você não tem contato direto com o piso de terra batida ou de asfalto, mas é quase isso. O impacto é semelhante.  

Para quem saiu do estágio de andar e passou pelo caminhar até superar o pedalar, o esteirar requer cuidados. Devagar com os passos porque as articulações podem gritar. O melhor mesmo para quem chega ao novo patamar de exigência física é evitar o retrocesso em forma de esteirar como se estivesse andando ou caminhando. Esteirar tem de ter o significado de correr. Não vacile. Começar a esteirar em forma de corrida dá confiança.  

Aos poucos, calibrando a velocidade, adaptando-se ao ritmo decorrente disso, seu corpo vai decifrar os segredos de esteirar. Não é preciso uma máquina profissional, de última geração, para fazer do esteirar um avançar permanente. Até porque, para quem está numa fase de adaptação a novos tempos, tempos de exorcizar a preguiça física, os modelos mais sofisticados seriam caríssimos e pouco utilizados.  

O dimensionamento do aparelho é importante porque, além de custos desnecessários, imporia exigências de aplicação física incompatíveis.  

Tanto quanto nas fases anteriores, e na próxima, não se deve descuidar do planejamento em forma de tempo de exercício. O limite está pautado pela próxima etapa. Tira-se o máximo de cada período até que se sinta que o corpo quer mais, exige mais. É preciso estimular essa fome de superação cíclica.  

 CORRER  

Finalmente chegamos ao topo de pirâmide de destruição da ponte da preguiça física. Correr é um santo remédio desde que todos os efeitos colaterais prévios e previsíveis tenham sido superados. 

Sair correndo sem superar as etapas previstas é arriscar demais a possibilidade de traumas físicos e motivacionais. A experiência de saltar etapas convencionais e pedagógicas geralmente dá com os burros nágua.  

Quem se prepara melhor para chegar ao quinto estágio de fortalecimento físico-mental sem incorrer em riscos de abandonar a empreitada não vai se arrepender jamais. Achar que se pode correr do dia para a noite pode até dar certo, mas a possibilidade de provocar pane emocional é enorme.  

Fica a critério de cada um o limite de correr, porque correr não tem limites para quem quer superar os próprios recordes. 

A sugestão a todos que não querem confundir o ato de correr com o sonho de competir é que se defina um plano de quilometragem diária. E que tenha o mesmo circuito como modelo de ação. Quem corre todos os dias no mesmo circuito tem a oportunidade de comparar o tempo despendido.  

É sempre bom comparar o tempo consumido diariamente quando se faz o mesmo circuito de corrida não-competitiva porque podemos ter também diariamente uma avaliação mais precisa do que nos afeta e nos incrementa.  

Vai-se verificar que uma hora a mais de sono, uma festa noturna regada a bebida, um contratempo no trabalho, uma melancia degustada algumas horas antes, essas coisas influenciam o resultado final do dia.  

Não existem supostas facilidades no preenchimento cauteloso, harmonioso e pouco-ambicioso do circuito de cinco etapas à doutrinação do corpo para exorcizar o sedentarismo.   

Por mais modestas que sejam as pretensões de dar ao corpo uma dinâmica que espalhe vantagens de qualidade de vida, o conselho suplementar que repasso não pode ser desanimador, porque de fato é precioso. Mas precisa ser antecipado, reiterado e cuidadosamente observado para que não gere reclamações. 

REDUZIDO A PÓ   

É muito doloroso, incômodo, cansativo e tudo o mais preencher todos os requisitos obrigatórios para se alcançar a meta de um bem-estar impagável.  

Em contrapartida, e paradoxalmente, nada é mais reconfortante em contraponto à aterrorizante ideia de botar o corpo para se mexer do que a êxtase de chegar lá, ou seja, de cumprir a escala diária a que nos submetemos.  

Passei minha vida inteira preocupado em me manter fisicamente em ordem, em consonância com o desgaste emocional e psíquico que o jornalismo impõe.  

De repente, me vi reduzido a pó físico após 10 dias de hospital, de perda da massa muscular. De sequelas psíquicas e físicas. Me vi jogado às traças. Comecei o período de recuperação,  que já ultrapassa dois anos,  ao andar 20 passos para cá, 20 passos para lá, na ampla sala de minha residência. Tudo isso 40 dias depois do tiro no rosto num pet shop. E alguns dias depois de, finalmente, deixar de lado a cadeirinha que utilizava para tomar o banho de cada dia. Ficar de pé era impossível.   

Talvez num caso ou no outro a realidade seja mais grave que a apontada, mas de maneira geral tenho certeza de que você goza de vantagem comparativa enorme sobre mim para dar os primeiros passos do andar que precede o caminhar que incentiva o pedalar, que sustenta o esteirar e, finalmente, leva à glória de correr.  

É muito pouco provável que, exceto em situação imponderável, você morra em plena forma física.



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