A pergunta sobre o futuro durante e depois de dois anos complementares de mandato caso o governador Rodrigo Garcia não vença as eleições deste ano, encerrando-se ciclo de quase 30 anos do tucanato no Estado mais próspero do país, não é uma pergunta que se deva fazer? Claro que se deve fazer. Por isso, a faço.
Mais que fazer, significa que é preciso, também, especular no bom sentido do termo, o que de fato se daria a partir principalmente de janeiro do ano que vem.
Dentro dos limites flexíveis que a política permite (diferentemente, portanto, da Economia, com a qual não se deve brincar jamais como muito fizeram e ainda fazem na região) vou direto ao ponto: não acredito na reeleição de Rodrigo Garcia. Isso não é torcida organizada, nem torcida de numerada. É percepção.
As razões básicas, claro, são os dois candidatos a confrontá-lo. O petista Fernando Haddad já está no segundo turno e o amarelado Tarcísio de Freitas caminha para tal.
RODRIGO DANÇA?
Sobre o que seria essa disputa derradeira, fica para depois. Com um spoiler: o PT nunca se tornou tão forte ao governo do Estado, mas como em outras tantas situações parece inviável.
Rodrigo Garcia está dançando, se querem saber. Está dançando não significa, claro, que já dançou.
As pesquisas estão aí, principalmente sem tantos vieses de desconfiança metodológica como no caso para a Presidência da República de interesses claros como também difusos.
A curva eleitoral, que é o que deve ser interpretada como injunções do mercado de votos, é desfavorável a Rodrigo Garcia. Ele não cresce como deveria enquanto os adversários avançam, no caso de Freitas, e se seguram na liderança, caso de Haddad.
TERCEIRA VIA
Rodrigo Garcia é uma terceira via paulista. É uma terceira via mais avantajada que qualquer nome que a Velha Imprensa tentou acalentar em nível federal para tentar desbancar Jair Bolsonaro e Lula da Silva.
O problema de Rodrigo Garcia é que é uma terceira via em acelerado processo de decomposição. O PSDB mais que mandante, sempre foi a primeira e mais apetrechada via eleitoral no Estado. Agora come poeira.
Vemos uma evidente fadiga de material com a ruptura de longeva e falsa disputa estadual, na qual o PT sempre apareceu como figurante mais encorpado.
Mesmo quando Lula da Silva estourou a boca do balão, o PT não passava de um ensaísta ao governo do Estado. Petistas e tucanos eram cordiais adversários.
O marco de aproximação foi o assassinato de Celso Daniel. Já contamos essa história. Está aí Geraldo Alckmin que não me deixe mentir.
AMARELADOS E VERMELHOS
Os tucanos deixaram o gramado eleitoral mais acalentador e parecem raciocinar em termos de reserva supostamente de luxo que entraria em campo, num segundo turno, para mudar o placar. Vai vestir o amarelo tarcisista ou o vermelho lulista?
O que será dos prefeitos Paulinho Serra, Orlando Morando e José Auricchio Júnior sem um tucano dando as cartas no Palácio dos Bandeirantes?
A resposta mais viável é que corram no segundo turno para as cores de Tarcísio de Freitas. Mesmo que dissimuladamente.
Afinal, é preciso construir pontes para o futuro individual e grupal. Quem é político enxerga além do fim do mandato. É natural.
CAMINHO PROVÁVEL
Mais que isso: deverão todos, num eventual e mais que provável segundo turno federal, engrossar mesmo que disfarçadamente as fileiras de Jair Bolsonaro.
É verdade que essa premissa pode flexibilizar dissimulações, pensando-se exatamente no dia seguinte. Mas é pouco provável que o PT encontre alianças públicas disponíveis à direita.
A incompatibilidade de gênero partidário entre os atuais prefeitos e as representações petistas locais é histórica.
CONCILIAÇÃO DIFÍCIL
O Grande ABC há muito se dividiu entre “nós- contra-eles” emitido nas fábricas e que se espalhou País adentro.
O que mudou ao longo do tempo foi o conceito corporativo de “nós-contra-eles”, que ultrapassou os muros das fábricas e se deslocou a outros áreas.
É praticamente nula a possibilidade de dar liga entre o prefeito Orlando Morando e Luiz Marinho, ex-ministro e duas vezes prefeito de São Bernardo.
Em São Caetano, o PT praticamente não existe. Só chegou ao poder municipal como cavalo de Troia de Paulo Pinheiro, em 2012.
Explicando: o PT entrou na gestão municipal pela porta dos fundos de um conservadorismo oficial. Diretamente, jamais chegou sequer perto de uma vitória, sempre em turno único.
TIRO NO PÉ
E em Santo André, por mais que o prefeito Paulinho Serra forme composição multipartidária tendo lideranças do PT como parceiros e interlocutores assíduos, o escancaramento dessa junção seria uma catástrofe ao massificar um encontro de águas submersas.
Mesmo que seja um meio-termo entre o plácido PT de São Caetano e o combativo PT de São Bernardo, o PT de Santo André será sempre PT para o eleitorado. Não faltam conservadores que, como prova de posições inconciliáveis, não só negam a grandeza de Celso Daniel como o colocam num balaio de gatos de antecessores e sucessores fracassados.
Abrir as portas ao PT em Santo André significaria um tiro no pé do futuro de Paulinho Serra.
O prefeito ainda tucano contrariaria o potencial de votos municipais a amarelados, possíveis mandantes no Palácio dos Bandeirantes e no Palácio do Planalto.
PARCEIROS CERTOS
Por outro lado, a garantia de sucesso compartilhado com petistas nas mesmas esferas não daria sustentação a Paulinho Serra numa etapa posterior, já que os resultados poderiam ressuscitar o petismo na cidade.
Para valer mesmo, somente em Diadema e em Mauá, de prefeitos petistas, Fernando Haddad encontraria parceiros na disputa do segundo turno contra quem quer que seja, embora o que deva ser, pelo andar da carruagem, é o ex-ministro de Jair Bolsonaro.
Ribeirão Pires do prefeito Clovis Volpi e Rio Grande da Serra de um prefeito substituto, porque o titular foi cassado, também se alinham ao tucanato paulista.
NOVOS ATORES?
Existe no Grande ABC a possibilidade de, com eventual e nada refutável vitória de Tarcísio de Freitas, surgir no horizonte eleitoral novos atores, hoje secundários.
Resiste a dúvida quando ao futuro dessa possiblidade. Ou seja: teremos também no Grande ABC o que se deu em várias porções em nível nacional, com o adensamento de uma nova composição partidária, quebrando-se o monopólio de esquerda versus centro? Isso mesmo, esquerda versus centro, com viés de centro-esquerda.
A opção à direita jamais se praticou como posicionamento ideológico no sentido de redução do Estado e valorização do empreendedorismo privado.
PROBLEMAS HISTÓRICOS
O Grande ABC construído pelos conglomerados automotivos fortemente apoiados pelo Estado, o Grande ABC socialista feito por um sindicalismo anticapitalista, o Grande ABC que conhecemos e que está aí em avançada quebra de mobilidade social, esse Grande ABC está numa encruzilhada que vai muito além de disputas eleitorais.
O Grande ABC ficou órfão da proteção de um Estado exaurido, está à deriva trabalhista porque o sindicalismo perdeu o empuxo de entulhos getulistas e ainda não encontrou um norte à retomada.
Somos um barco à deriva em meio ao oceano de passivos sociais, econômicos e ambientais.
Nada surpreendente para quem entregou o destino a uma combinação estatal-sindicalista e tratou a pontapés principalmente os pequenos e médios empreendedores.
Somos um microcosmo do País. Com a desvantagem de que somos um bicho de sete cabeças que soma apenas 2% do PIB do País, além de viver na periferia do poder político e econômico.