A pergunta da manchetíssima aí em cima diz respeito à eleição presidencial desta temporada, envolvendo Jair Bolsonaro e Lula da Silva. A perspectiva de um segundo turno é patente. Tanto quanto o descarte de uma terceira via que jamais existiu, exceto no Consórcio de Imprensa, também conhecido como Órfãos de Benesses Presidenciais.
Insisto na pergunta: a direita ganhará da esquerda? A questão é relevante porque o jogo presidencial poderá ser empatado neste século. O PT duas vezes com Lula da Silva e uma com Dilma Rousseff ganhou a eleição no Grande ABC. E perdeu duas, com Dilma Rousseff e com Fernando Haddad.
Portanto, o jogo entre direita e esquerda está três a dois para a esquerda após cinco eleições presidenciais.
Acho que a melhor tomografia para identificar o comportamento político e social da região está no formato de eleições presidenciais. Disputas municipais não carregam tanto peso ideológico. Mesmo num Grande ABC marcado a ferro e fogo pela esquerda egressa do movimento sindical muito antes que o Brasil fosse tão severamente marcado pelo anacronismo sociológico de ricos versus pobres.
LAVA JATO
As disputas municipais carregam menos porção de ideologia, mas nem por isso não capturam anseios dos doutrinadores. Nas disputas às prefeituras, o poder de fogo de quem está no comando do Paço Municipal pesa muito.
É claro que o ambiente nacional influencia as disputas municipais. Mas não tão decisivamente quanto o ambiente nacional na disputa nacional. Se é que vocês me entendem.
Não fosse a Operação Lava Jato que dizimou o PT no Grande ABC, dificilmente um prefeito aqui, outro ali, sem lastro, teria possibilidade de sucesso nas disputas de 2016. Foram esses prefeitos beneficiados pelo processo autodestrutivo do PT.
A seis meses da disputa presidencial, ouso projetar o resultado regional sem, entretanto, deixar de pedir um comercial para dizer que preciso de um VAR quando faltarem uns 30 dias para o primeiro turno, com direito também a outro VAR, no eventual intervalo entre o primeiro e o segundo turno.
Ou seja, são três momentos e circunstâncias diferentes. Abro duas janelas de tolerância para reavaliar a disputa.
MUITA CAUTELA
Acho que o pedido é justo. Nestes tempos em que a mídia tradicional se consolida apenas como um dos eixos de catequese dos eleitores – e mesmo assim com suspeitas de protecionismos e perseguições mais que justas, porque estão engajadas como nunca – o mais indicado é não cravar sentenças definitivas até que o definitivo ganhe mesmo o formato de mais provável.
Sem entrar em considerações de ordem crítica sobre os dois favoritos ao título de pegar o abacaxi de um País sempre a procura do futuro remexendo no passado inglório, apostaria nesta primeira etapa num empate histórico, o seja, Jair Bolsonaro ganhará a disputa no Grande ABC. No Brasil são outros quinhentos, que não ouso meter o bico -- pelo menos por enquanto.
A imagem nacional de que o PT (e, portanto, a esquerda) domina a cena no Grande ABC, por força de tração do sindicalismo, não corresponde à realidade. É uma fotografia do passado movido pelo sindicalismo, pela rebeldia e também pela inestimável ajuda dos tucanos, tendo à frente Fernando Henrique Cardoso.
PIOR PRESIDENTE
FHC foi o pior presidente da República do Grande ABC. Dilma Rousseff talvez seja concorrente fortíssima. Os dados são irrebatíveis. O melhor presidente da República do Grande ABC seria Lula da Silva se as barbaridades de Dilma Rousseff fossem retiradas da algibeira.
O desgaste do PT chegou ao ponto de só recuperar duas das sete prefeituras nas eleições municipais de 2020, ainda sob os efeitos da Operação Lava Jato. Em 2016, com a Lava Jato incrustada na alma petista, as sete prefeituras passaram a ser controladas por partidos não alinhados à esquerda.
O patrimônio eleitoral petista no Grande ABC perdeu o viço ao longo deste século. Quando Lula da Silva foi eleito pela primeira vez, em 2002, houve um massacre contra o tucano José Serra. O placar regional final de 67,13% a 32,87% dos votos válidos foi mais incisivo inclusive que o placar nacional, de 61,27% a 38,72%.
SURGE BOLSONARO
Dezesseis anos depois, Jair Bolsonaro prevaleceu também avassaladoramente no Grande ABC, agora na disputa com Fernando Haddad e ao amealhar 62,12% dos votos válidos, contra 37,88%. Bem mais, também, que o placar nacional: Bolsonaro foi eleito presidente com 55,13% dos votos, contra 44,87 do petista.
Essa guinada não foi por acaso. O Mensalão, o Petrolão e a Operação Lava Jato fizeram um estrago nos ativos eleitorais petistas. A conversão do Grande ABC da esquerda à direita em uma década e meia obedeceu rigorosamente a trajetória nacional, com um pouco mais de gravidade em relação à média geral.
A pergunta que se faz interessante é se essa diferença no tom crítico à esquerda regional será outra vez confirmada, eventualmente acrescida ou haveria mudança de forma a aproximação dos números finais.
MAIS PRÓXIMOS?
Trocando em miúdo: o placar regional ao fim do provável segundo turno será mais semelhante ao placar nacional? Acho que sim. Com direito, como já disse, a duas edições do VAR. Reboco o VAR do futebol como algo que seria mais ou menos o seguinte: Vamos Avaliar o Resultado.
O diagnóstico dos números eleitorais neste século coloca, como se observa, o Grande ABC mais desconfiado do PT do que a média nacional.
Depois de um tricampeonato (dois com Lula e um com Dilma) o PT caiu em desgraça, mas nada dá garantias de que, passada a tempestade, não inicie eventual recuperação lenta e gradual.
Aliás, já o fez nas eleições municipais de 2020, dois anos depois da eleição presidencial, quando Diadema e Mauá, em segundo turno, trouxeram de volta a estrela vermelha aos respectivos paços municipais.
CURVA DE DESCARTE
A curva de descarte do voto petista na região provavelmente será amenizada em outubro próximo. Depois de atingir o ápice de rendimento em 2002 com Lula da Silva, e de perder para o tucano Aécio Neves em 2014 na reeleição de Dilma Rousseff (que venceu no âmbito nacional) por 58,05% a 41,94%, o PT viveu o inferno astral em 2018 com Jair Bolsonaro frente a Fernando Haddad. A situação político-econômica-comportamental-sanitária e tudo o mais deste 2022 poderá tornar o jogo mais equilibrado. Ou menos desigual.
Parece certo como a morte que nem Lula da Silva nem Jair Bolsonaro conseguirão reviver nesta temporada as vitórias anteriores. No caso de Lula da Silva, reeleito em 2006, os dados de 2002 são extravagantes no Grande ABC: o petista venceu nos sete municípios. Inclusive na conservadora e antipetista São Caetano, quando o ex-sindicalista obteve 52% dos votos contra José Serra.
O ambiente de 2002 era especialmente favorável ao PT e à esquerda regional. O Grande ABC sofrera o pão que o diabo amassou com a presidência de Fernando Henrique Cardoso. Foram oito anos tenebrosos para a região, que perdeu 85 mil empregos industriais com carteira assinada. FHC destruiu as pequenas industriais da região, deixando-as aos deus-dará e ao proteger as montadoras.
NEM UM NEM OUTRO
Nada parece sugerir que Jair Bolsonaro esteja para Jair Bolsonaro de 2018 nesta temporada assim como Lula da Silva de 2002 para Lula da Silva de 2022.
São situações completamente diferentes. Sobretudo porque direita e esquerda se engalfinham de tal maneira que a pauta econômica e variáveis perderam a predominância crítica e passaram a ser tratadas com relatividade e flexibilidade, dependendo entre outros pontos de engajamento ideológico condicionador.
O leitor que gosta de desafios, que quer ir mais fundo, tem a oportunidade, em seguida, de acompanhar palavra por palavra de uma das análises que fiz sobre os resultados de outubro de 2018 para a presidência da República.
Acho que vale a pena uma leitura atenta. Isso não significa, entretanto, afirmar categoricamente que seja algo esclarecedor. É uma análise especial, inédita, mas nem por isso ultrapassou a barreira da cautela. Vale a pena ler:
Quem consegue decifrar
a cara eleitoral da região?
DANIEL LIMA - 05/11/2018
Vou fazer um teste com os leitores. Quem arriscaria desenhar o perfil do eleitorado da região com base nos resultados de 28 de outubro que elegeram Jair Bolsonaro presidente da República na disputa com petista Fernando Haddad? Melhor dizendo: se fosse comparar o resultado final da região com outros territórios paulistas, em qual deles a soma de votos a Jair Bolsonaro teria proximidade? Estamos acertados?
Pois então vamos às alternativas que listei depois vasculhar meus arquivos das eleições especificamente com esse propósito, ou seja, de buscar irmãos siameses eleitorais.
ANÁLISE de 2018
Antes, uma explicação. Tratar os resultados individuais dos municípios da região e compará-los internamente, ou seja, entre si, tem valor definidor das diferenças locais. Já fizemos isso muitas vezes para provar que a região é uma colcha de retalhos sociais, com nuances culturais sedimentadas ao longo de décadas de intervenções demográficas e econômicas.
Olhar para a região e acreditar que somos um conjunto de municípios semelhantes é uma aberração que provoca muitos estragos a empreendedores mal-orientados. Como já se provou fartamente.
ANÁLISE DE 2018
Diadema é tão distinta de São Caetano como Santo André de Rio Grande da Serra. São Bernardo e Mauá guardam diferenças também. Santo André e São Bernardo são parecidas apenas na superfície socioeconômica. Quando se desce ao entranhamento político-partidário, o que parece certo é enganoso. No fundo, cada território municipal da região conta com micro espelhos e macro espelhos na própria região, mas nem por isso são um macrocosmo uniforme.
O que coloca os municípios da região em pontos separados é a proporcionalidade no universo local. Exemplo? Santo André tem uma porção de bairros típicos de São Caetano em termos de classe média e média alta, mas é menos expressiva no conjunto da população. Já se comparar a participação da classe média de Santo André com Diadema, a constatação será a mesma, favorável a Santo André.
ANÁLISE DE 2018
Dito isso, vamos ao questionamento: com que o conjunto de votos destinados a Jair Bolsonaro e a Fernando Haddad nas últimas eleições presidenciais nos sete municípios da região se parece?
a) Osasco, na Grande São Paulo.
b) Barueri, na Grande São Paulo.
c) Bairro Perdizes em São Paulo
d) Bairro Pinheiros, em São Paulo.
e) Bairro Ipiranga, em São Paulo.
f) Todas essas alternativas.
g) Nenhuma dessas alternativas.
ANÁLISE DE 2018
Vou dar alguns segundos de tolerância para o leitor e eleitor raciocinar. Olhem bem para a lista. Perdizes, Pinheiros e Ipiranga são bairros de classe média, média alta da Capital. Principalmente Perdizes e Pinheiros. Já os dois municípios da Grande São Paulo têm predominância do setor de serviços e de comércio sobre a área de transformação industrial. Diferentemente, portanto, desta região de sete municípios.
Pensaram bem. Têm certeza da resposta? Pois então vamos revelá-la: todos os endereços mencionados contam com números semelhantes aos da região na vitória de Jair Bolsonaro. Exatamente todos.
Minha intuição diz que a maioria apostou na alternativa “nenhuma dessas localidades”, ou no máximo enveredaram por Osasco e Barueri. Eu o faria, se não esmiuçasse pessoalmente os dados.
Na edição de amanhã, terça-feira, vou fazer recortes municipais dos resultados na região, comparando-os a outras localidades. Os leitores vão ver o quanto discrepante é o tecido socioeconômico da região, tipificado na multiplicação de espelhos eleitorais.
ANÁLISE DE 2018
No caso do retrato da região como um todo, a aferição correu por uma vereda simples, mas inquestionável: do total de votos presidenciais na região em 28 de outubro (1.353.868), 62,12% (900.448) foram destinados a Jair Bolsonaro e 549.074 (37,88%) a Fernando Haddad.
Entre os 20 maiores municípios do Estado de São Paulo em poderio econômico que integram o G-22 estudados por esta revista digital (Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra completam a lista por pertencer à região), apenas Barueri e Osasco chegaram a números próximos: Osasco registrou vitória de Bolsonaro com 63,14% dos votos válidos e Barueri 62,95%. Lembre-se que na região o número final foi 62,12%.
ANÁLISE DE 2018
Também os três distritos eleitorais da Capital apresentaram números semelhantes aos da região: Bolsonaro somou 62,53% dos votos válidos em Perdizes, 63,21% em Pinheiros e 63,26 no Ipiranga. Os demais distritos da Capital romperam o limite de dois pontos percentuais para mais ou para menos. Na maioria dos casos os resultados foram largamente acima dos dois pontos de margem de erro, por assim dizer.
É muito complexo e arriscado tentar destrinchar correlações entre a preferência do eleitorado da região e dos demais endereços mencionados. Os resultados das urnas não oferecem nada além dos próprios números. Não há segurança teórica alguma em tentar estabelecer vínculos com a garantia de que não se está comprando gato de especulação por lebre de ciência.
ANÁLISE DE 2018
Pesquisas eleitorais fatiam preferências e rejeições aos candidatos com base em sexo, idade, região, escolaridade, renda e tudo o mais, mas não as transportam às urnas em forma de votos concretizados. Os números que saltam das urnas, insisto, são pedras brutas e pedras brutas continuarão a ser. Podem ser amoldados ao gosto do freguês, sem a garantia de que não se está invadindo área inapropriada.
Pesquisas eleitorais abrem o caminho morfológico a avaliações espaciais, mas não dão sustentação a resultados posteriores cotejados com outros endereços. Resultados dentro da mesma bitola de preferência guardam armadilhas.
Resultados semelhantes aos da região na vitória de Jair Bolsonaro podem desdobrar-se em variáveis sem conexão entre si. Exemplo: como pode uma região de assalariados predominantemente industriais (em relação aos demais pesquisados) no volume de massa monetária ir às urnas e oferecer como resultado eleitoral um perfil bruto de bairros prestadores de serviços de alto valor agregado da Capital?
ANÁLISE DE 2018
Tento estabelecer conexões, mas acho arriscado. Da mesma forma que colocar Barueri e Osasco no mesmo saco desafiador de uma explicação que pareceria inconsistente. Os dois municípios também têm predominância de mercado de trabalho bem menos industrializado que o da região. Como os distritos da Capital, não obedeceram ao fluxo ocupacional e demográfico da região. O que une a todos é o ambiente político e institucional próprio de regiões metropolitanas.
Confesso publicamente que me sinto paradoxalmente impotente e empoderado ao não avançar o sinal explicativo de resultados assemelhados em territórios distintos.
ANÁLISE DE 2018
O sentimento de impotência é basicamente por conta de faltarem dados detalhados dos eleitores que compareceram às urnas nessas localidades. O segredo do voto, claro, não pode ser violado. Diferentemente, portanto, de pesquisas, que contam como a anuência dos pesquisados.
Daí os analistas dos institutos de pesquisas exporem explicações mais detalhadas sobre o provável destino dos votos, obedecendo ritual da planilha social, econômica e educacional.
Já o sentimento de empoderamento advém da humildade de reconhecer-me incapaz a uma empreitada que, executada, poderia me levar ao descrédito.
ANÁLISE DE 2018
No fundo, no fundo, e reforçando o que tangenciei anteriormente, o que acho no sentido especulativo da expressão é que o ambiente metropolitano (não se pode esquecer que as localidades estão na Grande São Paulo) tem a ver com os números.
Se isso tem algum fundamento, e parece que tem, por que então outras localidades da Grande São Paulo (em quantidade muito maior) apresentaram resultados que ultrapassaram ou ficaram aquém dos números desse bloco?
Faço esse autoquestionamento e juro que a resposta é um desafio. Diria que a possível melhor explicação a essa dicotomia envolvendo resultados eleitorais é que certamente há especificidades distintas no campo econômico e social a encaminhar dados descolados da margem de erro.
ANÁLISE DE 2018
Ou mais simplificadamente: fatores socioeconômicos e socioculturais pesam mais ou pesam menos na aproximação e no distanciamento de espaços distintos.
Complicado? Pois é: confrontar numericamente os resultados eleitorais da região com aqueles cinco endereços talvez seja a melhor maneira de dizer que se trata de um labirinto perigosíssimo.
Por isso uma abordagem municipal, como faremos amanhã, tenha elementos menos difusos. E mais próximos de uma interpretação menos marcada pelo comedimento de quem não gosta de frequentar ambiente interpretativo hostil à sensatez.